Fiesp virou ‘aparelho político’, critica presidente da CUT em ato das centrais contra Bolsonaro

No primeiro ato das centrais sindicais em 2020, em defesa do emprego e da indústria, dirigentes atacaram o governo e o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, pelo apoio explícito a Jair Bolsonaro, que participaria de almoço na entidade nesta segunda-feira (3).

“Tenho muito respeito por muitos diretores da Fiesp. Mas faz tempo que a Fiesp não é um sindicato patronal, é um aparelho político”, criticou o presidente da CUT, Sérgio Nobre, quase ao final do ato convocado para a Avenida Paulista. As centrais divulgaram um documento com propostas para a produção industrial (confira ao final do texto) e apontando para a atual “desimportância” do setor.

Participaram da atividade CGTB, CSB, CSP-Conlutas, CTB, CUT, Força Sindical, Intersindical, Nova Central e UGT, além da União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).

Iniciada por volta de 9h30 e encerrado pouco antes do meio-dia, a manifestação começou com uma concentração sob o vão livre do Masp, com chuva forte. O trânsito só foi interrompido às 11h, quando sindicalistas e estudantes fizeram uma rápida caminhada até as proximidades da Fiesp. A Polícia Militar não permitiu a aproximação, e os manifestantes ficaram a 150 metros da entidade, do outro lado da Avenida Paulista, na esquina com a rua Itapeva, com três quarteirões bloqueados.

A agenda presidencial informava que Bolsonaro chegaria às 12h45, depois de atividades no Colégio Militar, para um almoço  com centenas de empresários. O coordenador do Sindicato dos Químicos de São Paulo, Hélio Rodrigues, lembrou que o presidente da Fiesp, vindo da área têxtil – presidiu a associação brasileira do setor, a Abit, antes de se eleger, em 2004 – é um “sem-indústria”. “O Paulo Skaf não sabe o que é indústria, porque ele não tem indústria, ele não representa as indústrias.”

Destruição nacional

Sindicalistas fizeram menção ao fato de que o apoio explícito a Bolsonaro, cuja política não tem favorecido a atividade industrial, já causa reações contrárias na própria entidade comandada por Skaf. Para o secretário-geral da CSB, Álvaro Egea, parte dos empresários comete “suicídio” ao apoiar uma “política de destruição nacional”.

Segundo Sérgio Nobre, o ato de hoje representou “repúdio à presença de Bolsonaro neste estado, que é o que mais sofre com o desemprego”.

“Não há governo mais anti-trabalhador, mais entreguista do que ele. Se o Brasil tivesse um presidente à altura classe trabalhadora, a Ford não teria fechado”, acrescentou, lembrando do fim das atividades da montadora em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, no ano passado. “Bolsonaro e Paulo Guedes (ministro da Economia) são os exterminadores do presente e do futuro.”

O presidente da Força, Miguel Torres, também criticou Skaf, que em artigo recente afirmou que o governo colocou o país no rumo certo. “Treze milhões de desempregados, subempregados, perda de direitos, terceirização, isso não é o caminho certo. A prometida retomada da economia fica cada vez mais para trás”, afirmou.

Tsunami

Penúltimo a discursar, o presidente da UNE, Iago Montalvão, centrou as críticas ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, por sua “incompetência no gerenciamento” da pasta. “Vamos começar a derrota do Bolsonaro derrubando esse ministro”, disse Iago, destacando os vários problemas no recente Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Sem educação e ciência, não há desenvolvimento, não há indústria forte e não há emprego. O que estão fazendo com a educação neste país não tem precedentes na história.” Segundo ele, março terá atividades em defesa do setor, como no ano passado – uma manifestação já está marcada para o dia 18. “O tsunami vai voltar”, avisou.

