“O combate ao racismo tem que ser trabalhado todos os dias”, afirma o diretor do STIMMMESL, Alexandro Braga
Negro, metalúrgico, casado, pai de dois filhos, morador de São Leopoldo e trabalhador da Gerdau há 26 anos. Alexandro da Silva Braga, conhecido como Balaca, tem 46 anos, está na direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Leopoldo e Região desde 2015 e é categórico ao afirmar que o combate ao racismo tem que ser diário. “Vejo que o mercado de trabalho para a população negra é muito escasso”.
Nesta entrevista de sexta-feira (26), o diretor fala sobre a realidade dos negros no mercado de trabalho e no movimento sindical, o combate ao racismo, as consequências do golpe de 2016 e a importância do sindicato oferecer algo para os sócios. “O sindicato pode buscar isso de várias formas, até mesmo para trazer a família do trabalhador para dentro do sindicato”.
Confira a íntegra da entrevista
Conte um pouco da sua história? Como entrou no movimento sindical?
Eu entrei através das minhas gestões de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA). Fui cipeiro desde 2001 dentro da Gerdau e desde então, ficava indignado com algumas atitudes que a empresa tomava na via inversa do que era certo. Por isso, comecei a pender para um lado que já transcendia a prevenção de acidentes e a usar a minha estabilidade para defender os companheiros em outros ramos dentro da empresa. Mediante isso, fui convidado a entrar no sindicato, o que fiz em 2015, nas gestões anteriores eu fiquei de pensar.
Fale um pouco sobre a realidade da população negra no mercado de trabalho, principalmente na indústria?
Vou fazer 26 anos de empresa e vou falar um pouco de onde eu trabalho e do que vejo no âmbito geral. Sempre trabalhei no chão de fábrica e havia mais dois colegas negros, a população de negros sempre foi pequena. Eu tive essa realidade, desde muito cedo, da disparidade do negro e do branco no mercado de trabalho e vi que na Gerdau isso era bem latente, até por ser uma empresa de origem alemã. Depois de um tempo, isso foi melhorando, mas até hoje, nestes anos todos, só vi um líder negro. É um cara muito polido, fui subordinado dele e disse que me orgulhava muito da posição que ele ocupava, foi o único negro que vi em cargo de liderança. No aspecto geral, o negro ainda é muito discriminado, ate brinco com meus amigos, que os negros no mercado de trabalho deveriam ser como o programa The Voice, onde eles se interessam pelo áudio, pela voz e não enxergam a cor da pessoa. O mercado de trabalho deveria ser assim, entrar pela competência, não pela cor e a gente não vê isso. Quando se faz uma escolha no Recursos Humanos pelo trabalhador, já segregam ali pela etnia. Vejo que o mercado de trabalho para a população negra é muito escasso e os trabalhos mais dolorosos, insalubres e de baixa remuneração são dos negros, já onde há uma maior remuneração e trabalhos técnicos, os negros são escassos e quando chega em cargos de lideranças, é ainda pior. Só que por outro lado, eu também não gosto do vitimismo. Acho que é por competência, meritocracia, o negro tem muito mérito, mas ele tem que ser mais, ter mais força, mais competência que o branco por conta da discriminação, tem que se mostrar mais. No âmbito sindical vemos um pouco disso também, são poucas lideranças negras. Então em todos os aspectos, ele tem que ser igual pela competência e não pela raça. Isso mexe com a nossa indignação social, só que todos deveriam trabalhar isso, ainda mais que o racismo é endêmico, subconsciente, estrutural e de várias esferas.
Qual a importância de ter um mês dedicado a conscientizar a população sobre a igualdade racial?
