“Todos os dias estamos perdendo vidas preciosas”, afirma o psicólogo Jeferson Bernardo

O psicólogo com especialização em Humanismo, com pós-graduação em Psicologia Existencial, Humanista e Fenomenológica, Jeferson Bernardo tem 47 anos e um dos seus espaços de atuação na Clínica Multidisciplinar Physioclinic, parceira do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Leopoldo e Região (STIMMMESL).

Por conta da campanha de prevenção ao suicídio, Setembro Amarelo, ele é o entrevistado desta sexta-feira (23). O psicólogo alerta que “todos os dias estamos perdendo vidas preciosas” e ressalta a importância da fala e da terapia para qualquer pessoa que esteja passando por algum problema de saúde mental. “Ainda temos um grande desafio que é fazer as pessoas entenderem isso na nossa cultura”, declara Jeferson

Confira a íntegra da entrevista:

 

Conte um pouco da sua história. Como se tornou psicólogo?

A questão de ser psicólogo despertou em mim a partir do momento que comecei a entender a importância dessa profissão. De observar o ser humano, desenvolver uma escuta mais limpa, ativa, ser empático com as pessoas, se fala muito em empatia e precisamos entender o que é isso e não só repetir jargões. É de fato estar no lugar do outro, entender o sofrimento psíquico, o modelo mental do ser humano, isso me fascina, olhar para o ser humano e procurar entender o porquê de certos comportamentos, hábitos, isso sempre me atraiu. Hoje sigo realizado com a profissão de psicólogo, é uma profissão que me dá prazer, alegrias, gosto de estar com pessoas, de ouvi-las, intervir e ajudar.

 

 

Qual a importância de as pessoas cuidarem da sua saúde mental?

Essa é uma pergunta muito pontual. As pessoas ainda tem o atendimento com psicólogo como algo para doido, louco. Porém, a saúde mental hoje é cada vez mais necessária para as pessoas estarem se auto observando, auto percebendo. No meu ponto de vista, a saúde mental está à frente de alguns sintomas da saúde física, pois a saúde mental vai desencadear algo no sistema biológico das pessoas, entendendo que o ser humano é bio-psico-social e algumas linhas também consideram a espiritualidade, que eu gosto. Dou muita ênfase ao humanismo, ao que faz sentido para a pessoa. Então, a saúde mental é essencial para que a pessoa possa ter uma vida mais com sentido, prazerosa, entender por que ela está aqui, como funciona e a saúde mental está muito arraigada nestas questões. Ainda temos um grande desafio que é fazer as pessoas entenderem isso na nossa cultura. As pessoas procuram um profissional de saúde em último caso e isso deveria estar sempre à frente, prevenção de doenças, realização de check-ups…

 

Setembro Amarelo é uma campanha que busca prevenir e conscientizar a sociedade sobre o suicídio. Fale um pouco sobre a necessidade dessa iniciativa?

Em relação ao Setembro Amarelo é algo importante e é uma campanha de 2015, recente, mas muito significativa. Observamos estatísticas e índices, que cada vez mais crescem os números de suicídios, a cada 46 minutos uma pessoa tira a sua própria vida e inúmeras coisas estão acontecendo e precisam ser compreendidas e entendidas, através desta campanha que sensibiliza muito. Tem muitos starts já, mas é preciso fazer mais, o próprio Setembro Amarelo precisa ser prolongado, precisa se falar disso todos os dias, pois todos os dias estamos perdendo vidas preciosas, de 10 suicídios, se nós conversássemos, orientássemos, ouvíssemos e estivéssemos atentos, nove pessoas não tirariam a sua vida.

 

O Brasil, apesar da fama de um país alegre e festeiro, lidera o ranking de depressão e suicídio na América Latina. Na tua opinião, a que se deve isso?

É triste isso. Tu vês um povo alegre, festivo e ao mesmo tempo com tantos problemas mentais e transtornos psíquicos. Percebo observando pacientes e conversando com colegas da área que muito de ser festivo e alegre é uma fuga de si, atrelado algumas vezes, ao uso de substâncias, fármacos e cada vez mais a pessoa foge de si mesma. Ela está ali alegre e não consegue ficar com ela mesmo. A saúde mental vem para podermos acessar essa pessoa, para que ela se conheça, de que forma está. A alegria é muito importante, mas também tem que entender que tem tristezas e dificuldades e principalmente, que tem como superá-las. Muitas pessoas eram tão alegres, tão felizes e de repente tiram suas vidas. Porém, esse de repente é para quem não observa, porque já estavam dando sinais que não foram observados. É importante entender isso através desse pano de fundo de alegria.

