Coronavírus: o que pode acontecer aos brasileiros sem o isolamento social?

A pandemia do coronavírus já infectou quase meio milhão de pessoas em todo o mundo e o número de mortes ultrapassou 20 mil até a noite desta quarta-feira (25), de acordo com o centro de informações da Universidade Johns Hopkins, que monitora a crise.

Em pronunciamento nacional, Bolsonaro disse que governos estaduais devem “abandonar o conceito de terra arrasada”. A ideia defendida pelo capitão reformado é de que o país precisa voltar à normalidade e de que apenas grupos de risco devem ser isolados. O médico infectologista, Wladimir Queiroz, que atua no Instituto de Infectologia Emílio Ribas e é consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, afirma que o Brasil só teria condições de enfrentar o coronavírus sem isolamento social se garantisse realização massiva de testes.

“Se nós tivéssemos a possibilidade de ter o teste que identifica as pessoas que estão portando o vírus em uma fase bem precoce disponível em alta escala, poderíamos até pensar no que se chama de isolamento vertical, onde você vai isolar grupos específicos de pessoas. Nós não temos isso.”

O caso japonês

Frente aos números da propagação do vírus, as críticas de Jair Bolsonaro (sem partido) a medidas de isolamento perdem completamente a força. Em uma comparação com países que adotaram ações menos restritivas de circulação, elas passam a não fazer nenhum sentido.

Em todo o mundo, nações que vinham defendendo o isolamento apenas parcial, já voltaram atrás na decisão. Aqueles que ainda mantêm o conceito em prática, como o Japão, têm a favor de si uma economia robusta, território e população menores, maior acesso à educação, número pequeno de áreas em situação precária, além de outras diferenças socioculturais expressivas.

No país asiático, o governo determinou o cancelamento de eventos públicos e estendeu as férias escolares em duas semanas. Ainda assim, o comércio continua funcionando e o convívio social não mudou muito. O número oficial de infectados está um pouco acima de 1,3 mil e 45 pessoas morreram. O Japão adotou a tática de aplicar testes apenas em casos suspeitos, apesar de ter a maior população idosa do mundo. Os números mais baixos podem ser consequência dessa política.

Mas além disso, no comportamento social do japonês, a prática de isolamento de pessoas doentes é cultural. Quem está gripado, por exemplo, evita sair de casa e, nas ruas, o uso de máscaras é comum. A situação sanitária do país também é melhor que a nossa: lá 100% do esgoto é tratado, enquanto no Brasil quase metade da população não tem acesso à rede de tratamento.

“Eu tenho muito medo de quando esse vírus chegar nas nossas populações mais carentes, nos nossos moradores de rua, nas comunidades. Isso você não vai ter no Japão”, afirma Wladimir Queiroz.

Imunização de rebanho

Com um dos governos que mais resistiu e criticou medidas de isolamento, o Reino Unido tem hoje cerca de 8,3 mil infectados e mais de 430 mortes. Até semana passada, a administração do primeiro ministro conservador, Boris Johnson, defendia que, para chegar à imunização, era preciso deixar que o maior número de pessoas se infectasse rapidamente.

Conhecida como imunização de rebanho, a tática poderia causar meio milhão de mortes na região, de acordo com um estudo do Imperial College de Londres. Frente às projeções, Boris Johnson voltou atrás, determinou quarentena e afirmou que a luta contra o coronavírus é o maior desafio do país em décadas.

Em um cenário em que a taxa de mortalidade do coronavírus fosse estática e permanecesse em 3%, como mostra a média atual global, o Brasil poderia perder entre 4 e 6 milhões de pessoas, mais que o dobro da população de Brasília. Se o vírus circular sem controle e atingir a maior parte da população brasileira, a demanda no Sistema Único de Saúde pode chegar a 40 milhões de pacientes ao mesmo tempo, o que corresponde a quase todas as pessoas que moram no estado de São Paulo. O infectologista Wladimir Queiroz reforça o cenário preocupante.

“No Brasil, se nós tivermos uma fase de explosão muito grande dessa doença, vai ter gente morrendo sem assistência médica. O sistema de saúde já é em parte saturado e pode entrar em total colapso se nós tivermos um número muito grande de infectados ao mesmo tempo. Temos a convicção de que mais de 80% das pessoas serão assintomáticas, mas o que sobra – de 15 a 20% – vai precisar de internação e até mesmo de UTI. Como vamos conseguir suportar esse número se a explosão acontecer em níveis muito altos? É um número que não tem país algum que possa comportar.”

A Holanda, outra nação que também não adotou táticas de isolamento em massa inicialmente, tem hoje pouco mais de 17 milhões de habitantes. Na semana passada, o governo ainda defendia que a população deveria adquirir imunidade coletiva e manter as atividades normais. Agora, com quase 6 mil e 500 infectados e mais de trezentas mortes, determinou multa a quem fizer reuniões sociais e a polícia vai separar grupos de mais de três pessoas nas ruas.

Na Austrália, as escolas continuam funcionando, mas desde segunda-feira (23), o governo determinou o fechamento de bares, clubes, academias, cinemas, templos e igrejas. Só podem funcionar supermercados, farmácias e postos de combustíveis. O país da Oceania tem uma população um pouco maior que 24 milhões de pessoas. Somente o número de estudantes em creches e escolas no Brasil é superior a 50 milhões.

“Esse racional de que o vírus se espalhando vai atingir um número grande de pessoas que vão se tornar imunes realmente acontece. O problema é o que vai acontecer até chegarmos lá. Que caminhos nós vamos percorrer até chegar a esse ponto? Qual será o preço que vamos pagar?” questiona Wladimir Queiroz, para quem os riscos de minimizar a pandemia são muito temerosos.

“Não pode chamar essa doença de gripezinha ou resfriadinho. Não pode. Seja qual for a medida que você vai tomar ou quais são os motivos que vão te levar a tomar uma decisão ou outra, não se pode menosprezar o potencial dessa situação.”

 

Fonte: Brasil de Fato

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