Antes disso, no próximo dia 14, centrais e sindicatos farão protestos em agências da Previdência Social. Para o presidente da CTB, Adilson Araújo, o INSS não precisa de “militarização”, mas de concurso público e reestruturação,  “para que o servidor não seja submetido a condições desumanas”. Ele também discursou pela unidade do setor progressista: “Que a esquerda possa fazer a lição de casa”.

O secretário-geral da Intersindical, Edson Carneiro, o Índio, disse que o governo levou o “caos” ao INSS e ao ensino. “Precisamos defender investimento público, que é o que de fato gera emprego no nosso país”, afirmou. Dirigente da CSP-Conlutas, Luiz Carlos Prates, o Mancha, lembrou da greve dos petroleiros, “defendendo a soberania nacional”.

Leia o documento das centrais

Ações para uma indústria capaz de alicerçar o desenvolvimento brasileiro

É cada vez mais difícil esconder a magnitude da crise da indústria brasileira, como ela se apresenta nos últimos anos. Os indicadores dessa situação, que já ultrapassou o estágio alarmante, estão em todas as partes. E nem mesmo aqueles cujo dever de ofício é lançar sinais positivos para os atores econômicos conseguem cumprir esse objetivo com um mínimo de efetividade, quando se dispõem a isso.

Incorporado na gigantesca máquina do Ministério da Economia, a Indústria deixou de ter voz autônoma e submergiu entre temas que se tornaram prioridades excludentes de quaisquer outras. Os sinais de que a economia pouco crescerá acumulam-se e as entidades que respondem por previsões macroeconômicas ajustam os números, semana após semana. E os números da indústria contribuem decisivamente para essa revisão.

Os sinais de alarme vêm de todos os lugares, mas ficam muito evidentes em episódios de grande alcance. A indústria extrativa, que parecia relativamente imune à crise tanto na mineração quanto na extração de petróleo, sofre agora o impacto dos acidentes de Mariana e Brumadinho, por um lado, como das novas políticas para a exploração, produção, refino e comercialização de óleo e gás.

Na cadeia petroquímica, a venda da Braskem anuncia-se como mais um episódio de empobrecimento do sistema empresarial brasileiro e a conversão de uma grande empresa em uma filial de grupo controlado remotamente. Esse empobrecimento está patente na venda da Embraer, um projeto de desenvolvimento tecnológico que o Brasil iniciou nos anos 1930, convertido em indústria nos anos 1970 e com grande vigor empresarial após sua privatização nos anos 1990.

O anúncio pela Ford do fechamento de sua fábrica em São Bernardo do Campo é um episódio que acrescenta cores dramáticas ao processo de enfraquecimento da indústria brasileira. Como sabemos, cada um desses episódios propaga-se por suas respectivas cadeias de fornecimento e produção, com efeitos negativos multiplicados e amplificados.

O enfraquecimento da indústria brasileira ganhou intensidade e velocidade nos últimos 4 anos, e deve agravar-se pela desimportância que recebe dos atuais formuladores e implementadores de política econômica. Mesmo contando com a iniciativa dos governos refletida em políticas setoriais sucessivas (a exemplo da PITCE, PDP, PBM e BMP – planos bons, mas restritos), a indústria não foi capaz de reverter a sua perda de participação no produto interno brasileiro e a sua queda de relevância entre as maiores economias industriais do planeta.

Diferentemente das correntes de pensamento econômico clássico e conservador, que veem nisso um fenômeno “natural” e compensado por nossas vantagens competitivas nos setores baseados na exploração de recursos naturais (casos da mineração e agropecuária), entendemos que nenhum projeto de desenvolvimento poderá ser inclusivo e difusor de bem estar para a população brasileira se não estiver lastreado na presença vigorosa de um setor industrial que seja grande, dinâmico e transformador.

E nessa perspectiva, é possível afirmar que a indústria brasileira deva ser capaz de cumprir três funções sistêmicas e cruciais para um projeto estratégico de desenvolvimento nacional e regional. 

