Congresso e sociedade reagem ao aumento do feminicídio e violência contra mulher

Grupos de mulheres reunidas em coletivos, sindicatos, bancadas de parlamentares e vítimas estão reagindo à violência contra as mulheres e ao feminicídio, que aumentou desde o início da pandemia do novo coronavírus, em março. As medidas para conter a disseminação do vírus impuseram uma nova rotina, o isolamento social, e as vítimas foram obrigadas a ficar em casa, confinadas com os agressores.

Para proteger a vida, elas estão lutando pela implementação de medidas de proteção à vida no Congresso Nacional, assembleias legislativas estaduais e nas câmaras municipais, e também realizando ações que têm evitado a morte de milhares de vítimas pelo país.

Segundo levantamento do Elas no Congresso, plataforma de monitoramento legislativo da Revista AzMina, 24 dos 1.261 Projetos de Leis (PL) com as palavras-chave “coronavírus” e “Covid-19” estão relacionadas a gênero e aos direitos das mulheres.

Na última quinta-feira (9), foi aprovado o substitutivo da deputada Natália Bonavides (PT-RN), ao Projeto de Lei (PL 1444/20), da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), que estabelece medidas excepcionais para garantir às mulheres vítimas de violência o afastamento do agressor durante a pandemia novo coronavírus. [saiba mais abaixo sobre o projeto]

Uma medida fundamental para um país onde os casos de feminicídio – quando a mulher é morta simplesmente por ser mulher – cresceram 22% entre março e abril deste ano, em comparação ao mesmo período do ano passado em 12 estados, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. NO mesmo período, as denúncias de violência contra a mulher por telefone aumentaram 17,9%.

Com praticamente todos os estados brasileiros em quarentena no mês de abril, cresceu em 37,6% a procura pelo atendimento no 180 (número para denúncias de violência doméstica do governo federal).

Em Minas Gerais, o governo lançou um aplicativo MG Mulher, que além de fornecer os endereços e telefones das unidades de polícia mais próximas de onde a mulher está, cria uma rede de amigos e familiares para, em caso de necessidade, a vítima conseguir acionar alguém rapidamente.

Além disso, tem diversas iniciativas populares e digitais surgindo neste período. A força-tarefa de 1.300 voluntárias, chamada de Justiceiras, recebe diariamente contato de mulheres vítimas de violência pelo WhatsApp, com pedidos de orientações sobre os diversos tipos de violência, como física, psicológica, moral, sexual, patrimonial. Os casos são direcionados para uma equipe voluntária, profissional e multidisciplinar, que inclui advogadas, psicólogas, assistentes sociais, rede de apoio e, quando necessário, orientação médica. Todo o contato é feito de forma remota, por mensagens, ligações ou vídeo-chamadas.

Para a advogada da Sonia Recchia, da Sociedade de Advogadas, Maíra Calidone Recchia  Bayod, que faz parte da rede de juristas feministas,  estes projetos e ações de combate à violência contra mulher são de suma importância porque trazem para a sociedade o debate e deixa de naturalizar o problema, que já existia antes da pandemia e que foi potencializado com o isolamento social.

Segundo ela, estes números de violência e feminicídio podem ser ainda maiores devido as subnotificações, já que as Delegacias da Mulheres (DDM) estavam fechadas e a capacidade financeira das famílias vem diminuindo.

“Durante o isolamento social mais rígido, que aconteceu nos primeiros meses da chegada da pandemia no país, só as escalas de plantão das delegacias estavam abertas. Além disso, a tensão e o convívio com o agressor, que geralmente é o parceiro, aumentou. Isso sem contar que a capacidade econômica das famílias que diminuiu e tudo contribui para o aumento da violência”, explica Maíra, que comentou que o número de divórcios e separações também aumentou durante a pandemia.

Segundo a advogada, com a Lei 14.022/20, de autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS), sancionada na semana passada, o número de denúncias e de pedido de medidas protetivas pode aumentar, já que a medida torna essencial o serviço público de atendimento à violência doméstica, além de assegurar que o registro da ocorrência de violência doméstica e familiar seja feito por meio eletrônico ou telefone de emergência.

A agricultora familiar em Minas Gerais, Lucimar de Lourdes Martins, que sofreu violência doméstica por quase duas décadas, agora ajuda outras mulheres. Ela disse que foi por meios eletrônicos que conseguiu uma medida protetiva para sua filha de 19 anos contra o ex-companheiro.

“Às vezes, quem está dentro da violência não consegue enxergar saídas e é ai que entra nosso papel de mulheres comprometidas com a luta. Pelo celular mesmo a gente consegue fazer a denúncia e ajudar outras mulheres, como fiz com minha filha. Não é fácil sair de uma relação, mas é melhor do que viver a vida toda com violência e ainda com risco de morrer”, disse Lucimar, que hoje é secretária da Mulher Trabalhadora na CUT Minas Gerais e na Federação das Trabalhadoras e dos Trabalhadores em Agricultura Familiar de Minas Gerais (Fetraf-MG).

União das mulheres e a luta

É de extrema importância a união das mulheres em torno da pauta para a proteção à vida de mulheres vítimas de violência, diz Lucimar, explicando que só saiu do ciclo de violência quando entrou para o sindicato.

“O que me levou para o sindicato da agricultura não foi a luta por terra, por aposentadoria e nenhum auxílio. O que me levou a querer participar da luta organizada em 2009 foi para ajudar outras mulheres a não passar o que eu passei por tanto tempo, porque sozinha eu só descobri que eu sofria violência quando comecei a participar da marcha de mulheres. Uma mulher sempre dá força para a outra”, afirmou Lucimar.

Pós-pandemia e a luta continua

A discussão do tema violência contra a mulher precisa continua forte no pós-pandemia, defende a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista. O machismo na sociedade, diz ela, existe em todos os lugares do mundo e em todas as situações que vivemos, até na pandemia, e é preciso combatê-lo o tempo inteiro.

“É preciso fazer um debate aberto e franco sobre a violência e o machismo estrutural que matam milhares de mulheres. Temos que reproduzir conhecimento das leis e das ações de combate à violência e o feminicídio para as mulheres resistirem, mas é preciso também que os homens parem de bater e de matar as mulheres. Será um longo processo, mas estamos juntas para isso. Juntas somos muito mais fortes”, ressalta Juneia.

Sobre PL 1444/20

O texto aprovado determina, entre outras medidas, menor prazo para análise de pedidos de proteção; afastamento do agressor; e ampliação de vagas em abrigos. Assegura ainda às mulheres de baixa renda em situação de violência doméstica, que estejam sob medida protetiva decretada, o direito a duas cotas do auxílio emergencial. As regras valem durante a calamidade pública decorrente da Covid-19, ou seja, até 31 de dezembro de 2020.

Outro PL em debate

Também de autoria de mulheres há o PL 2477/20, que determina que os serviços domésticos não sejam incluídos entre as atividades essenciais durante a pandemia. Há pressão popular para que ele seja votado o quanto antes pelos deputados, para proteger os direitos das trabalhadoras domésticas. Segundo a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), 727 mil trabalhadoras do serviço doméstico ficaram desempregadas ou perderam horas de trabalho devido às quarentenas.

Campanha do Ministério Público Federal

Com o objetivo de tornar acessível às mulheres que estão sofrendo situação de violência doméstica e familiar, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) lançou uma campanha sobre violência doméstica contra a mulher.

A iniciativa é uma parceria no Núcleo de Gênero do órgão e do programa Escutando o Cidadão, que buscam por meio do acesso à informação garantir o direito à proteção integral preconizado pela Lei Maria da Penha. A campanha conta com o apoio da Polícia Civil do DF. Saiba mais sobre a campanha no vídeo do MPDFT.

 

Fonte: CUT Nacional

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