“As mulheres ocupam os espaços e fazem tudo muito bem”, afirma a vice-presidente do STIMMME-Venâncio Aires, Ana Paula Kaustmann

Aos 36 anos, trabalhadora da metalúrgica Gelus, Ana Paula Kaustmann ocupa a vice-presidência do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Venâncio Aires. A entidade se destaca pelo grande número de trabalhadoras na direção. “Hoje, dentro do Sindicato de Venâncio Aires contamos com 10 mulheres na diretoria e 10 homens, ficou 50%, 50% e somos um ponto de referência”, conta.

Natural de Cachoeira do Sul e mora há nove anos em Venâncio Aires, Ana é uma das poucas sindicalistas metalúrgicas que ocupam cargos de relevância dentro das entidades sindicais. Nesta entrevista de sexta-feira (2), ela fala sobre a sua trajetória e dos desafios das mulheres e do movimento sindical.“É muito importante as mulheres ocuparem espaços com mais visibilidade, pois elas se tornam uma referência para outras”, afirma.

Confira a íntegra da entrevista:

Conte um pouco da sua história. Como se interessou pelo movimento sindical?

Na verdade, eu sabia muito pouco. Era apenas uma sócia que usava pouco os serviços do Sindicato, então quanto fui convidada, foi um grande desafio, os primeiros dois anos foram bem complicados… Apenas, a partir do terceiro ano que desabrochei, literalmente. Comecei a me envolver muito mais com o Sindicato, aprender sobre os direitos dos trabalhadores, tudo que diz respeito ao Sindicato, fiz alguns cursos fora do estado, que foram grandes oportunidade e isso foi aumentando o meu interesse pela vida sindical. Esse movimento é muito importante, a gente está sempre nesta luta constante pelo direito do trabalhador, por dignidade e melhores condições de trabalho para eles. Então assim, literalmente não sabia nada, aprendi tudo dentro do Sindicato, a partir do momento que entrei, aprendi tudo ali. Tive muito apoio, inclusive do presidente do Sindicato, que me ajudou e auxiliou, abriu espaço principalmente para o meu aprendizado e formação. E continua dando apoio para todos aqueles que querem. Quem está na diretoria e quer formação, quer aprender, ele sempre apoia e incentiva. Aprendi muito e continuo aprendendo, pois temos muitos desafios e não acabam com apenas uma vitória ou algo que a gente conquista, eles continuam todos os dias.

Qual a importância das mulheres ocuparem seus espaços?

É muito importante as mulheres ocuparem espaços com mais visibilidade, pois elas se tornam uma referência para outras. Hoje, dentro do Sindicato de Venâncio Aires contamos com 10 mulheres na diretoria e 10 homens, ficou 50%, 50% e somos um ponto de referência. Mesmo as mulheres sendo poucas nas fábricas, pois a metalurgia ainda é muito masculina, com poucas mulheres, mas as poucas que tem adquirem uma certa confiança em nós, por fazermos parte da diretoria, conversam com nós sobre os mais diversos assuntos e esse espaço que a gente conquistou é muito importante e acredito que podemos conquistar mais. Por exemplo, presidente de sindicato eu ainda não conheço nenhuma mulher na nossa categoria. Mas acho que já melhorou muito e o nosso Sindicato abriu esse espaço e nos dá todo o apoio e incentivo, tudo que a gente quer fazer para as mulheres, eles estão disponíveis para ajudar, o presidente é muito aberto, parceiro, nos ajuda, apoia, incentiva e instrui algumas coisas que a gente ainda não sabe. Esse espaço é importante também para lutar por melhores condições de trabalho para as mulheres no momento que ela fica grávida, que tira sua licença maternidade, quando precisa fazer seus exames de rotina, é muito importante estarmos dentro das fábricas e falar isso no RH, que elas tem esses direitos, exigir esse direito e também que as empresas não tenham preconceito, não deixem de contratar mulheres porque as mulheres fazem coisas, muitas vezes, melhores que os homens, tudo que os homens fazem as mulheres podem fazer, tem a capacidade de aprender. As mulheres ocupam os espaços e fazem tudo muito bem, não deixam nada a desejar. Então a importância é gigantesca.

Você vem de uma categoria que as mulheres são minoria e o movimento sindical é muito machista. Como você lida com isso?

O movimento sindical ainda é muito machista. Então quando a gente vai numa viagem, por exemplo, vai três mulheres e cinco homens. Parece que aquilo tem que ser só eles, porém a gente está conseguindo conquistar o nosso espaço. E conquista como? É com essas formações, é com cada vez mais mostrando que temos a capacidade de representar muito bem o nosso Sindicato, sempre. E levando as pautas feministas, porque muitas vezes os homens não sabem falar como a gente fala, sente ou pensa. Então, temos que estar neste lugar, neste espaço, estar em reuniões, assembleias, mesa de negociação… Ainda são homens, a maioria nas mesas de negociação. Mas estamos conseguindo entrar neste espaço mesmo com esse machismo que acho está diminuindo aos pouquinhos, e de fato, não será do dia para a noite.

