Fome na pandemia: moradores de favelas já fazem menos de duas refeições por dia
Pesquisa do Instituto Locomotiva em parceria com a Cufa mostra que 80% das
famílias moradoras em favelas estão vivendo com apoio de doações.
Com o agravamento da pandemia do novo coronavírus e sem nenhum apoio por parte do governo de Jair Bolsonaro, a fome já faz milhares de vítimas nas favelas brasileiras. É o que mostra a pesquisa A Favela e a Fome, realizada pelo Instituto Locomotivaem parceria com a Central Única de Favelas (Cufa). O estudo mostra que os moradores de 76 comunidades pesquisadas fazem atualmente 1,9 refeições por dia, em média. O que significa que apenas uma refeição – café da manhã, almoço ou jantar – é feita por todos os moradores dos domicílios. As demais são suficientes apenas para alguns membros da família, geralmente as crianças. “Com o fim do auxílio emergencial, o recorde do desemprego e o caos na saúde, a fome voltou à mesa da favela. Nossa pesquisa mostrou que uma família faz hoje, em média, menos de duas refeições por dia. A situação ainda não chegou ao pior estado porque ONGs ainda fazem chegar auxílio às comunidades. Mas vivemos uma situação limite”, explicou o presidente do Instituto Locomotiva e fundador do Data Favela, Renato Meirelles.
A pesquisa ouviu 2.087 pessoas, em fevereiro, e revela que 68% delas teve a alimentação prejudicada em meio à pandemia – com parcela importante chegando a passar fome. Em pesquisa semelhante, feita em agosto de 2020, esse percentual era de 43%. Ainda segundo o instituto, 82% das famílias pesquisadas relataram que não conseguiriam se alimentar diariamente sem ajuda de doações. Além disso, 90% das pessoas disseram ter recebido ajuda em algum momento da pandemia.
Com o agravamento da pandemia e sem auxílio emergencial, 71% das famílias moradoras de favelas tiveram perda de renda, sobrevivendo hoje com cerca da metade do que ganhavam antes do surto. Os entrevistados relataram ainda não ter nenhum dinheiro guardado (93%). No ano passado, 58% dessas famílias recebeu o auxílio emergencial de R$ 600. Dinheiro que também movimentava a economia local, garantindo a sobrevivência dos pequenos comerciantes.
Desde a suspensão do auxílio emergencial, em dezembro, pelo governo Bolsonaro, já são três meses sem praticamente nenhum apoio governamental. “O principal impacto é na geração de renda. Como tem um grupo grande de trabalhadores informais, e você teve uma dificuldade no período inicial de chegar o auxílio emergencial lá dentro, o impacto na renda foi gigantesco, e isso trouxe a fome. Mas a fome (em meio à pandemia) é consequência da ausência de renda”, destacou Meirelles.
Entre o risco de ser contaminado pelo vírus, que aumentou com o agravamento da pandemia, e passar fome, as famílias que vivem em favelas estão sem opções. E isso se reflete na conduta diária. Apenas 32% dos entrevistados disseram estar seguindo as medidas de prevenção contra a covid-19. Outros 33% afirmam estar tentando, mas que nem sempre conseguem. Os últimos 35% dizem não conseguir seguir as regras, por precisar, ao menos, fazer “bicos”.