País perde R$ 236 bi com isenção de imposto a lucros e sem tributação sobre fortunas

A devolução pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, da Medida Provisória (MP 1227/2024), que trazia iniciativas de compensação às desonerações da folha de salários de 17 setores , que segundo a equipe econômica do governo federal buscava zerar o déficit primário ainda neste ano, é mais uma demonstração de que o mercado financeiro age de maneira, no mínimo, incoerente, já que quer que a União mantenha as contas públicas sem déficit mas, no entanto, impede a arrecadação de tributos.

Com a MP, o governo esperava arrecadar até R$ 29,2 bilhões, o que pagaria a desoneração da folha de R$ 26,3 bilhões em 2024, sendo R$ 15,8 bilhões em relação às empresas e R$ 10,5 bilhões em relação aos municípios.

E não é apenas a desoneração da folha que retira bilhões dos cofres públicos. Para se ter uma ideia de quanto dinheiro poderia ser utilizado para equilibrar as contas e usar esses valores para investir em mais políticas públicas, dados do Demonstrativo dos Gastos Tributários (DGT), analisados pela Unafisco Nacional, mostram que a isenção dos Lucros e Dividendos Distribuídos por Pessoa Jurídica, chega a R$ 160,1 bilhões e a não instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), deixa de arrecadar R$ 76,46 bilhões. Juntos, representam R$ 236,56 bilhões, maior do que os orçamentos da Saúde (R$ 231 bi) e o da Educação (R$ 180 bi).

A professora e economista da Unicamp, Marilane Teixeira, diz que não há incoerência por parte dos empresários, já que eles defendem o neoliberalismo econômico, com o discurso de que com maior lucro eles serão capazes de produzir mais e gerar mais emprego e, desta forma o governo arrecadaria mais. Só que isso não acontece na “vida real”.

“Eles muitas vezes usam isso para ampliar a sua faixa de lucro que necessariamente não vai ser canalizado para ampliar a atividade produtiva e investimento. Ele pode ser distribuído entre os acionistas ou ser aplicado no sistema financeiro que tem uma rentabilidade mais alta. Além disso, a distribuição de lucros pode ser enviada ao exterior e o consumo se dará fora do Brasil”, explica a economista.

A isenção de tributos nesses 17 segmentos desonerados não trouxe melhorias no perfil desses empregos com mais direito, nem redução da informalidade. Um exemplo, segundo Marilane, é o setor de calçados, beneficiado pela desoneração, mas que continua sendo um dos segmentos recordistas em trabalho informal.

“Pelo menos dois terços do trabalho nesse segmento seguem na informalidade e as estatísticas praticamente não mudaram nos últimos 10 anos. Então, é uma pressão sobre o Estado, mas que não implica no aumento da capacidade de arrecadação por meio da ampliação da produção dessas empresas”, diz Marilane.

A economista diz ainda que “ a desoneração só vai servir para ampliar lucro, sem resultar em investimento, porque investimento também depende de uma sinalização do ponto de vista econômico, se o emprego está crescendo. Só que para a atividade econômica crescer é preciso ter sinalizações do ponto de vista do consumo”.

“Para uma empresa aumentar a produção e gerar empregos é preciso que a população, os trabalhadores, tenham condições de consumir Só que isso não vai acontecer só por obra de redução de impostos ou de desoneração. Isso só vai ampliar a transferência de recursos”, argumenta a economista.

Tributar os ricos

Para se ter uma ideia da discrepância entre o que os mais ricos pagam de imposto de renda em relação à maioria da população, os 10% mais pobres pagam o equivalente a 26,4% de sua renda em impostos, os 10% mais ricos pagam 19,2%.

Dados da Receita Federal do ano passando mostram o 1% mais rico possui fortuna média de R$ 4,6 milhões. Outra fatia desse segmento, 0,1% dos brasileiros, possui R$ 26,2 milhões. E, outra parte, 0,01% dos brasileiros mais ricos possui fortuna média R$ 151,5 milhões.

Essa discrepância reflete a necessidade do país fazer uma reforma tributária justa para que os R$ 76,46 bilhões não arrecadados por alta de tributação ais os super-ricos, seja corrigida, por meio de uma reforma tributária.

O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em nota técnica publicada no ano passado, defendeu que o maior problema não está na complexidade do sistema tributário, mas no fato de haver tantas regras com exceções que acaba ficando muito fácil achar “portas de saída” para quem consegue realizar o “planejamento tributário” e muito difícil escapar para quem não tem as mesmas possibilidades, como a classe trabalhadora, que tem os impostos descontados no holerite.

“Dessa maneira, uma reforma tributária é relevante não somente para empresas e governos, mas principalmente para a população em geral. Afinal, se os pobres pagam mais impostos que os ricos e consumo e salários são mais tributados do que patrimônio e renda de capital, há muitos elementos a serem incluídos em uma proposta de mudança que estabeleça, de fato, a justiça tributária”, diz trecho da nota técnica. Leia aqui.

O secretário de Administração e Finanças da CUT Nacional, Ariovaldo de Camargo, diz que a entidade defende a taxação dos ricos para que haja justiça social, já que salário não é renda.

“Nós pretendemos com o debate da reforma tributária é o de que possamos inverter a lógica que nós temos hoje, não só no Brasil, mas no mundo, que é do aumento da distância entre os mais ricos e os mais pobres, no sentido de que a taxação de grandes fortunas e de transmissão de grandes patrimônios, é numa perspectiva de que quem ganha mais pague mais e quem ganha menos, pague menos”, diz Ariovaldo.

O dirigente lembra que o presidente Lula vem defendendo o aumento da isenção do imposto de renda retido na fonte sobre os salários e que ele prometeu que até o final do seu mandato a isenção total atinja quem ganha até R$ 5 mil. Hoje é de R$ 2.824.

“ O assalariado pagar imposto já é uma aberração do ponto de vista de que o salário não é renda, ele é a remuneração por um trabalho. Então, de fato, é preciso estabelecer uma política tributária que faça com que aqueles que acumulam riquezas deixem de acumular ainda mais para que aqueles que têm necessidades básicas possam pagar suas contas do mês sem estarem endividados”, afirma.

Entenda a desoneração

Em outubro de 2023 o Congresso Nacional aprovou a prorrogação até 2027 da desoneração da folha de pagamentos sobre a previdência de 17 setores: confecção e vestuário; calçados; construção civil; call center; comunicação; empresas de construção e obras de infraestrutura; couro; fabricação de veículos e carroçarias; máquinas e equipamentos; proteína animal; têxtil; tecnologia da informação (TI); tecnologia de comunicação (TIC); projeto de circuitos integrados; transporte metroferroviário de passageiros; transporte rodoviário coletivo; e transporte rodoviário de cargas.

Com a desoneração da folha as empresas desses setores pagam alíquotas que vão de 1% a 4,5% sobre a receita bruta em vez dos 20% de contribuição previdenciária sobre os salários. O presidente Lula vetou e os parlamentares derrubam o veto.

Há duas semanas o Ministério da Fazenda apresentou a Medida Provisória, do PIS/Cofins, que visava compensar a desoneração, limitando o uso de crédito desses tributos por empresas, mas que foi devolvida por Pacheco, que tem a prerrogativa de devolver uma MP ou parte dela caso julgue que os trechos vão contra a Constituição.

 

Fonte: CUT Nacional

Foto: AGÊNCIA BRASIL / ARQUIVO

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