Condições de vida nas periferias são fatores de risco para a covid-19, aponta estudo

Estudo argumenta que desigualdades sociais são
fatores de risco na pandemia de covid-19

Um estudo publicado em abril na revista Práxis, especializada na produção acadêmica na área do Direito, argumenta que as desigualdades sociais e as condições de vida nas periferias brasileiras podem ser considerados como fatores de risco para a covid-19. De autoria das pesquisadoras Raquel Ceolin e Valéria Ribas Nascimento, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o documento defende que a discussão sobre saúde não pode se limitar ao debate sobre o acesso a hospitais e unidades de saúde, mas levar em conta questões habitacionais, econômicas, ambientais e sociais.

Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSM, Valéria explica que a dissertação de mestrado de Raquel, sua orientanda, analisa as políticas públicas voltadas para os migrantes em países da América do Sul e que, no contexto da pandemia, ela decidiu analisar as políticas voltadas para as comunidades periféricas, partindo da pergunta: “Como tem se dado o enfrentamento à pandemia nas favelas brasileiras e as políticas públicas por parte do governo federal, em um cenário de intensa desigualdade social?”

“O que a gente percebeu é que existe pouca vontade política de trabalhar o combate à pandemia nos locais onde tem uma maior pobreza concentrada no Brasil”., diz Valéria.

O estudo utilizou dados produzidos pelo Instituto Data Favela, que reúne informações de 239 favelas brasileiras. As autoras chamam a atenção para fato de que, das 13,6 milhões de pessoas que vivem nas periferias, 96% dependem do Sistema Único de Saúde. Em relação à situação das famílias na pandemia, destacam que dois terços dos moradores da periferia só possuem reservas para aguentar uma semana em casa sem trabalhar e 29% destes não conseguiriam ficar um dia sem trabalhar.

Segundo o Data Favela, 80% das famílias sobreviveram em 2020 com menos da metade da renda, o que significou que 76% tiveram ao menos um dia em que faltou dinheiro para comprar comida. Destacam também o dado de que 89% dos moradores de favelas receberam doações de ONGs, empresa e amigos e que oito em cada dez famílias n

Um estudo publicado em abril na revista Práxis, especializada na produção acadêmica na área do Direito, argumenta que as desigualdades sociais e as condições de vida nas periferias brasileiras podem ser considerados como fatores de risco para a covid-19. De autoria das pesquisadoras Raquel Ceolin e Valéria Ribas Nascimento, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o documento defende que a discussão sobre saúde não pode se limitar ao debate sobre o acesso a hospitais e unidades de saúde, mas levar em conta questões habitacionais,

Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFSM, Valéria explica que a dissertação de mestrado de Raquel, sua orientanda, analisa as políticas públicas voltadas para os migrantes em países da América do Sul e que, no contexto da pandemia, ela decidiu analisar as políticas voltadas para as comunidades periféricas, partindo da pergunta: “Como tem se dado o enfrentamento à pandemia nas favelas brasileiras e as políticas públicas por parte do governo federal, em um cenário de intensa desigualdade social?”

“O que a gente percebeu é que existe pouca vontade política de trabalhar o combate à pandemia nos locais onde tem uma maior pobreza concentrada no Brasil”., diz Valéria.

O estudo utilizou dados produzidos pelo Instituto Data Favela, que reúne informações de 239 favelas brasileiras. As autoras chamam a atenção para fato de que, das 13,6 milhões de pessoas que vivem nas periferias, 96% dependem do Sistema Único de Saúde. Em relação à situação das famílias na pandemia, destacam que dois terços dos moradores da periferia só possuem reservas para aguentar uma semana em casa sem trabalhar e 29% destes não conseguiriam ficar um dia sem trabalhar.

Segundo o Data Favela, 80% das famílias sobreviveram em 2020 com menos da metade da renda, o que significou que 76% tiveram ao menos um dia em que faltou dinheiro para comprar comida. Destacam também o dado de que 89% dos moradores de favelas receberam doações de ONGs, empresa e amigos e que oito em cada dez famílias não teriam condições de comprar alimentos, produtos de higiene ou pagar contas básicos sem estas doações.

