Saiba o que é jornada não linear e a sua relação com mais bem-estar e produtividade
O mundo moderno tem mudado de forma significativa os conceitos tradicionais de relações de trabalho. Se antes era praxe (e obrigação) os trabalhadores cumprirem os horários de jornadas, determinados pelas empresas, hoje, a depender das atividades, e quando não há um controle fixo de ponto, há a possiblidade de o próprio trabalhador fazer os seus horários em jornadas flexíveis de trabalho.
Vista como positiva por especialistas em relações do trabalho, essa forma de jornada, chamada também de ‘jornada não linear’, que ocorre com maior frequência entre os trabalhadores pejotizados, não é prática proibida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pode aumentar o bem-estar e, consequentemente, a produtividade dos trabalhadores. Ela já existe há tempos, no entanto, apesar de ainda não ser muito comum, ganhou mais espaço a partir da pandemia do coronavírus que ‘popularizou’ o home-office ou trabalho em casa.
Com os trabalhadores e trabalhadoras tendo que dividir suas atividades domésticas com o trabalho, tornou-se necessário para muitos um ‘ajuste pessoal nos horários’. E tal transformação se mostrou benéfica para ambas as partes, dizem os especialistas.
“A flexibilidade, desde que usada de maneira responsável pelo trabalhador, estimula uma maior produtividade em qualquer ambiente, presencial ou home office”, afirma a professora e pesquisadora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Sylvia Hartmann.
Ela explica que se o trabalhador tem a oportunidade de incluir na sua rotina atividades prazerosas, sem prejuízo do trabalho, como ‘almoçar com um ente querido’, ou ‘usar um espaço do dia para praticar exercícios físicos’, ele se torna mais produtivo para a empresa.
Mas, mesmo sem impedimentos na CLT, a prática, ressalta a pesquisadora, ainda não é ‘aprovada’ pela maioria das empresas que poderiam adotar a jornada flexível. Sylvia Hartmann explica que, culturalmente, para as empresas ‘ainda é difícil’ tomar essa decisão, apesar dos benefícios para ambas as partes.
“Elas tentam reproduzir com o trabalhador em casa o que fazem no escritório, presencialmente, ou seja, todos entram e saem juntos, no mesmo horário, como forma de controle, mas com cada um na sua própria casa, isso se torna terrível porque gera um excesso de controle, o que estressa os funcionários, que têm de ficar provando produtividade a todo instante”, diz a professora e pesquisadora.
De acordo com a professora, tais práticas de bem-estar fazem parte de tendências percebidas por estudiosos do mercado de trabalho a partir dos anos 2000 que incluem uma maior liberdade para os trabalhadores no ambiente de trabalho. O home-office também faz parte desse ‘pacote’, diz.
“Muitas empresas começaram a se adaptar às mudanças do mercado de trabalho como uma maior presença das mulheres e de famílias em que ambos trabalhavam. Elas buscaram formas de se adaptar e as principais práticas encontradas foram justamente estas – o home-office e as jornadas flexíveis”, explica Sylvia, reiterando que essas mesmas práticas eram descartadas à medida em que haviam cobranças de produtividade.
O lado de fora
Para quem trabalha de forma presencial, a jornada não linear (ou flexível) também pode trazer pontos positivos em outros aspectos como a organização das cidades. A pesquisadora cita o fato de que se um grande número de trabalhadores alterna horários de entrada e saída nas empresas, até o trânsito acaba se transformando.
“Ajudaria, em parte, a evitar a sobrecarga em horários de picos”, ela diz, ressaltando que apesar de ser uma possiblidade, ainda é uma utopia. “Até porque a realidade mostra que mesmo as empresas concedendo jornadas flexíveis, ainda marcam reuniões, por exemplo, em horários fixos para todos”, pontua.
Aos olhos da lei
Não há na CLT nenhuma definição específica sobre a jornada flexível. De acordo com o advogado especialistas em Direito do Trabalho, Fernando José Hirsch, o que importa é que não há impeditivos. O que há, ele diz, é um limite de horas extras por dia que podem ser feitas pelo trabalhador. “Não é possível, por exemplo, trabalhar um dia em dobro porque no dia anterior não trabalhou”, explica.
O que há na legislação, prossegue o advogado, são casos em que as jornadas não estão enquadradas em gestão de ponto como, por exemplo, gerentes, vendedores externos e outras atividades em que a especificidade de horários não é possível.
Desta forma, no caso de um vendedor, pode haver a necessidade de ele atender um cliente em determinado horário que fuja a uma regra estabelecida. Assim, ele pode ‘compensar’ o horário trabalhado.
“Para quem é trabalhador sob o regime da CLT, mas se enquadra nessas situações [em que não há controle de ponto], a empresa não quer saber qual horário ele faz. A jornada é naturalmente livre e o trabalhador intensifica sua atividade na hora que mais vale a pena”, diz o advogado.
Por outro lado, ele reforça que mesmo quando há o controle de ponto, a jornada pode também ser flexível, de comum acordo entre as partes, mas ‘geralmente determinada pela empresa’, ou seja, com autorização do empregador.
O advogado também alerta para eventuais abusos de empresas que podem usar da possiblidade da jornada flexível em prejuízo dos trabalhadores.
“Empresas podem adotar a prática de alterar as jornadas, de acordo com suas necessidades, sem aviso prévio e assim, ‘bagunçar’ a vida dos trabalhadores, alternando horários de forma não equilibrada. Ou seja, um dia entra de manhã, outro dia à noite, sem que o trabalhador tenha se programado para aquilo”, diz.
E se referindo especificamente à jornada flexível no home-office, o advogado explica que “suspender o controle de horário, deixar que as pessoas trabalhem com maior autonomia em ambientes de maior confiança é uma das formas mais efetivas de se realizar o trabalhado à distância”.
Assim como a pesquisadora Sylvia Hartmann, Fernando Hirsch também considera uma ação positiva a empresa adotar a jornada não linear “já que o trabalhador pode adequar sua vida pessoal com a vida profissional” e não o contrário.
Para garantir os direitos, Fernando Hirsch orienta o trabalhador a sempre consultar o sindicato de sua categoria ou buscar orientação jurídica. Isso, diz ele, evita, entre outros casos, que as empresas deixem de pagar, por exemplo, adicionais noturnos quando exigir que o trabalhador altere sua jornada de trabalho.
Fonte: CUT Nacional
Foto: ARTE: EDSON RIMONATTO/CUT