 

 

Como a realidade da maioria dos trabalhadores, com carga horária excessiva, cobranças por produção e baixos salários, potencializa os problemas de saúde mental?

Cada vez mais, é preciso entender a cultura, as políticas sociais, públicas, a desigualdade social que também está atrelado a pergunta anterior. As pessoas hoje querem conquistar algo que nem sabe como vão desfrutar disso, cada vez mais estão envolvidas com atividades voltadas ao mundo do trabalho, profissional, as pessoas  saem para o trabalho, 5 horas da manhã e retornam para casa, 20 horas da noite, são cargas excessivas, muitas demandas e a pessoa não conhecendo ela própria, vai só pegando demanda e imergindo num stress, pressão mental e isso prejudica cada vez mais os trabalhadores. As pessoas não sabem o que fazem, muitas vezes, foi lançado em relação a um curso que não tem nada a ver com o seu perfil, aí não dá conta, não tem prazer em trabalhar, alegria e por isso, muitos se estendem em hora extra, trabalhando em casa com esses novos modelos híbridos, não sabem administrar seu próprio tempo, atropelam o espaço que deveriam ter com si mesmo, com a família.

 

Como abordar esses assuntos com os adolescentes?

O adolescente é desafiador, tens que ter uma fala diferente para abordar, principalmente hoje com a tecnologia, a maioria está imergida no mundo digital e é um desafio acessá-los, para isso é necessário entender um pouco como funciona o adolescente. Falando em saúde mental, quando se atende adolescentes é preciso conhecê-los, agora falando num nível social, maior, coletivo, é preciso campanha de conscientização, que venham trazer para a fala, para o entendimento do adolescente. O adolescente vai hoje muito e cima de modismo, tudo que se lança, ele vai e dá sequência e isso está muito atrelado a não descobrir quem ele é, a identidade. O adolescente ainda está nesta crise de identidade e cada movimento que se levanta tende a conduzir essas pessoas e eles tendem a não dar conta. Hoje tem muitas pessoas com transtornos como borderline, estão ali em sofrimento e não contam, estão encarcerados dentro dos seus próprios quartos, os que tem quartos né? Muitos adolescentes não tem um espaço onde possam ficar consigo mesmos, muitas vezes acham que estão protegidos dentro de casa e ali pode ser um lugar, cada mais, um espaço de surpresa. Então, é interessante falar, abordar, aproximar, se você ir acusando, afirmando, você vai afugentar. Tem que procurar acessar esse espaço que é um espaço complicado de ser acessado, procurar entender um pouco como funciona a mente desse adolescente, pais, cuidadores, pessoas que estão próximas, ter esse cuidado e procurar conversar. A fala vai conscientizar o adolescente.

 

Na tua opinião, por que esses temas ainda são tabus?

A cultura brasileira, atrelada a religiosidade, impõe muitos tabus. Recentemente, saímos de uma inquisição, de um moralismo excessivo e se mudou muito as coisas, mas o modelo mental das pessoas não mudou. A mente aberta, que falamos, não é liberar tudo, mas entender o que acontece, a diversidade, a questão de gênero, que hoje está bem latente. Falar de temas que são difíceis, as pessoas cada vez mais fogem disso e falar de suicídio hoje é muito complicado, falar de morte. Todo mundo quer falar de vida, mas é necessário falar sobre a morte, sobre a pulsão que puxa a pessoa para esse abismo, esse sofrimento psíquico, que é muito difícil sair disso. Quem vai estender a mão? Então esse tabu de não conseguir falar e é um tema difícil de abordar, por mais que hoje tenhamos muitas informações as pessoas até vão entender isso, mas quando acontece uma tragédia, pensam “mas estava tão na minha cara isso, tão próximo de mim e eu não acessei, não consegui entender” e também em relação ao tabu, hoje as pessoas se distraem com muita facilidade, é muita informação e para quebrar tabu, paradigma, conceito já pré-estabelecido requer conhecimento, entendimento, esforço, conflitos. O ser humano foge de conflitos, de diálogos, de discussão baseadas em questões que realmente precisam ser evoluídas, são bem poucos os que conseguem elaborar uma discussão, colocar na mesa situações que divergem de maneira equilibrada. A maioria das pessoas quer impor e a imposição dá força ao tabu. É legal sempre deixar pontos de interrogação, não os convencer, mas deixar espaços para a reflexão. Tem alguns tabus que precisam ser quebrados, principalmente em questão de morte, suicídio. Por que estamos perdendo tantas pessoas por coisas que poderiam ser evitadas? Onde está a raiz disso, os sinais dessa questão? Quebrar tabu gera polêmica e são poucos os que gostam de polêmica, os que gostam não tem base para entrar na polêmica.