Acho importante, só que esse mês como tem o mês azul do homem, o mês rosa da mulher… Ele é bacana e puxa muito a história do negro, o Zumbi dos Palmares e outros que tiveram impacto social, que fizeram lutas históricas. Acho que essa parte é importante para dizer quem somos, de onde somos e para onde vamos. Tenho 46 anos e vejo que eu tenho uma consciência diferente do negro jovem. O negro jovem não tem muita consciência de raiz negra, acha que está tudo bem. Só que ele não lembra que tem um pai, uma avó, uma bisavó, e uma tataravó negra que talvez foi escrava e quando renega isso, está renegando o passado e o que nossos avós, bisavós sofreram para ter ele, hoje, como um cidadão. E lembrando que o negro não tem e nunca teve herança, veio fazendo a sua história com a própria luta por cidadania, o negro nunca teve terra e bens. O negro que hoje é bem sucedido, é pelo trabalho, por tudo que ele fez, diferente de outras etnias que tem gente bem sucedida por heranças e legados familiares.
Na tua opinião, qual a importância dos homens e mulheres, negros e negras, ocuparem espaços de representação?
É muito importante. Quando se fala em lideranças negras é importante olhar para a mulher negra. Já temos toda a parte social negativa e a mulher negra é ainda mais impactada, além de ser pobre, é preta e é mulher, por si só já é discriminada e exerce cargos que tem uma remuneração menor, ainda mais aqui na cultura gaúcha, que tem muito a questão de sexo frágil. A mulher negra já vem com esse legado negativo de tentar superar tudo isso. Vejo que os cargos de lideranças ocupados por negros e negras são a ferro e fogo, alcançam esses cargos com uma meritocracia gigante e de estar todo dia se superando. Além de superar onde está, precisa superar a autoestima, porque tudo é também uma questão de superação pessoal. A mulher negra, por sua matriz africana, ele não tem cabelo liso, não tem uns lábios torneados que o mercado pede, não tem olhos verdes, tem uma origem de tribos africanas com nariz e lábios largos e isso muitas vezes não atinge as expectativas, pois a sociedade quer um modelo diferente. Dentro dessas lideranças, a mulher negra é ainda a mais prejudicada, por ser mulher.
Como a atuação do Sindicato pode ajudar a combater o racismo estrutural?
O Sindicato tem que ter uma linha combativa neste aspecto no que tange todo o meio trabalhista. O racismo não pode ser um tema de novembro, não pode ser pontual. O combate ao racismo tem que ser trabalhado todos os dias, como outros aspectos da diversidade, os LGTBS, os deficientes físicos, e com muito cuidado. Mais uma vez, não vejo o negro como uma pessoa que precisa de cuidados especiais, não. O negro tem que ser tratado como qualquer outra pessoa, como o homossexual tem que ser tratado como qualquer outra pessoa, não tem diferença, só que tem sim que ser mais divulgado pelo sindicato, dando abertura, conscientizando, para esse negro sair da auto insuficiência. Por ser criado com essa chaga de ser negro, ele se inferioriza, o movimento negro trabalha muito isso, nos temos que nos conscientizar que somos iguais, então temos que lutar e não ficar dentro da lacuna no vitimismo. E para cobrar essa igualdade social ele tem que ser igual em todos os sentidos, intelectual e buscando capacitação no mercado de trabalho, tem que estar junto para ser escolhido, não pode ficar em casa se vitimizando e reclamando. Também nisso o movimento sindical pode ajudar essas pessoas a prosseguir.
Qual a tua avaliação dos ataques que a classe trabalhadora tem sofrido desde o golpe de 2016. Como as reformas trabalhistas e da previdência?
