Classe média teve a renda mais afetada entre os brasileiros nos últimos anos

A desigualdade de renda entre os brasileiros é ainda maior do que mostram as pesquisas por amostra de domicílios. A constatação é de um estudo do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, o FGV Social, deste ano que, para captar um retrato mais autêntico da disparidade, combinou a base de dados do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) de 2020, os mais recentes disponibilizados pela Receita Federal, à da Pnad Contínua, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A inclusão dos dados do IRPF no cálculo da desigualdade piorou a situação do Brasil no contexto internacional, explica o diretor da FGV Social, Marcelo Neri, em entrevista ao Brasil de Fato. “A desigualdade brasileira, com base nas pesquisas domiciliares como a Pnad, é uma das mais altas do mundo. O Brasil é conhecido como o país da desigualdade. Mas quando a gente junta os dados do imposto de renda com os da Pnad essa conclusão fica ainda mais forte”, afirma Neri.

Isso porque, diferente da Pnad, a declaração do imposto de renda é o que de fato revela os fluxos de renda, patrimônio e acúmulo de riqueza das pessoas físicas. Assim, o chamado índice de Gini, que ficou em 0,6 na metodologia usual, chegou a 0,7 no primeiro ano da pandemia. Quanto mais próximo do zero, menos desigual é o país ou região. Cada 0,03 pontos equivale a uma grande mudança da desigualdade.

“Mapa da Riqueza” no Brasil, elaborado pelos pesquisadores da FGV Social Marcelo Neri e Marcos Hecksher, aponta não apenas que a desigualdade aumentou assim como a chamada classe média, que corresponde a cerca de metade da população, foi a maior perdedora. Na outra ponta, o grupo dos 1% mais ricos tiveram 1,5% de perda na renda, equivalente a um terço comparado à maioria.

“Os mais pobres conseguiram manter a renda porque foi na época do auxílio emergencial que protegeu os mais pobres. Agora, o grupo do meio, que não tinha nem auxílio nem renda financeira como os mais ricos, acabou sendo mais penalizado de forma disparada. Essa é a fotografia da pandemia e da desigualdade, incorporando os dados do imposto de renda”, explica o economista da FGV.

Onde estão os ricos no Brasil?

O estudo também permite localizar as chamadas “ilhas de riqueza” no território nacional. O Distrito Federal é a unidade da federação com maior concentração de ricos do Brasil, e a mais baixa é o Maranhão. Se fosse uma cidade, o município mais rico por renda média por pessoa seria o Lago Sul (R$ 23.141), região administrativa no DF tomada por mansões de luxo.

No ranking por estados, as rendas mais altas do IRPF por habitante estão em Brasília (R$ 3.148), São Paulo (R$ 2.063) e Rio de Janeiro (R$ 1.754). Nas capitais, Florianópolis ficou na frente (R$ 4.215), seguida de Porto Alegre (R$ 3.775) e Vitória (R$ 3.736).

De acordo com o mapa, também tiveram destaque os municípios de Nova Lima, na Grande Belo Horizonte (R$ 8.897); São Caetano, na Grande São Paulo (R$ 4.698) e Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro (R$ 4.192), que figura como a cidade mais rica do estado e tem renda média 16 vezes maior que a do município mais pobre, Japeri, na Baixada Fluminense.

Mobilidade social

Um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) corrobora que a desigualdade de renda no Brasil está entre as piores do mundo. O indicador levou em conta a chamada “persistência intergeracional”, ou seja, o quanto o nível de escolaridade e renda dos pais determina sobre o futuro dos filhos.

O Brasil ocupa a segunda pior posição no estudo sobre mobilidade social com dados de 30 países membros da OCDE, divulgado em 2018, intitulado “A Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility” , em português, “O elevador social está quebrado? Como promover mobilidade social”.

Na média da OCDE, se uma família tem rendimento duas vezes maior que o de outra, o filho com pais mais ricos terá renda 40% mais alta que a criança da família mais pobre. No caso do Brasil, essa renda é 70% maior.

Para ilustrar o abismo da desigualdade, o estudo estimou que um brasileiro nascido entre os 10% mais pobres da população levaria nove gerações, o equivalente a 180 anos, para alcançar a renda média do país. O resultado empata com o da África do Sul e só perde para a Colômbia, onde se levaria duas gerações a mais.

A pesquisa alerta que sociedades estagnadas podem criar conflitos sociais por não oferecem esperança de mudança nos grupos desfavorecidos. Segundo a OCDE, a falta de mobilidade social também pode afetar o crescimento econômico a nível nacional e reduzir a participação democrática.

A FGV Social mediu a mobilidade educacional entre gerações no Brasil com dados da Pnad de 1996 a 2014, e concluiu que o determinismo geracional melhorou ao longo do tempo, caindo de 75% para 55%, em 18 anos. Para o economista Marcelo Neri, o estudo mostra que houve um período de inclusão social por meio do acesso à educação, mas ainda há desafios nessa área tão central para alcançar melhores oportunidades.

“O Brasil melhorou, mas estava tão ruim em 2014 quanto o México estava em 1996. O que explica essa alta dificuldade dos pobres chegarem ao nível médio de renda? Nosso estudo mostra que o espectro mais determinante da distribuição de renda, e acaba sendo também da mobilidade intergeracional, é a educação. E a educação, embora tenha se expandido nos anos 80, 90 e 2000, ainda é muito desigual no Brasil”, afirma Neri.

Desafios

O economista Sandro Sacchet, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ressalta que a estrutura produtiva do país precisa gerar empregos de qualidade para acompanhar o crescimento da população mais escolarizada.

Mesmo assim, ele pondera que a desigualdade brasileira é uma estrutura complexa e que se reproduz. Famílias com renda média estão vulneráveis a diversas causas de empobrecimento. A crise no mercado de trabalho, por exemplo, empurrou para a informalidade milhões de trabalhadores que viram suas rendas diminuírem de 2015 até a chegada da pandemia.

Para Sacchet, porém, a perspectiva de reduzir a desigualdade somente pela melhora da renda do trabalho não é a mesma dos primeiros governos do presidente Lula (PT). Em outras palavras, as políticas que tradicionalmente foram implementadas para combater a desigualdade precisam dar um passo além.

“O impacto que a retomada da política de valorização do salário mínimo vai ter sobre a desigualdade tende ser cada vez menor, justamente porque a maior parte dos benefícios que essa política teve na desigualdade já aconteceu entre 2000 e 2015. Só a retomada das políticas que a gente tinha há 15 anos atrás não indicam que o efeito da desigualdade nos próximos dez anos vai ser tão forte”, sublinha.

Segundo o IBGE, em 2021, o rendimento dos brasileiros atingiu o menor valor da série histórica da Pnad Contínua. Passou de R$ 2.386 em 2020 para R$ 2.265 no ano seguinte, voltando só quatro anos depois aos patamares pré-pandemia.

“Nesse sentido, o que a gente precisaria mesmo é atacar diretamente a desigualdade com uma reforma tributária que se discute hoje em dia com mais força do que antigamente. A gente fala em taxar os rendimentos do capital, lucros e dividendos. Taxar mais a propriedade e menos o consumo e a renda do trabalho”, completa o economista do Ipea.

Na mesma linha, o diretor da FGV Social, Marcelo Neri, reforça que combater a desigualdade passa necessariamente pela retirada de impostos dos mais pobres. Ao mesmo tempo, é preciso que as políticas públicas permitam que os filhos das pessoas mais pobres, ou com baixa escolaridade, consigam realizar seu pleno potencial.

Fonte: Brasil de Fato

Foto: PEDRO BOLLE / USP IMAGENS

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