Chuva de “fake news” é democracia do avesso, aponta painel do FNDC na Unisinos
Se você normalmente se informa pela mídia tradicional – rádios, canais de televisão aberta, ou impressos (jornais, revistas e outros) – certamente já ouviu falar, nos tempos mais recentes, das chamadas “fake news” ou “notícias falsas”. E, ao se falar do assunto, se começa a desconfiar: como assim, “notícias falsas”?
Em princípio, ao se observar o que o Jornalismo representa para a sociedade, e nas possíveis transformações que vem sofrendo, com o uso das tecnologias dos mais diferentes alcances, não se imagina que uma notícia seja falsa, tendo em vista que “a notícia é um relato de um fato ocorrido”. Na essência do fazer jornalístico isto é elementar, mas há em si as diferentes interpretações.
Pois bem, exatamente com o objetivo de ampliar o debate e abrir novas possibilidades de entendimento sobre as notícias falsas e seus usos, é que o Comitê Gaúcho do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), coordenado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (SINDJORS), Sindicato dos Servidores Públicos do RS (SINDSEPE) e CUT-RS, juntamente com outras organizações sociais, como o Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, o Movimento 3D – Democracia , Diálogo e Diversidade, a Associação de Juristas pela Democracia e o Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social, em parceria com a Unisinos, realizaram no início da noite da segunda-feira (21) o painel “Fake News, Eleições e Democracia”, no auditório do Direito, em São Leopoldo.
Importância da mídia alternativa
Na abertura, a jornalista Kátia Marko, editora do jornal Brasil de Fato no Rio Grande do Sul e diretora do Sindjors, saudou os participantes em nome do FNDC, lembrando que as mídias alternativas têm sustentado as forças contra-hegemônicas ao que é divulgado pelos grandes veículos de comunicação, muitas vezes observando as questões de melhor esclarecer à população sobre os diferentes registros feitos, principalmente sobre fatos políticos.
Cartilha sobre desinformação
A jornalista Júlia Lanz fez também o lançamento estadual da cartilha “Desinformação: ameaça ao direito à comunicação muito além das fake news”, publicada pelo Intervozes. Com 46 páginas, o material ajuda a entender melhor a realidade da comunicação nos dias atuais, sendo um instrumento esclarecedor sobre o significado e o sentido provocado pelas notícias falsas na sociedade.
A cartilha está disponível para download gratuito aqui.
Notícias falsas influenciaram golpe e eleições
Foram convidados para palestrar o consultor e analista de redes sociais, Lucio Uberdan, a jornalista e professora aposentada Christa Berger, o jornalista, escritor e professor da PUCRS, Juremir Machado da Silva, o professor de Direito da Unisinos, Guilherme Azevedo,
Christa Berger, que tem uma trajetória profissional de referência nos cursos de Jornalismo da Ufrgs e da Unisinos, considera importante a problematização das notícias falsas, “no sentido que, se são falsas, só aparecem para desmerecer o fato e o ato do registro jornalístico, e, portanto, são externas aos processos instituídos para a formulação adequada da informação”.
Para a professora, todo o movimento que se criou durante o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, com notícias falsas sobre ela e sua vida pessoal, por exemplo, construíram imaginários de intensidade negativa, que levaram ao impeachment. “E o discurso formulado durante as eleições de 2018 dizia que o ‘novo’ estaria chegando para mudar a realidade dos brasileiros, o que, na verdade se mascarou com as velhas práticas políticas como tirar a vida da vereadora Marielle Franco, que, sim, representava o novo, por ser vereadora, mulher negra, representante da periferia e lésbica”, afirmou Christa.
Novas tecnologias mudaram propagação das “fake news”
Logicamente, a citação da expressão “fake news”, vinda do idioma inglês, está amplamente difundida nas redes sociais, via Internet, o que atinge cerca de 70% da população moradora das periferias das grandes cidades, cujo principal acesso à Internet é por aparelhos celulares. Os dados estão na própria rede mundial de computadores. “Este foi um dos elementos que contribuíram para a eleição do atual presidente da república do Brasil”, segundo o analista Lucio Uberdan.