 

 

Muito se fala em prevenção ao suicídio, mas pouco se fala da vida dos familiares após perder alguém dessa maneira. Você poderia falar um pouco sobre isso?

Muito importante essa pergunta. O sofrimento de quem fica é tão igual ou maior ao de quem tira a sua própria vida. Porque entra num processo de luto e a maioria não elabora bem esse processo. Agora na pandemia, as pessoas atropelaram muito esse processo. E quando a pessoa tira a sua própria vida causa um transtorno muito grande aos que ficam,  gera um processo de culpa que é muito difícil de sair, pois quando acontece um episódio desses automaticamente as pessoas vão perguntar, vão buscar informações sobre o porque a pessoa se suicidou e vão se deparar com várias campanhas, abordagens e assuntos e percebem que já davam sinais e se culpam. As pessoas estão tão imergidas nas suas vidas que não conseguem perceber, tem que ter tempo para as pessoas e quando acontece isso, a família que fica precisa ser amparada, cuidada porque isso vai ficar sempre na memória, vai ativar gatilhos e algumas questões e para a pessoa ficar presa neste espaço de culpa é praticamente inevitável. Por isso é importante trabalhar para sair desse espaço, ouvi-las e elas entenderem que tem um lugar de escuta, que precisam de ajuda e tem certos perfis de pessoas que não conseguem pedir ajuda, ela sofre calada e geralmente esse é o perfil de pessoas que tiram a própria vida. Esse silêncio não é legal, tem silêncios que são muito bons para nós, mas esse em questão do sofrimento não é legal, pois vai acarretando transtornos e cada vez mais a pessoa vai perdendo o sentido da vida, a vontade de viver, principalmente mães e pais mais próximos. O que eu indico sempre: procurar ajuda, procurar alguém para falar dos teus sentimentos, do que você está passando, a fala é o start para minimizar esse grande dano.

 

Como os sindicatos podem ajudar os trabalhadores que enfrentam problemas de saúde mental?

Recentemente participei de uma roda de conversa no Sindicato e foi muito gratificante. Agora, a adesão das pessoas saírem de suas casas e irem até o sindicato ou qualquer outra instituição está cada vez mais difícil. Os sindicatos tem uma importância fundamental neste elo com as empresas e vejo que precisa de um engajamento maior, acessar a função social da empresa, envolver mais, por exemplo. É um desafio, são temas que muitas vezes as pessoas fogem. Agora, os movimentos e as ações de um sindicato são cada vez mais importantes na sociedade como um todo e desmistificar algumas questões que estão ligadas ao campo político-partidário, mostrar que o sindicato defende políticas públicas, ações sociais. As parcerias como esta, que tem com a Clínica, sempre são bem-vinda, muito não tem condições de acessar uma terapia e os sindicatos pode proporcionar isso para as pessoas.

 

Gostaria de acrescentar alguma coisa?

Em relação a saúde mental, nós fazendo a nossa parte através dos nossos meios de comunicação, poder trazer uma palavra, abrir um leque para falar sobre isso, Setembro Amarelo, suicídio… Vejo que a gente precisa propagar mais essas temáticas ao menos para o nosso público, é importante conseguir levar essa mensagem, essa temática e vejo que acessando instituições, espaços que talvez não estejam tão atentos a isso, ajuda. Precisamos falar mais sobre isso para que o ser humano seja acessado.

 

 

Fonte: STIMMMESL

Imagens: Israel Bento Gonçalves (STIMMMESL)

 

 

 

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