Crise tirou 170 mil jovens da faculdade
O aumento expressivo do desemprego entre os jovens durante os anos de crise não preocupa apenas pela queda na renda das famílias. Ele se reflete na formação. Mais de 170 mil brasileiros, com idades de 19 a 25 anos, abandonaram a graduação só no ano passado e tiveram de adiar o sonho de ascender socialmente pelos estudos.
Na fila do seguro-desemprego, Miguel Júnior, de 23 anos, admitia que a faculdade de Engenharia ficaria para depois. Filho de uma empregada doméstica, ele dependia do emprego em um centro de distribuição de medicamentos para pagar os estudos, mas o corte de funcionários começou há dois meses. “Já escolhi a faculdade, mas preciso fazer uma poupança antes de começar o curso. O que mais tenho são amigos que tiveram de parar a faculdade na metade, quando a crise apertou.”
A desistência não cresce apenas em anos de crise, mas esse movimento havia sido bem menor em anos anteriores, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, compilados pela consultoria LCA. A média do aumento do estoque de estudantes que tiveram de abandonar seus cursos de graduação era de cerca de 5% ao ano, entre 2013 e 2016.
Essa evasão aumentou 47,8% entre 2016 e o ano passado, acompanhando o movimento de fechamento dos postos de trabalho e a redução da oferta de financiamento estudantil.
“Isso também tem a ver com o aumento da oferta do ensino superior e com o maior acesso às universidades nos anos anteriores à crise. A evasão é naturalmente grande, mas em 2017 foi pior pelas restrições de emprego e de renda”, avalia o economista Cosmo Donato, da LCA.
“O aumento da evasão faz todo o sentido, também pela redução da oferta do Fies (programa de financiamento estudantil) nesse período. O que a gente chama de restrição de crédito para os estudantes foi muito grande nos anos de crise, sem financiamento e, vendo a renda da família diminuir, o jovem acaba não tendo uma outra saída.”
Com a erosão das contas públicas, o governo também restringiu o acesso ao Fies. Em 2017, foram 98,9 mil contratos. Esse número tem caído desde 2014, quando foram 732,7 mil.
Intervalo
Um outro agravante é que muitos chefes de família perderam o emprego durante a crise – quase 2 milhões deles deixaram o mercado formal em três anos. Os mais jovens não tinham os estudos necessariamente pagos pelos pais, mas muitos deles foram forçados a entrar no mercado de trabalho mais cedo para ajudar no orçamento da família.
O professor do Insper Sergio Firpo lembra que os números da Pnad apontam que os filhos com escolaridade baixa têm participação maior no mercado de trabalho, e que a desocupação cresceu mais durante a crise entre os chefes de família que têm baixa ou média escolaridade.
“Os jovens de famílias com pais de baixa escolaridade tiveram chances maiores de serem afetados pela crise, porque são mais facilmente empurrados para o mercado de trabalho do que os adolescentes de famílias mais ricas”, diz Firpo.
Justamente na faixa entre 19 e 25 anos, que costuma ser composta por uma mão de obra pouca qualificada, mesmo a volta ao mercado de trabalho é mais complicada, diz Donato. “Um chefe de família pode voltar a ter carteira assinada, ganhando menos. O jovem tende a voltar com renda menor e, na maioria das vezes, informal.”
O rendimento real entre esses brasileiros quase não variou de 2016 a 2017, segundo a LCA, com aumento de 0,1% – enquanto nas faixas etárias mais velhas, a alta foi de 1,1% a 4,7%.
Momento difícil
O sonho de Walas dos Reis, de 29 anos, de abrir uma empresa para administrar e assessorar a carreira de cantores está, por enquanto, adiado. Em 2015, no auge da crise, ele, que nas horas vagas também canta, toca violão e faz uma dupla sertaneja com o irmão, teve de largar a faculdade de administração em Vitória (ES), porque ficou desempregado. “Fiquei sem condições de pagar o curso.” Ele trabalhava como segurança e ganhava R$ 1.750. Gastava mais da metade com a faculdade.
Sem opção, ele e o irmão, que também abandonou a faculdade, embarcaram para São Paulo em fevereiro de 2017. A expectativa da mudança de cidade era arranjar um emprego na área de administração e impulsionar a carreira artística da dupla sertaneja Wallas e William.
Mas não foi bem isso que conseguiu. “Coloquei currículos em várias empresas, mas eles disseram que, como não concluí o curso, não tenho como trabalhar na área.” Na carreira artística, o recomeço em São Paulo também foi difícil.
Nos últimos meses, ele se empregou como faxineiro num prédio, ganhando R$ 1.300. Alguns shows começaram a aparecer. Reis diz que não tem vergonha de trabalhar como faxineiro para sobreviver. “O Brasil está num momento difícil para os jovens que não têm uma condição financeira.”
Situação piorando
Pouco antes de completar 20 anos, em dezembro do ano passado, Mauro Turpin optou por trancar o curso de publicidade e propaganda para reforçar a equipe da empresa dos próprios pais. “Eles não exigiram, mas eu via que a situação estava ficando cada vez pior. Queria ajudar nas contas.”
Inicialmente, os dois anos de estudo de Mauro iriam servir para estruturar uma nova estratégia de marketing da empresa, composta por uma fábrica de bijuterias e uma loja. Entretanto, com o corte de funcionários, em poucos dias o estudante passou a ser o “faz-tudo” da loja, transitando pela função de vendedor e idas ao cartório.
A parceria começou a se desgastar: “O trabalho não estava sendo o que eu queria”. Após três meses longe das salas de aula e sem experiência prévia no mercado, Mauro tentou procurar estágios na área, mas descobriu que antes precisava voltar para a faculdade. “Por sorte, os pais de uma amiga têm uma agência de publicidade, e ela me indicou para uma vaga.”
A vaga não é com carteira assinada – ele mesmo ainda não tirou o documento – e trabalha oito horas diárias, ganhando pouco mais de R$ 1 mil. O jovem pretende retornar aos estudos no segundo semestre de 2018.
Apesar de não ser registrado, ele valoriza a vaga. “Uma coisa que nunca gostei é de depender dos meus pais. É bom ter controle da minha vida.”
Sonhos distantes
A pior parte de deixar o emprego de jóquei e tratador de cavalos foi se despedir dos animais. “Eu tinha o emprego que eu pedi a Deus”, lembra Genilson da Silva, de 25 anos, demitido do Jóquei Clube de São Paulo.
Ele lembra que sempre, desde pequeno, tinha o sonho de cuidar de animais. A baixa estatura e peso o ajudaram a se qualificar para a profissão. “Pensei em ser veterinário ou trabalhar em um haras. Crio um cavalo em casa, o Faísca. Ele hoje é uma das minhas principais fontes de renda. Depois dele, ainda arranjei mais quatro.”
Genilson, que aprendeu a montar aos dez anos, só se arrepende de ter deixado os estudos de lado. “O meu sonho atual é terminar o ensino médio. Com estudo já é difícil arrumar um emprego, imagina na minha situação.”
Sem trabalho fixo, Genilson tira parte da renda alugando os cavalos para eventos, como aniversários e desfiles, além de oferecer passeios de charrete. O custo de manutenção é de R$ 250 por mês, além do aluguel.
Com o orçamento curto, ele decidiu tentar a vaga que aparecer. “Apesar de ainda sonhar com outro emprego em que possa cuidar de bichos”, conta, ao se candidatar a limpador de vidros de edifícios. “Sonhar longe, a gente sempre sonha. Mas parece que até os sonhos ficaram mais distantes agora.”
Fonte: Estado de São Paulo