Setembro Amarelo: prevenção ao suicídio deve olhar para questões de raça e território

Estima-se  que mais de 800 mil pessoas morrem vítimas de suicídio em todo o mundo a cada ano, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, o mês de setembro é voltado para ações de prevenção ao suicídio com a campanha Setembro Amarelo.

Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, a psicóloga e pesquisadora Vanessa Eletherio considera que a justiça social é um ponto central para discutir a prevenção ao suicídio no Brasil.

“Imagine que nós temos esses problemas gravíssimos estruturais e nós temos políticas que facilitam o acesso a meios letais, como armas de fogo, agrotóxicos e o aumento da violência urbana e doméstica. Então sim, a relação é direta. Pensar prevenção em saúde mental, prevenção ao suicídio, é também uma luta por justiça social”, defende.

Com mais de 10 anos de experiência clínica e especializada em questões relacionadas à morte, como luto e crise suicida, Eletherio ressalta que um plano nacional de prevenção ao suicídio deve olhar para questões como racismo, machismo, classe social e pobreza que impactam diretamente sobre os índices de de mortes por essa causa no Brasil.

“É exatamente quando nós pensamos raça e território que nós temos os dados mais altos em relação a suicídio, a exemplo de comunidades quilombolas e comunidades indígenas”, afirma.

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato Pernambuco: Qual a importância do Setembro Amarelo?

Vanessa Eletherio: O Setembro Amarelo é fundamental. Essa é uma campanha brasileira, de 2015, que foi feita em conjunto pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), o Centro de Valorização à Vida (CVV) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), mas que atualmente tem proporções que envolvem outros órgãos também, a saber o Conselho Federal de Psicologia. O Setembro Amarelo tem o objetivo de, neste mês, promover uma sensibilização da população de modo geral, do problema de saúde púbica que é o suicídio, que é um problema que pode ser prevenido.

No último relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), que data de 2014 e tem dados recolhidos em 2012, é estimado que mais de 800 mil pessoas falecem vítimas de suicídio em todo mundo durante todos os anos. E notem, essas são estimativas de 2012 pra cá, então certamente esse números já se elevaram, ainda mais se a gente pensa um momento de crise como esse, devido à pandemia de covid-19. Então o Setembro Amarelo é fundamental, tem um objetivo importantíssimo, quanto mais pessoas puderem aderir à campanha, melhor.

Quais cuidados  precisamos ter ao falar sobre suicídio, que é ainda é um tabu?

Se falar sobre morte é um tabu, falar sobre suicídio então é praticamente inconcebível. De fato o que o Setembro Amarelo propõe é que nós possamos falar de maneira reflexiva sobre esse problema. É importante que essa sensibilização seja conduzida e seja voltada mesmo para a fala de profissionais experientes na área. Então, se você percebe que alguém anda mais isolado, mais introvertido, mais triste… a partir da percepção desses sinais, podemos então fazer uma sensibilização com essa pessoa e encaminhá-la para um profissional.

Mas a população de modo geral pode escutar quem está em sofrimento, de uma maneira muito dedicada, muito cuidadosa e sem julgamento. Então para falar sobre suicídio, para explicar, por exemplo, o suicídio enquanto um problema de saúde pública que pode ser prevenido, é importante que essa fala seja de um profissional que tenha se dedicado a estudar e a atuar nessa área.

No entanto, a população de modo geral contribui fortemente quando consegue identificar sinais de risco, quando consegue escutar outras pessoas de uma maneira mais acolhedora e sem julgamento, entendendo que é de fato um problema de saúde pública e que portanto precisa acessar os seus direitos em saúde.

No Brasil a gente tem um equipamento fundamental que é  Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), que é o equipamento mais indicado a ser utilizado quando nós percebemos que uma pessoa está em risco.  Obviamente que a gente também pode entrar em contato pelo telefone 188, que é o número de Centro de Valorização da Vida (CVV), então se alguém está precisando de ajuda imediata, pode ligar pro 188. Se essa pessoa precisa de um atendimento, de uma equipe presencial, ela pode procurar o CAPS da sua região.

E qual a importância da gente pensar a prevenção ao suicídio para além do mês de setembro? 

O Setembro Amarelo aparece como esse mês privilegiado de sensibilização porque permite que nós tenhamos ações intensificadas sobre esse tipo de problema.

É convencionado como um mês de planejamento de ações para o ano seguinte, então não é só no setembro que fazemos ações de prevenção, mas é prioritariamente nesse momento que nós fazemos uma atualização nos nossos dados e que conseguimos também atualizar as nossas ações de prevenção.

Inclusive vale dizer que a escola é um lugar central de prevenção ao suicídio, porque se nós vamos pensar que a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos é o suicídio e que a cada 10 mortes por suicídio, 9 poderiam ter sido evitadas, a escola aparece como um lugar privilegiado de prevenção, seja para realizar psico-educação, como também para fazer outras estratégias preventivas, ensinando do que se trata esse problema, como prevenir ou ainda onde buscar ajuda adequada.
Qual a relação entre suicídio e questões estruturais como o racismo, o machismo, a pobreza? Como esses elementos se relacionam?

A relação é direta! É fundamental. A gente pensar a realidade desigual do Brasil com a assimetria de gênero, de raça, de classe, torna o Brasil ainda mais vulnerável, mais frágil a essa questão. Somando-se a questões estruturais, nós temos ainda ações que vão de encontro ao que a OMS nos indica como prevenção universal.

Imagine que nós temos esses problemas gravíssimos estruturais e nós temos políticas que facilitam o acesso a meios letais, como armas de fogo, agrotóxicos e o aumento da violência urbana e doméstica. Então sim, a relação é direta. Nós vamos ter números mais altos em países cuja renda per capita é mais baixa, isso é evidente. Então pensar prevenção em saúde mental, prevenção ao suicídio, é também uma luta por justiça social.

Não se pode pensar um plano nacional de prevenção ao suicídio que seja cego a questões básicas como racismo, machismo, problemas em relação a classe e a território porque nós também temos uma visão muito urbanizada, mas é exatamente quando nós pensamos raça e território que nós temos os dados mais altos em relação a suicídio, a exemplo de comunidades quilombolas e comunidades indígenas.

Portanto, quando nós pensamos em comunidades quilombolas, eu estou fazendo uma intersecção de raça e território, estou falando de uma construção social de negritude com ruralidade. Quando falo de comunidades indígenas, estou falando sim de povos ou de tribos que também estão no meio rural e que nos últimos anos tem sido ainda mais desrespeitados na sua própria etnia. Então sim, a relação é direta. É impossível fazer um plano adequado de prevenção ao suicídio sem considerar todos esses aspectos.

Como a sociedade pode agir em prol da prevenção ao suicídio?

De modo geral é compreendendo que suicídio é um problema em saúde pública, ou seja, as autoridades governamentais e políticas precisam promover ações de prevenção. Ou seja, é preciso ter os equipamentos em saúde com profissionais capacitados, com recursos humanos e materiais suficientes para dar conta desse problema.

Falando assim parece simples, não é? Então, quando eu digo que é um problema de saúde pública eu preciso desmistificar uma série de outros preconceitos, porque não é algo relacionado necessariamente à alguns exercícios religiosos, não é necessariamente fraqueza das pessoas que morrem vítimas de suicídio.

A população pode ajudar, prioritariamente, entendendo que é um problema que foge ao controle da pessoa que sofre. Essa pessoa precisa de ajuda, ela não precisa de julgamento. E uma vez que ela precisa de ajuda, ela precisa então de profissionais capacitados e adequados.

Então se você percebe que uma pessoa está sofrendo, que você possa mesmo chegar junto para perguntar “está tudo bem?”, e esteja disponível para escutar caso não esteja, sem tentar mudar de assunto, sem tentar distrair, mas ouvindo mesmo o que está acontecendo. E se você verifica que há algum risco de morte, que você possa, sensivelmente, encaminhar essa pessoa para um serviço em saúde e outros profissionais capacitados.

 

 

Fonte: Brasil de Fato

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