Terceirização pode reduzir vagas para deficientes, dizem especialistas

Com o objetivo principal de permitir a terceirização de funcionários que realizam a atividade fim de uma empresa – como os padeiros em uma padaria, professores em uma escola ou advogados em um escritório de direito -, a lei número 13.429 pode impactar negativamente uma outra norma: a de cotas para deficientes.

 

Organizações de apoio às pessoas com deficiência temem que a Lei da Terceirização incentive empresas a substituírem empregados contratados por trabalhadores de terceirizadas. Desta forma, diminuiria o número de deficientes que elas são obrigadas a contratar segundo a Lei de Cotas, que prevê que todas as empresas com mais de 100 funcionários, preencham de 2% a 5% dos seus cargos com esses trabalhadores.

 

"Se a empresa tiver 100 funcionários e terceiriza parte dessa mão de obra, ela sai da Lei (de Cotas). Mesmo nas que não saem, ao terceirizar uma parte dos serviços, a porcentagem de deficientes que precisa ser contratado cai", explica Rodrigo Rosso, presidente da Associação Brasileira das Indústrias e Revendedores de Produtos e Serviços para Pessoas com Deficiência (Abridef).

 

O senador e ex-jogador de futebol Romário Faria (PSB-RJ), ativista na causa dos deficientes, é um dos que acreditam que companhias vão preferir substituir os empregados contratados por prestadores de serviços para escapar do cumprimento da legislação.

 

Em nota por meio de sua assessoria de imprensa, o senador explica que ainda existem muitos empresários que acreditam que empregar pessoas com deficiência implica em prejuízos, seja pelos gastos com acessibilidade ou por associarem as limitações à incompetência.

 

Por outro lado, há quem entenda que os impactos da terceirização serão limitados, já que aquele profissional que pode substituir o empregado contratado tem vínculo empregatício com a empresa que terceiriza, que também deverá cumprir a lei.

 

"Caso as companhias optem pela terceirização da sua mão-de-obra, consequentemente, aumentará a demanda das empresas prestadoras de serviços. Então, elas também terão que contratar mais empregados CLT, e estarão igualmente sujeitas ao cumprimento da cota", diz Eliane Gago, sócia da DGCGT Advogados. Ela também ressalta que é precipitado assumir que a substituição maciça dos funcionários contratados será uma tendência.

 

O raciocínio, no entanto, foi questionado por outros especialistas, que acreditam que os funcionários virão de várias terceirizadas menores, que podem não entrar na legislação dos portadores de deficiência, ou precisar cumprir um porcentual menor.

 

"Se aquela grande empresa substitui 300 empregados, eles podem não vir de uma única prestadora de serviços, mas de várias pequenas", afirma o juiz do Trabalho Marcos Scalercio.

 

Multas. Mesmo estando em vigor há mais de 25 anos, menos da metade das companhias que deveriam cumprir a Lei das Cotas realmente o fazem. No entanto, os registros apontam para uma tendência de crescimento nesse campo.

 

Dados do Ministério do Trabalho mostram que em 2013 apenas 37,58% das empresas com mais de 100 empregados atendiam a determinação legal. Em 2014 esse número aumentou para 39,72% e em 2015, o último levantamento sobre o assunto, registrou subida para 45,39%.

 

Uma das explicações para a alta pode ser a maior fiscalização. Segundo o ministério do Trabalho, foram aplicadas 4.550 multas por descumprimento das Lei de Cotas em 2015, 38% a mais do que em 2014. Entre 2013 e 2015 o número de infrações registradas cresceu 82%. Em 2016, no entanto, ele voltou a cair, com apenas 2.747 penalidades aplicadas.

 

Mesmo assim, Açucena Bonanato, consultora da Rede IPC, uma instituição focada na inclusão da pessoa com deficiência no mercado formal de trabalho, acredita que muitas empresas ainda preferem pagar a multa a contratar deficientes.

 

"Desde 1991 para cá melhorou (a inclusão nas empresas), mas ainda falta muito. Vejo que as mesmas empresas que pagavam multa no passado continuam pagando hoje, porque não houve conscientização de que o cumprimento não é só obrigação, que essas pessoas também podem ser bons profissionais", afirma.

 

Os desdobramentos de um eventual descumprimento da lei, no entanto, não são tão simples. Marcos Scalercio explica que após a penalidade, o ministério Público do Trabalho (MPT) pode ingressar com uma ação civil pública, que pode gerar uma indenização.

 

Sylvia Lorena, gerente executiva de relações do trabalho da CNI, afirma que um dos motivos que justificam o baixo cumprimento da Lei de Cotas é a dificuldade que as empresas encontram ao buscar profissionais.

 

"Apesar da positiva e necessária, o cumprimento desta lei tem sido de difícil alcance, em virtude de não haver disponibilidade de profissionais com deficiência aptos para atender a demanda fixada. Isso se verifica, por exemplo, pelo esforço intenso das empresas de atrair esses trabalhadores a processos seletivos, por meio de anúncios em jornais, de inscrição de vagas no SINE, entre outros, sem êxito ou com resultado aquém do necessário", afirma.

 

Lorena ainda afirmou que a própria Justiça do Trabalho já tem reconhecido que empresas não podem ser penalizadas por não cumprirem a cota se comprovarem que fizeram esforços para buscar candidatos.

 

O juiz Marcos Scalercio confirma que existiram casos em que isso ocorreu, mas foram situações pontuais. "Falar que buscou no mercado e 'provar' com anúncio em jornal não é suficiente. Para essa tese ser válida, a companhia precisa comprovar que buscou, com anúncios, parcerias com entidades", afirma.

 

Entre 2010 e 2016, o site de recrutamento de emprego Vagas.com registrou um aumento de 187% no número de anúncios publicados para pessoas com deficiência. O número de novos currículos de trabalhadores com necessidades especiais aumentou 74% no mesmo período.

 

Fonte: O Estado de São Paulo

 

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