Artigo: Por que é necessário nacionalizar a Ford e criar uma montadora brasileira?

Escrito pelo presidente do Industriall-Brasil, Aroaldo Oliveira da Silva, e
pelo presidente da Central de Cooperativas Unisol Brasil e diretor da Unicopas, Leonardo Pinho

Por que nacionalizar a Ford?

Ao pensar num país ou numa nação, pensamos no seu território, sua bandeira, seu povo, sua economia, sua cultura e pensamos o que esse país/nação representa no mundo.

Quando imaginamos os países mais importantes do mundo, logo pensamos na sua relevância econômica, cultural, bélica, territorial e populacional.

Ao pensar no Brasil, onde ele se localiza nesse imaginário e onde realmente está?

Um país do tamanho do Brasil com mais de 8,5 km, sendo o 5° maior do mundo, e com uma população de mais de 210 milhões de habitantes, sendo a 6° maior do mundo, imaginamos sua importância principalmente econômica, social, ambiental e tecnológica.

Mas, realmente é isso?

Estamos vivendo um momento, no mínimo, confuso para todos.

O Brasil, que muitos diziam que era o país do futuro, país que teve um crescimento invejável por muitos, do final da 2° guerra até o final da década de 70, país que desenvolveu uma indústria de base, desenvolveu grandes complexos automotivos, complexos petroquímicos, navais e chegou a ser a sexta economia do mundo, num passado recente, não vigora mais entre as 10 maiores economias do mundo, muito menos se olharmos para seu desenvolvimento tecnológico.

O que aconteceu com o Brasil?

Estamos vivendo um momento de muitas transformações, no meio de uma revolução industrial e uma revolução tecnológica, sem paradigmas na história da humanidade.

E numa velocidade que não percebemos o tamanho da transformação.

O Brasil que já teve dificuldades para embarcar na 3ª revolução industrial e está passando longe nessa 4ª.

Enquanto países como China, EUA, Japão, Alemanha, Coréia investem em pesquisa e desenvolvimento na casa de centena de bilhões de dólares, o Brasil não consegue sair da casa de dezena de bilhões de reais.

As cadeias globais de produção estão se reorganizando no mundo.

Antes da pandemia, os principais países já tinham percebido sua dependência produtiva da China. E com a pandemia isso aprofundou.

Neste momento, eles discutem como renacionalizar suas empresas e produções para não serem tão dependentes.

A agenda de reindustrialização e do desenvolvimento tecnológico voltou a ser prioritária.

No Brasil, acontece o contrário. Empresas fechando, desemprego estrutural e metade da força de trabalho na informalidade.

Alguns levantamentos revelam que cerca de 35 mil empresas fecharam nesse período, fazendo a gente viver um verdadeiro colapso na indústria brasileira, que vem perdendo sua importância no PIB nacional.

Mas, o que acontecerá se o Brasil perder sua indústria?

Quais os impactos para os empregos, a economia, a condição de vida da população de forma geral?

Todos os principais países do mundo se desenvolveram econômica e tecnologicamente porque no seu embrião tiveram indústrias importantes, que geraram riqueza e conseguiram dar uma condição melhor para seu povo.

Não estamos aqui diminuindo a importância dos outros setores da economia.

Mas, a indústria num país do tamanho do Brasil tem papel propulsor para o desenvolvimento. Puxa toda a cadeia econômica, com geração de empregos, na maioria dos casos, com remuneração e condições de trabalho melhores.

Por isso, a necessidade de discutirmos o que está acontecendo com a indústria no Brasil, em especial o caso emblemático da Ford.

Caso Ford: De costas para a produção e de olho no consumidor

A Ford anunciou no dia 11 de janeiro de 2021 que as fábricas de Camaçari (BA) e Taubaté (SP) seriam fechadas imediatamente e a pequena instalação da Troller, em Horizonte (CE), permanecerá até o quarto trimestre de 2021.

Em seu comunicado oficial —Ford Avança na Reestruturação da América do Sul —, afirmou: “A Ford encerrará as operações brasileiras de manufatura nas plantas de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Troller (Horizonte – CE) durante 2021.

A empresa manterá sua sede administrativa para a América do Sul em São Paulo, o Centro de Desenvolvimento de Produto na Bahia e o Campo de Provas em Tatuí-SP, que continuarão a trabalhar no desenvolvimento de tecnologias e produtos para a região e outros mercados globais”.

O anúncio da Ford foi uma medida arbitrária, pois não houve nenhum processo de negociação, aviso prévio, por parte da empresa junto aos Sindicatos dos Metalúrgicos que representam a categoria em Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE).

Igualmente, as prefeituras de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE), seus respectivos governos estaduais e o governo federal também não foram comunicados com antecedência da decisão tomada pela empresa.

Essa medida arbitrária da Ford ocorreu em meio a uma crise social, econômica e sanitária que o país passa.

Os efeitos da pandemia e da ausência de uma política nacional de desenvolvimento têm tido impactos diretos sobre a população brasileira.

No trimestre de agosto a outubro de 2020, a taxa de desemprego no Brasil foi de 14,3%. Atingiu 14,1 milhões de pessoas (PNAD/IBGE).

A informalidade chegou a 41,4% do conjunto da força de trabalho, o maior valor registrado até então, com quase 39 milhões de pessoas como trabalhadores informais.

A Ford, uma empresa centenária no Brasil, virou as costas para o desenvolvimento nacional e o conjunto da classe trabalhadora.

Com seu comunicado oficial deixou claro que não quer investir no Brasil, mas quere manter o nosso mercado consumidor.

Agora, diante desse quadro, como o Brasil pode reagir a essa medida arbitrária?

Como manter os postos de trabalho e reduzir os impactos sobre a cadeia de fornecedores, serviços e nas cidades e nos estados?

Por que nacionalizar a Ford?

Para manter os empregos, a cadeia de fornecedores e garantir o desenvolvimento local nas cidades e nos estados atingidos pelo anúncio do fechamento das plantas industriais, é necessário nacionalizar a Ford e colocá-la sob controle dos trabalhadores e trabalhadoras, para construir uma montadora nacional.

Visando contribuir para o debate sobre por que nacionalizar a Ford, colocamos a seguir diversas dimensões da decisão da empresa.

Impactos Econômicos e Sociais

1. A Ford não considerou a crise social, econômica e sanitária que o Brasil passa devido à calamidade pública gerada pela pandemia.

2. Em meio à crise social, econômica e sanitária, tivemos uma perda de cerca de 124 mil postos de trabalho, entre empregos diretos e indiretos, segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

3. Desestruturação da cadeia de fornecedores, impactando a arrecadação de impostos e os empregos gerados.

4. Impacto nas cidades com aumento do desemprego e na arrecadação.

5. A Associação Brasileira dos Distribuidores Ford (Abradif), com sua rede de 283 concessionárias, calcula um impacto de R$ 1,5 bilhão.

Soberania Nacional

6. Segundo o Dieese [1], a “Ford está entre as quatro montadoras mais contempladas por recursos do BNDES em período recente. Entre 2002 e 2018, a Ford teve acesso a R$ 5,5 bilhões de crédito. