“A gente tem que encorajar as mulheres que estão dentro das empresas”, afirma a diretora do Sindicato dos Sapateiros de NH, Jaqueline Erthal
Natural de Três Passos, a sapateira Jaqueline Odete Erthal vive em Novo Hamburgo desde 1983. Atualmente, é diretora de Administração do Sindicato dos Sapateiros de Novo Hamburgo, em novembro tomará posse como diretora de Políticas Sindicais da entidade. Sobre sua vida no movimento sindical, ela afirma que “não dá pra dizer que foi interesse, foi uma questão de sobrevivência.”
Nesta entrevista de sexta-feira (5), Jaqueline aborda a realidade de sua categoria, os desafios das mulheres sindicalistas, da união do movimento sindical, entre outros assuntos. “A gente tem que encorajar as mulheres que estão dentro das empresas de calçados, metalúrgicas, banco, comércio a se impor, nós queremos igualdade e isso começa quando começamos a falar mais sobre os direitos das mulheres”, garante a dirigente.
Confira a íntegra da entrevista:
Conte um pouco da sua história. Como se interessou pelo movimento sindical?
Não dá pra dizer que foi interesse, foi uma questão de sobrevivência. Desde o tempo de criança, vendo os meus pais sendo explorados, sem salários, passando dificuldades e trabalhando por comida e a gente como criança vendo aquilo e não sabendo como mudar a situação. Com 13 anos, já morando em Novo Hamburgo, comecei a trabalhar em fábrica de calçado e então cada vez mais comecei a ver a exploração, do quanto que a gente era sugado e explorado, massacrado, lá nos anos 1986 e 1987. Essa revolta vem desde criança, eu chamo de revolta, mas é um não aceitar o que nos é imposto dessa maneira, retirada de direitos, onde não nos respeitam, onde não conseguimos trabalhar com dignidade. Então é isso, não foi uma escolha, mas sim a única maneira que vi de focar essa indignação que tive uma vida toda e o único lado é esse lado, do movimento sindical, de quem luta e procura o que é melhor para a classe trabalhadora.
Fale um pouco da realidade da sua categoria?
A minha categoria é as sapateiras e sapateiros, componentes de calçados aqui de Novo Hamburgo. A nossa realidade é dura e cada vez mais difícil com esse desgoverno, que tira a comida do prato do trabalhador e da trabalhadora, nos temos vários casos de homens e mulheres que trabalham, pagam aluguel, água, luz e muitas vezes, falta a comida na mesa. Então essa é a nossa realidade hoje, nestes dias nebulosos que a gente vive. A nossa realidade é muito cruel, além de todos os problemas que a gente tem, a fome está batendo na porta do trabalhador e fico me perguntando, onde está o desempregado nesta situação.
Qual o principal desafio das mulheres sindicalistas?
Nosso grande e principal desafio é empoderar outras mulheres para que elas se levantem e muitas vezes, algumas de nós tem que puxar as outras. Como a gente sempre diz, uma sobe e puxa a outra e no movimento sindical a gente também tem isso, que é historicamente um espaço masculino. Não foi fácil, ainda estamos engatinhando para conseguir espaço e voz. Então é isso, a gente tem que encorajar as mulheres que estão dentro das empresas de calçados, metalúrgicas, banco, comércio a se impor, nós queremos igualdade e isso começa quando começamos a falar mais sobre os direitos das mulheres. Hoje, na nossa categoria, as mulheres são maioria, mais de 60% e são as que menos ganham. Temos que empoderar essas mulheres, levar informações, direitos e não podemos nos calar, temos que falar e denunciar, trazer essas mulheres para elas confiarem e se juntarem a nós.
Você acha que falta consciência de classe para os trabalhadores?
Acho que há muita desinformação. A parte mais difícil é quando o trabalhador, a trabalhadora não quer se informar, aí fica difícil. Muitos acham que os direitos que temos hoje, seja nas convenções coletivas, seja na CLT veio de graça, e não. Todos os nossos direitos foram fruto da luta de classes, muitos tombaram, tem muito sangue e suor nestes direitos para abrirmos mão. Então é isso, em primeiro lugar, tem essa falta de informação e as pessoas se fecham quando a gente leva informação, porque a gente leva boletim, vai para porta de fábrica e muitos acham que o que falamos não é verdade. Mas temos, também, uma grande gama de trabalhadores mais antigos que viram e viveram isso, sabem da história. E não estou falando nem de muitos anos atrás, mas de conquistas que são feitas e eles acabam vendo e isso vai se repassando, comparando uma cidade com a outra, uma categoria com a outra. Então, para mim, existe sim consciência o que falta é, de alguns, não querer conhecer a história da classe operária.
Na tua opinião, qual a importância dos sindicatos na vida dos trabalhadores?
É essencial. Porque como costumamos dizer, se com os sindicatos as coisas são difíceis, imagina sem. Tento imaginar um mundo, o Brasil, seja qual for o país, sem sindicatos, sem uma ferramenta que seja a voz dos trabalhadores e trabalhadoras. Por isso que temos estabilidade, para sermos a voz daqueles que muitas vezes se calam por medo. Os sindicatos como a gente sempre diz, é um prédio, mas quem faz a entidade são os trabalhadores, as pessoas e os dirigentes sindicais que juntos fazem a luta. Só quando se juntarem realmente vamos avançar. Os sindicatos são fundamentais para garantir minimamente os direitos e a dignidade do trabalhador e da trabalhadora.
Qual a tua avaliação dos ataques que a classe trabalhadora tem sofrido desde o golpe de 2016. Como as reformas trabalhistas e da previdência?
Foram ataques muito duros e cruéis, tanto na reforma trabalhista como na reforma previdenciária. Costumo dizer que sou uma prova viva da reforma da previdência. Vou me aposentar somente com 62 anos de idade, comecei a trabalhar com 13 anos e faltando quatro para me aposentar veio a reforma e terei que trabalhar mais 14 anos. Então essas coisas que muitas vezes as pessoas não entendiam quando falávamos, dos malefícios, que isso não é reforma, só deforma e que prejudica o lado mais fraco e mais pobre, que somos nós, os trabalhadores. A gente vê pessoas desesperadas que vem atrás de documentos para se aposentar e cada vez mais tem novos empecilhos para se ter a aposentadoria, sabemos que muitos vão morrer e que não vão conseguir se aposentar. A reforma trabalhista é um absurdo também porque eles acabam conseguindo fazer com que o trabalhador seja ainda mais enganado. Porque se olharmos de várias mudanças que teve com a reforma, uma delas, por exemplo, não ser mais obrigatório as rescisões acontecerem nos sindicatos e nós continuamos, todos os trabalhadores que querem sempre são bem-vindos ao sindicato para fazer o cálculo, revisão da rescisão e cobrar o que está errado. São muitas as empresas que deixam de pagar os direitos aos trabalhadores, como auxílio-funeral, auxílio estudante, creche, pela pessoa estar desinformada ou demorar para procurar o seu direito, enquanto isso está perdendo o pouco de direitos que tem. A reforma trabalhista tentou fazer com que os trabalhadores se afastassem dos sindicatos, mas não conseguiram porque vamos continuar lutando, continuar nas portas de fábricas e dando assistência para os trabalhadores e trabalhadoras.
O movimento sindical, como um todo, está muito desacreditado. Como reverter isso?
Quando se fala do movimento sindical ou qualquer movimento de esquerda estar desacreditado, a mídia tem muito a ver com isso. Pois foi o que os grandes, os ricos queriam, que o movimento sindical se extinguisse, assim como todos os movimentos de esquerda porque a gente incomoda e quando a gente incomoda é sinal de que estamos fazendo o nosso papel. Então, penso que a parte de estar desacreditado estamos conseguindo reverter, é um trabalho de formiguinha, conversando com as pessoas, de ter esse contato diariamente nas fábricas, para eles verem que realmente tem que confiar no sindicato. Às vezes, as pessoas chegam ao ponto de confiar na pior hora, na hora mais triste que é o momento da demissão, porque muitos acham que o patrão é bonzinho e tem todo o disse me disse na mídia, falando mal, querendo prejudicar a nossa imagem. Sabemos que o movimento sindical, social, MST, qualquer movimento quando vai para a luta, incomoda e se incomoda temos essa propaganda negativa. Do meu ponto de vista existe dois lados, o pobre é de esquerda, pode até querer ser de direita, mas a direita é dominada pelos ricos.
Qual o principal desafio do movimento sindical no próximo período?
Muita persistência, muita luta, muita paixão pelo que a gente faz e defende. Então o desafio é de virar o jogo, mostrar o que nós queremos, um país de igualdade, que respeite as mulheres, os LGBTQUIA+, os negros, os índios, onde todos tenham o seu espaço e respeito. O grande desafio é essa luta, é terminar com o que está acontecendo nas eleições, votando certo. A gente sabe em quem temos que votar para o nosso país, nosso Brasil, voltar a ser um país de crescimento, de igualdade, onde os mais pobres consigam adquirir a sua casa, ter um lugar para morar, que seus filhos possam estudar. Esse é o grande desafio, é nunca desistir, sempre lutar por educação, saúde, igualdade, o movimento sindical e social precisa fazer essas lutas e reconstruir o Brasil.
O STIMMMESL e o Sindicato dos Sapateiros são parceiros, qual a importância da unidade do movimento sindical na defesa dos trabalhadores?
Sempre fomos parceiros e sempre seremos porque temos essa unidade do movimento sindical que é defesa dos trabalhadores. Esse movimento que nós, dirigentes sindicais pertencemos, é esse o nosso lugar. Toda a classe trabalhadora, operária é um conjunto. A minha categoria é sapateira, mas eu não deixo de lutar pelos metalúrgicos, bancários, professoras, todos os trabalhadores merecem a luta e estarmos sempre lado a lado. Temos esse entendimento de que é uma luta de classe.
Como os sindicatos podem atrair mais sócios, principalmente mulheres?
A gente faz uma campanha permanente de sindicalização e como já disse, na nossa categoria, a maioria é mulheres, então a maior parte dos nossos associados são mulheres. Geralmente as mulheres conversam mais com nós, pois são elas que mais sofrem assédios morais e sexuais, tem dupla, tripla jornada de trabalho, levantam na madrugada para deixar os filhos na creche, voltam tarde, fazem janta e deixam tudo pronto para o outro dia, muitas são mães solos… É uma vida bem difícil, elas precisam de pessoas em quem confiar, com quem possam se abrir e nós, aqui em Novo Hamburgo, temos um grande número de mulheres sócias e estão começando a não se calar, fazem denúncias, temos inúmeros processos aonde as mulheres são violadas nos seus locais de trabalhos por gerentes, chefes e isso é um absurdo. Em pleno século 21, onde muitas empresas não dão o direito das trabalhadoras irem ao banheiro quando tem vontade, temos inúmeros acordos com empresas sobre isso, há casos de trabalhadoras se urinaram. Temos que brigar e fazer acordos pelo direito de usar o banheiro quando tem necessidade. Precisamos, para atrair mais sócios passar confiança para os trabalhadores e trabalhadoras, sem a confiança não conseguimos nada. E como sempre digo, a mulher tem que se empoderar, não pode se calar. Em todos os lugares que estamos, a carga é sempre mais pesada para nós, e encerro com a frase que adoro, “uma sobe e puxa a outra”, temos que nós dar as mãos e nos ajudar com muita conversa.
Fonte: STIMMMESL
Imagens: Israel Bento Gonçalves