Pra mim é um genocídio da sociedade, da parte trabalhista. E acho que cair a ficha daqui alguns anos, porque estamos perdendo o nosso poder aquisitivo, de avanço e por sobrevivência, a gente acaba esquecendo. Como dirigentes sindicais, temos que estar imbuídos disso, mas o trabalhador que está lá sofrendo toda penalidade, sendo chicoteado no dia a dia, perdendo seus direitos, com o sindicato amordaçado por esse governo que botou leis antissindicais, antiterrorismo, conseguiu amordaçar a luta sindical e isso gera um efeito cascata na classe trabalhadora. O Sindicato hoje faz a luta mais verbalmente, mais consciente e isso gera uma parte positiva, porque faz com que o Sindicato saia daquela raiz de embate na porta da fábrica e entra para dentro, fazendo o trabalho de conscientização, se perdemos o poder de parar uma fábrica, trancar uma BR, temos que agir e entrar para dentro da fábrica, da base, da sociedade. O governo fragmentou muito a luta, mas tornou o sindicalista, um sindicalista de verdade, fazendo o trabalho de raiz, de formiguinha, no tetê a tetê. Apesar do trabalhador ter se acostumado a ver o Sindicato na frente da fábrica, dando prejuízo pra empresa, lutando por benefício, demandas cobradas e as empresas davam uma resposta rápida. Hoje, temos uma resposta mais demorada, mas positiva e o trabalhador tem que vir conosco, sair da zona de conforto e ir para a sociedade. Os ataques do governo fizeram os sindicatos se mobilizarem internamente.
O movimento sindical, como um todo, está muito desacreditado. Como reverter isso?
Tenho muita preocupação com os novos sindicalistas, com os jovens, pois eles tem uma ideologia deferente, dispersos para a consciência de classe. É um jovem de redes sociais, que não é bobo, tem muita informação, mas não puxa o porquê de todos os benefícios que ele tem. Vejo que o movimento sindical desacreditado deve voltar para a raiz, a gente tenta falar de indústria 4.0, sindicato 4.0, mas esquece de falar do trabalho de base, temos que começar a instruir o chão de fábrica. O Sindicato tem que sair e fazer o trabalho de lecionar, educar o jovem, só assim eles vão saber que não é tudo direito trabalhista, muita coisa a gente traz para a Convenção, muita luta nossa foi puxada para dentro de uma negociação. O jovem não sabe que direitos como quinquênio, a lavagem de roupa, avos das férias, adicional noturno foi tudo fruto da luta sindical. O Sindicato tem que fazer um trabalho de conscientização e usarmos mais as redes sociais. Hoje vemos quantos sindicalistas entram na página do Sindicato, nas redes? Poucos, e os jovens estão ali, fazendo uma leitura dinâmica e diária, temos que atingir esse público, estar dentro da vibe deles. E se eles não estão vindo para o lado da luta sindical, a gente tem que conscientizar por outros movimentos como Fóruns Sociais, através da música, de forma que eles se sintam imbuídos pela cultura, arte, que tange a sociedade, o cara que esta prestes a entrar no mercado de trabalho, o filho do metalúrgico. Muitas vezes, o filho do metalúrgico vota num governo e dentro de casa, o pai vota noutro. Ou seja, tem dois tipos de mentalidade dentro de uma casa. Temos muita coisa para avançar e evoluir conforme a tecnologia e não conforme a gente quer, pois temos muitos sindicalistas antigos que fazem um ótimo trabalho de base, mas perdem a mão com essa juventude.
Na tua opinião, qual o principal desafio do movimento sindical no próximo período?
A parte social. O chão de fábrica tem muito que trabalhar, mas a parte social é um desafio gigante e falo da parte trabalhista como um todo, dentro da sociedade, no bairro, na cidade existem trabalhadores de vários segmentos e hoje representamos apenas metalúrgicos. Mas vemos demandas do motoboy, do pessoal que está em hoje office, pessoas desempregadas que estão fazendo algum trabalho informal. O mundo sindical tem que abrir um pouco mais para outras formas de trabalho, o metalúrgico que hoje está desempregado pode ser um cara politizado. Temos que ver estatuto, conversar com lideranças, políticos para ver se conseguimos abranger mais leques de pessoas. O desafio é gigante, pois os nossos metalúrgicos estão desempregados, estão indo para outro ramo por necessidade, montando o negócio próprio pelo desemprego e estamos sendo substituindo pela gurizada. O metalúrgico que está entrando hoje foi comerciante antes, trabalhava na área de informática, não sabe das histórias das nossas lideranças, da metade das nossas conquistas.