Você é dirigente de um sindicato que tem na direção um grande número de mulheres, fale um pouco sobre essa experiência.

Ter todas essas mulheres se tornou um pouco melhor na questão de como a gente vai fazer coisas para as trabalhadoras, pois tem um pouco de nós em cada fábrica e fica mais fácil levar essas pautas para uma reunião, para um possível Convenção, pois conseguimos abranger mais, se tem uma empresa que tem só homens, muitas vezes as mulheres ficam sem jeito de conversar. Então, tendo várias mulheres na direção, elas nos ligam, procuram ou a gente consegue ligar para elas, conversar. Isso melhorou bastante, a parte sindical. Tanto que o nosso Encontro das Mulheres, realizado em março foi um sucesso, porque foram 10 diretoras que se envolveram, pensaram, fizeram tudo e convidaram as mulheres, ficou muito mais visto, tanto o Sindicato, as diretoras e a confiança que estamos adquirindo com elas só aumenta. E depois disso, queremos fazer o nosso coletivo de mulheres aqui de Venâncio e é uma experiência diferente, temos apoio uma das outras, somos um grupo e temos sempre que nos apoiar, deixando o ego para trás, essa ideia de que uma está a mais tempo na diretoria do que a outra, vamos sempre apoiando uma a outra, quando uma dá um passo que vai ajudar toda a categoria, ficamos felizes por todas. Um passo muito importante foi dado e até agora está dando certo.

Na tua opinião, qual o desafio das mulheres no movimento sindical?

É conseguir tudo aquilo que colocamos na pauta. Às vezes vamos para a reunião com a patronal e não conseguimos colocar as nossas demandas na Convenção, acredito que isso é uma grande dificuldade. Também, a abertura do mercado de trabalho para as mulheres está sendo muito difícil dentro das fábricas, precisamos ter argumentos para os empresários verem a importância de empregar as mulheres, de dar oportunidade, muitas querem participar, trabalhar e não conseguem por conta do preconceito que existe, que a mulher vai engravidar, vai ter que sair da empresa, vai ter um filho pequeno e não tem com quem deixar, que a mulher precisa amamentar, isso, aquilo… Essa é a maior dificuldade que a gente tem, conseguir deixar as mulheres dentro das metalúrgicas. Aqui na região, tem empresas que tem cinco trabalhadoras e 50 homens, a diferença é muito grande.

Qual a tua avaliação dos ataques que a classe trabalhadora tem sofrido desde o golpe de 2016. Como as reformas trabalhistas e da previdência?

A gente continua sofrendo desde 2016, notamos que as empresas estão assim “tu quer, quer. Não quer, pode ir porque tem um monte de gente na fila querendo um emprego”. Então, é uma dificuldade que as pessoas estão custando a ver, estão achando que está tudo muito bom e na verdade, falta muita consciência de classe para as pessoas, para saber em qual parte da pirâmide estão. Essas reformas afetaram muito e os dirigentes tiveram que aprender muito mais para passar as informações aos trabalhadores, pois muita coisa mudou e eles não entendem. Por exemplo, por que não vou conseguir me aposentar com tanto tempo de serviço? Posso fazer um contrato direto com o patrão? Tivemos que nos profundar nisso, pois as reformas afetaram muito os trabalhadores e eles reclamam, questionam e a gente como dirigente sindical, tem que ter a consciência do quanto que temos que informar a classe trabalhadora. Agora, na época que estávamos na rua, nos mobilizando, alertando sobre tudo isso, eles não acreditaram. Infelizmente, as consequências vieram e nos estamos aqui ainda para luta por eles, esse é o nosso objetivo, o nosso papel, é continuar lutando pelos trabalhadores, não conseguimos nada sozinhos. A gente, como diretoria, está aqui junto e acredito que vamos conseguir mudar muita coisa, levar informação e mostrar para eles que os trabalhadores são importantes, que os patrões não vão destruir o que a gente conquistou e nem o que vamos vir a conquistar.

Qual a importância dos sindicatos na vida dos trabalhadores?

O Sindicato não é só um prédio, é muito mais que isso. Para muitos trabalhadores, um sindicato é importante só na época do dissídio, mas esquecem que o sindicato trabalha e pensa o ano inteiro em tudo que envolve a vida do trabalhador, o que precisa, na parte assistencial, nas negociações… Eles tem que entender que isso é representação, nos estamos sempre representado os trabalhadores, quando tem problema dentro da empresa, nós estamos lá para falar por eles, para ninguém ir para a rua, por isso, é o dirigente que reclama, reivindica. Um sindicato consegue suprir muita coisa na vida do trabalhador, aqui temos atendimento médico, odontológico, psicológico. Todos os atendimentos que conseguimos, damos para os trabalhadores e mostramos isso para eles que o sindicato não existe só em época de Convenção Coletiva e representa o trabalhador o ano inteiro, em tudo que ele precisa.

