Para cientistas, volta ao trabalho presencial é ‘naturalização da desgraça’

A segurança das medidas de reabertura das atividades econômicas e do retorno ao trabalho presencial, no atual contexto da pandemia de covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, foram temas de um debate on-line entre professores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), promovido nesta segunda-feira (22).

O Brasil é o atual epicentro da doença no mundo e segundo com mais óbitos e casos, atrás apenas dos Estados Unidos. Mas, mesmo tendo o país ultrapassado as marcas de 50 mil mortes e de 1 milhão de infectados, de acordo com números oficiais, muitos governadores e prefeitos estão estão flexibilizando medidas de proteção relacionadas ao distanciamento social. De olho na economia, tomam atitudes consideradas precipitadas por médicos, biólogos e demais especialistas da área, o que pode significar mais mortes. Além dos poderes locais, o presidente Jair Bolsonaro, que desde o início do surto minimiza a pandemia, atualmente está preocupado apenas em se manter no poder e não ser alvo de um impeachment.

Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) tenha observado uma redução na velocidade com que o vírus vem se espalhando pelo Brasil nas últimas três semanas, a entidade mantém a orientação de manter as medidas de isolamento social. Isso porque, mesmo sem a velocidade registrada em períodos anteriores, as mortes no Brasil seguem em patamar elevado – cerca de mil pessoas por dia. As autoridades deveriam, também, levar em consideração a subnotificação de casos e óbitos – denunciada por cientistas da área e admitida até por gestores públicos.

Mesmo com todas essas informações, porém, a flexibilização da quarentena segue na pauta dos governantes, o que motivou o debate desta manhã.

Naturalização da desgraça

O encontro foi mediado pela geneticista Izabel Heckman, que abriu os trabalhos com o questionamento central. “As pessoas já estão se sentindo sem medo e sem perigo para voltar às suas atividades. Essa mudança acontece por razões econômicas. Abre o comércio e todo mundo vai fazer compras. Isso demonstra que o poder público vem passando segurança para que as pessoas se exponham. Mas já estamos seguros?”

Para o epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz, Jesem Orellana, o problema no Brasil é pensado “de forma simplória”. “A pandemia em si está longe de terminar. Queria lembrar que a última pandemia de gripe suína, que se iniciou no México, demorou 14 meses para ser declarada terminada. Aquela pandemia nem de perto causou os danos da covid-19. Se demoramos 14 meses para acabar com aquela pandemia, estamos longe agora”, disse.

O cientista considera as ações de reabertura precoce como “ignorância da realidade”. Ele analisou o caso de cidades que, até semanas atrás, viviam um momento de caos sanitário e até funerário, mas que já estão abrindo seus comércios e convocando as pessoas a saírem normalmente às ruas. “Em algumas cidades, como Manaus, parece que estamos naturalizando a desgraça. Tivemos um violento aumento no número de casos e um momento histórico, trágico, um dos capítulos mais tristes da história da saúde pública brasileira. As pessoas viram muito problema ao mesmo tempo.”

Por ter vivido um período de explosão da casos, gestores de cidades como Manaus, e até mesmo São Paulo e Rio de Janeiro, adotam agora o discurso de que o pior já passou. Entretanto, a ciência questiona. “Existe o risco residual importante. É um termo completamente desconhecido pelos gestores. Acham que se passamos pela pior parte o problema está resolvido. Não. A história mostra que a segunda, a terceira onda, a depender das condições, é inevitável”, completou Jesem.

Segunda ou primeira onda?

O professor Fernando Ribas Feijó, médico do trabalho, lembra que existem parâmetros para medir se, de fato, o pior já passou. E, ao que indicam os dados sobre o Brasil, a resposta é não. “Para termos uma epidemia controlada, precisaríamos ter algo conhecido como imunidade de rebanho. Ao menos 60% da população com anticorpos. O que vemos em estudos de universidades federais, é que este número está, em Manaus, por exemplo, que tem uma das maiores prevalências do Brasil, em 15%. Estamos muito longe de atingir”, disse.

As medidas de fim do isolamento social podem quebrar o delicado e relativo equilíbrio alcançado em muitas regiões do país. “Mesmo com menor velocidade de contaminação, caso tudo volte ao normal, o risco de um novo aumento de casos e mortes é muito alto. Cerca de 80% ou mais das pessoas têm possibilidade de se infectar. Então, (são necessários) isolamento social, uso de máscaras, medidas de higiene – principalmente o isolamento, que diminui a velocidade de transmissão e o número de infectados. É cedo para se falar minimamente em controle”, completou.

 

Fonte: Rede Brasil Atual

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