E da indústria? Como gerar empregos?
Esse é um desafio um pouco mais técnico. Vejo que a indústria pensa muito em modernização, quer gerar emprego, mas quer dar menos benefícios e para isso tem que robotizar, colocar máquinas no lugar do homem. A mão de obra requer treinamento, conhecimento e nem todas as empresas tem poder de modernização. Trabalho numa multinacional e eles estão tendo muitos problemas com a mão de obra precária, querem fazer um operador a toque de caixa e as máquinas nem sempre superam o ser humano. A modernização é inevitável e tudo que temos hoje foi através da evolução das máquinas. Só que a mão de obra humana tem que ser mais valorizada para ter mais conhecimento técnico e ajudar a modernização das empresas. Também tem que ter um governo que pense em capacitação, que pense no ser humano, em emprego com qualidade. Esse é o desafio, pois o que vemos hoje são empresas fechando, sucateamento, o trabalho informal. O governo está perdido, acha que tirando direito vai gerar empregos e isso é mentira, quanto menos direito, mais desemprego. É o direito que te dá o poder de trabalhar dentro de uma empresa que paga bem e com isso tem mais poder de compra, vive melhor. Hoje não, é só a precarização do sistema que vivemos. Antigamente, o governo dava emprego, condição, o povo tinha um poder de compra alto e todo mundo era feliz com isso.
Como atrair mais sócios para o sindicato?
Esse é um desafio. Brigo um pouco aqui dentro, pois graças ao nosso Sindicato pude conhecer outras entidades e já vi sindicatos que investem muito no assistencialismo e vejo que isso não é ruim. O que quero dizer? De novo, voltando ao jovem, ele sempre me pergunta o que ganha com isso, falo sobre a consciência de classe, mas com certeza aquele jovem quer ter algum benefício, quer ter alguma vantagem pessoal. Então para atrair novos sócios temos que pensar em estrutura, temos um pouco disso, mas por mim teríamos mais benefícios para os sócios. Visitei um sindicato vertical, tinha 10 ou 12 andares se não me engano, cada andar tinha algum serviço ou curso para o associado. Os sócios procuravam os sindicatos desesperadamente porque ali era um espaço de capacitação, onde havia uma série de oportunidades para ele. Então vejo que pecamos nesta parte de assistencialismo, pedimos só luta, luta, luta e sabemos que a luta é algo que a gente traz com a gente. Eu não decidi ser metalúrgico sindicalista, mas vim com isso no meu DNA, esse desejo de mudança da sociedade. Tem gente que não tem isso, mas quer participar do sindicato e quer um que ajude ela. E o entidade sindical pode buscar isso de várias formas, até mesmo para trazer a família do trabalhador para dentro do sindicato.
Gostaria de acrescentar alguma coisa?
Sim, foi a primeira vez desde 2015, que dou um depoimento sobre movimento sindical, raça e ser humano e isso é bacana. Tenho muito orgulho de fazer parte da luta sindical, tenho ambição de que posso contribuir com mais e vejo otimismo com tudo que estamos passando, como metalúrgico, como cidadão, como negro, a gente vê um horizonte ali, tem esperança. Tenho amigos que não perdi, apesar da polaridade política, que estão arrependidos e que enxergam uma saída na esquerda. Como brincamos às vezes, se Cristo estivesse na terra ele estaria preso, pois era da sociedade, ao lado do povo, como o pessoal da esquerda. Os empresários e as empresas são importantes na sociedade e tem ser lembradas só que tem que dar empregos decentes para os trabalhadores.
Fonte: STIMMMESL
Imagens: Israel Bento Gonçalves