Para ele, “a enxurrada de ‘fake news’ ocorrida no período eleitoral favoráveis à política do grupo de Jair Bolsonaro tinha um público certo: mulheres donas de casa, mães, que frequentavam igrejas pentecostais ou neo-pentecostais, portadoras de celulares”. E prosseguiu: “a disseminação de notícias falsas não são novidade, se buscarmos os ‘velhos’ panfletos sem identificação da autoria, nas maiores disputas eleitorais que já tivemos no país, em anos passados. O que ocorre hoje é que temos estruturas tecnológicas, que invadem as casas e os organismos institucionais, com a agilidade dos computadores e redes telefônicas”.
Uberdan, que tem trabalhado com pesquisas de dados e checagem de informações falsas, considera para o futuro que a projeção global política será protagonista, assentada na economia manipuladora das elites capitalistas, associando-se ao domínio dos grupos de produção e geração de redes de comunicação. No entanto, reforça o estado de resistência vivido por parte da população brasileira, “na busca de mudanças, citando os diferentes grupos organizados para a educação digital, incluindo processos que envolvam as artes, os projetos de ensino-aprendizagem e a própria identidade dos brasileiros”.
Jornalismo em xeque
Para Juremir, “os atos e atitudes tomados pelos governantes, atualmente, mudam os posicionamentos da própria imprensa, que provocam alterações nos modos de entendimento da população. E isto predomina nas consequências ideológicas”, afirmou o jornalista. Segundo ele, “as regras do jogo político não podem mudar de acordo com a Constituição, ou se muda para evoluir, como evolui a sociedade”.
O jornalista, que é colunista do Correio do Povo, comentou sobre o trabalho feito pelo grupo The Intercept que tem tido a boa sorte de receber um volume grande de denúncias de manipulações dos juízes e procuradores da operação Lava Jato, contra a própria situação do ex-presidente Lula, que está preso. Para o professor, que autografou o seu recente livro “Ser feliz, é tudo o que se quer”, “as notícias falsas estão sendo produzidas por quem não é jornalista. E isso põe em xeque o jornalismo que se faz. Mas, também, os jornais antigos não ficavam fora desse esquema, e eram infames e mentirosos”, disse.
Ele complementou lembrando que “nos anos de 1950 não acabava em processo, acabava em tiro. E nós não estamos fazendo o contraponto, em relação às notícias falsas, pois a relação está cada vez mais incestuosa entre os interesses jurídico e político. Por isso, com atitudes como a do The Intercept, o jornalismo se agiganta”!
Necessidade de regulação
Já o professor de Direito Público da Unisinos afirmou que há perplexidades do Direito, que mudam completamente o conceito de notícias falsas em escala global. E explicou que “o Direito entra no assunto das notícias falsas para tentar regular, mas é necessário localizar a fonte de origem, quem distribui e a quem se responsabiliza por elas. Há por isso, uma tamanha trama de informações que passam pelo teor jurídico quase impossível de se localizar o próprio papel das notícias falsas”.
Guilherme comentou sobre o Direito de Resposta, que já não é tão usado, pois as fontes podem ser as mais diversas como “a minha tia” ou um jornal, uma fala no rádio, uma entrevista na televisão, e as próprias manifestações nas redes sociais da Internet.
Na sua opinião, há necessidade de se criar mecanismos jurídicos para se controlar o que é divulgado e o que se pode capturar de tudo o que é distribuído, inclusive com educação para a mídia, o que deverá resultar numa “auto regulação regulada”.
Resistência e mobilização para combater “fake news”
Após as falas dos painelistas, houve espaço para manifestações dos participantes, na sua maioria jornalistas e estudantes de Comunicação e Direito da Unisinos, além de representantes de entidades sindicais e movimentos sociais, que fizeram perguntas e destacaram a importância do tema para a democratização da comunicação no Brasil e no mundo.
Foi observada a necessidade de se estabelecer propostas de avanço nas discussões, nas questões apontadas pelos palestrantes, e que haja maior engajamento da sociedade para reforçar a resistência e a mobilização para combater as “fake news” e a desinformação, fortalecendo parcerias e ampliando debates para defender a verdade e a democracia.
Fonte: CUT-RS