A primeira função da indústria é gerar progresso tecnológico para todos os demais setores da economia. A agricultura desenvolve-se com máquinas, equipamentos, insumos, sementes, sistemas logísticos e outros elementos que se originam na indústria e na sua capacidade de concretizar soluções mais avançadas em cada novo ciclo de produção.

O que vale para a agricultura vale com igual razão para a pecuária (com o desenvolvimento de novas vacinas, por exemplo), para a extrativa vegetal (com equipamentos florestais), para a extrativa mineral (a exemplo das inovações introduzidas pela Vale no Complexo Eliezer Batista, em Canaã dos Carajás), para a extração de petróleo (com base na indústria naval), para a construção civil, para a saúde, para a mobilidade urbana, para soluções ambientais, como filtros para hidrocarbonetos, despoluição das águas e reciclagem e engenharia reversa; para todas as atividades econômicas em que a indústria entrega máquinas, equipamentos e insumos mais produtivos como base para o funcionamento melhorado de toda a economia nacional, com produtividade e renda crescentes.

A segunda função da indústria é propiciar as condições para uma inserção cada vez mais soberana do Brasil no cenário internacional. A especialização a que o Brasil vem sendo forçado não é de vantagens naturais, mas ancorada em produtos e processos produtivos cuja estrutura de competição internacional acirrada deprime os preços e amplia os riscos derivados da oscilação de mercados.

O agronegócio brasileiro também se nutre de mistificações, para além dos subsídios. A sua contribuição direta ao PIB é de apenas 6% e suas exportações não estão entre as maiores do mundo. A sua expansão recente esteve baseada em subsídios fiscais e creditícios, somados a sucessivas renegociações de dívidas.

O grande agronegócio concentra-se em poucas lavouras, mas é incapaz de satisfazer as necessidades básicas da mesa dos brasileiros: importamos arroz e trigo, dois dos grãos alimentares mais importantes do mundo, e somos grandes produtores apenas de milho (8% da produção mundial) e de soja, destinada sobretudo à alimentação animal.

Uma inserção mais altiva do Brasil no mundo exige uma pauta de exportações mais diversificada, menos dependente de commodities básicas e não vinculadas à inaceitável degradação do ambiente e à recorrente violência que demarca a vida
da população no meio rural e nas florestas. Um setor industrial pujante, dinâmico e transformador é um elemento indispensável para essa inserção mais soberana.

A terceira função primordial de um sistema industrial dinâmico é oferecer oportunidades de ocupação e emprego a um número cada vez maior de brasileiros, de todas as regiões, associadas à realização pessoal e ligando de forma indissociável as perspectivas de desenvolvimento nacional e profissional como projeto de país.

Como resultado, a indústria brasileira será cada vez mais inteligente e seus trabalhadores, nas empresas industriais existentes e naquelas que deverão surgir ao longo do tempo, criarão oportunidades para processos de alto desempenho, para a fabricação de produtos inovadores, que satisfaçam as demandas dos brasileiros e propiciem uma integração internacional consistente com a nação soberana que queremos e devemos construir.

A construção de um novo tecido industrial que cumpra estas três funções só poderá ser feita ao longo do tempo, por meio de ações estruturadas que envolvam diferentes organismos de governo em sintonia com entidades sindicais e empresariais também orientadas ao desenvolvimento do país e de suas diferentes regiões.

Essa é uma obra de longo prazo, mas existe desde já um conjunto de ações que podem ser colocadas em marcha com os instrumentos e recursos existentes, por meio de iniciativas de desenvolvimento local formuladas e implementadas no âmbito dos poderes executivos e legislativos nos Estados, municípios, ou das micro e mesorregiões que estruturam o território brasileiro.

O Brasil deve constituir o seu Plano Indústria, somando as forças do Estado brasileiro com o setor privado e os trabalhadores em uma grande agenda que reposicione o País na economia global.

 

 

Fonte: Rede Brasil Atual

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