Foto: Divulgação/UFSM

O artigo destaca também que, segundo dados do Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da covid-19 no Brasil, divulgado no início de abril pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), 19 milhões de brasileiros passaram fome no Brasil em 2020 e 116,8 milhões de pessoas conviveram com algum grau de insegurança alimentar, o que representa 55% dos domicílios do País.

Uma situação que é agravada pelo fato de que, além da perda de renda, as famílias conviveram, em 2020, com o aumento dos preços de produtos alimentícios, do preço do gás, e com a necessidade de adquirirem itens de proteção individual, como máscaras, álcool em gel e produtos para higienização pessoal e de suas residências. No caso das famílias com crianças em idade escolar, o gasto em alimentação aumentou pela não possibilidade de acesso à merenda, o que atingiu 87% das famílias de periferia, segundo o Data Favela.

“Nesse cenário de desigualdade social e intensificação das vulnerabilidades, é o Poder Público que deve agir por meio de políticas públicas a fim de minimizar os impactos na sociedade – e a urgência da situação requer respostas igualmente urgentes”, diz o artigo.

As pesquisadoras pontuam que as famílias de periferia enfrentam um risco agravado por não terem condições para realizar o isolamento social, não tendo, na maior parte dos casos, ocupações que permitam o trabalho remoto. Outro fator que prejudica o distanciamento é a própria configuração das habitações nas favelas, pois metade dos domicílios são ocupados por quatro pessoas ou mais e 60% possuem no máximo dois quartos, que são ocupados, em média, por quatro pessoas ou mais.

Além disso, destacam que os principais centros de saúde, isto é, hospitais que possuem Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e Pronto-Socorros, estão distantes das favelas, ocasionando um risco adicional para essa população.

Elas afirmam que, utilizando o conceito de saúde global, que considera que a promoção da saúde não deve levar em conta apenas o acesso aos serviços — mas também levar em conta características habitacionais, econômicas, ambientais e sociais –, as condições de vida na periferia interferem na garantia da saúde.

“Nesse ambiente de precarização da saúde, os mais afetados são aqueles indivíduos que já vivem em condições mais vulneráveis e não têm acesso à saúde de forma efetiva. Entretanto, ressalta-se que quando se fala na saúde da população, a problemática não se limita ao acesso à saúde, mas aos múltiplos fatores que se refletem nesse campo”, diz o artigo.

As pesquisadoras concluem que faltaram políticas públicas para as populações periféricas durante a pandemia, ressaltando que a principal política para mitigar os efeitos nas classes mais baixas foi o auxílio emergencial. Segundo dados do Instituto Data Favela, o benefício foi solicitado por sete em cada dez famílias das periferias. Contudo, 41% delas não receberam nenhuma parcela do benefício em 2020.

Raquel partiu do texto Direito dos Oprimidos, do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, que opõe as noções de “asfalto” – grandes centros e comunidades com melhores condições de vida — e “favela”, onde vivem as pessoas pobres, marginalizadas. O texto de Boaventura destaca que os cenários de favela são aqueles em que a ausência do Estado leva a uma autorregulação e autogerenciamento da favela, em que os próprios moradores devem atuar para garantir seus direitos.

“Qual a conclusão que o Boaventura chega e a gente pode pensar que se aplica atualmente: que, nesses locais, são muito mais as pessoas que lideram e se ajudam do que propriamente o Estado interfere. Existe o direito do asfalto e o direito da favela. O asfalto são as pessoas que tem mais condições de higiene, de educação, internet em casa, que estão tendo aulas de casa. E as outras pessoas têm o direito dos oprimidos, que o Boaventura chama, que não têm nenhum acesso a benesses que a população com melhores condições financeiras tem”, diz a orientadora.

O artigo destaca que uma das primeiras mortes da pandemia no Brasil foi de uma doméstica que pegou coronavírus de sua empregadora que, em março de 2020, havia acabado de voltar da Itália.

Fonte: Luís Eduardo Gomes, do Sul 21

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