O movimento sindical, como um todo, está muito desacreditado. Como reverter isso?

Realmente, o movimento sindical, como um todo, está muito desacreditado e eu acho que tem que começar por nós mesmos, a gente tem que se reinventar, estar bem munido de informação sempre, muita formação e não sei te dizer exatamente como reverter isso, mas sei que temos que estar munidos de informação. A gente tem que estar pronto para falar com o trabalhador, para mostrar a importância dos sindicatos, de ser associado, de ter a gente como uma forma de proteção. A gente protege o trabalhador, pois muitos não tem entendimento jurídico, por exemplo, quando é mandado para a rua, então temos os advogados, atendimento, protegemos os trabalhadores contra todas as injustiças, tem também aqueles patrões que gostam de abusar das pessoas, estamos ali para defender, para quando o trabalhador pensar que está com problema, saber que não está sozinho, tem a nós e vamos atrás de tudo que precisa para apoiar e ajudar o trabalhador. Mas precisamos também se reinventar enquanto sindicato.

Na tua opinião, qual o principal desafio do movimento sindical no próximo período?

Nosso desafio agora vai ser colocar na cabeça dos trabalhadores a consciência de classe, que é saber em quem votar e como votar para mudar a vida deles, porque o atual governo não nos defende, está aí para defender interesses dos patrões. Então temos que mostrar para eles, não o “você tem que votar em tal pessoa”, mas que tem que votar consciente e pensar aonde pertence, por isso a consciência de classe é importante, pois com ela eu sei aonde pertenço, como votar e vou votar em quem luta pelos meus interesses, pelo trabalhador, pelo mais pobre, que vai lutar por coisas para nós, por mais condições na saúde, na educação, isso é um grande desafio que a gente tem. Levar a informação para eles terem o discernimento para perceberem que o sindicato foi o grande responsável por me mostrar tudo aquilo que eles não viam antes.

Como atrair mais sócios para os sindicatos, principalmente as mulheres?

Atrair sócios é outro desafio nosso. Como eu digo, sempre temos que estar munidos de informação, é isso que vai fazer a diferença, se for conversar com um trabalhador e querer convencer ele de fazer parte do Sindicato tenho que ter todas as informações possíveis para ele entender a importância de ser associado e aqui, pelo menos, eu vejo que as trabalhadoras estão vindo mais porque tem mulheres na direção e também pela parte assistencial com o pediatra e ginecologia que temos dentro do Sindicato de Venâncio Aires. Quando elas precisam consultar, marcam o horário por telefone, não precisam sair no frio, pedir para alguém marcar, simplesmente mandam a mensagem e a consulta é agendada, além da consulta normal, também realizamos o exame pré-câncer dentro do Sindicato, sem custo algum para as sócias e dependente e isso chama atenção. Aqui em Venâncio, a nossa dificuldade maior nem é com as mulheres, mas com os jovens, tem aquela coisa que acham que não precisam do Sindicato, que não ficam doentes e na verdade, o jovem está sempre contanto conosco, ele pode ser um jovem aprendiz ou ter o auxílio estudante do sindicato. A juventude, hoje, não quer se associar e esse é o nosso maior desafio, ninguém é obrigado a se associar, mas a gente tenta e mostra tudo aquilo que temos e deixamos claro que quando quiserem podem vir até nós. Temos que trazer os jovens, pois é a juventude que vai ficar nos sindicatos. Ao menos aqui, as mulheres não são o nosso maior desafio, na empresa onde trabalho, por exemplo, todas as mulheres da produção são sócias, isso demonstra que o trabalho dessa direção composta 50% por mulheres tem surtido efeito, é uma visão minha, mas estou dentro da fábrica e sei que a gente consegue conversar mais com elas, entender melhor as trabalhadoras. Uma coisa que coloco hoje é que estou mais motivada em fazer pelo Sindicato, pelos nossos associados, pela comunidade também que conta conosco e essa motivação vem a cada dia, por cada conquista, por mais que possa ser pequena para alguns, para outros é gigantesca. E como estou vice-presidente do Sindicato espero poder fazer muito, nestes três anos e meio, que tenho de mandato e melhorar a vida das nossas trabalhadoras, para elas terem uma segurança, poderem sustentar suas famílias, seus filhos, a maioria das mulheres são sozinhas, mães solos e precisam trabalhar e conseguir isso, manter o emprego e os direitos é uma vitória.

Fonte: STIMMMESL

Imagens: Israel Bento Gonçalves

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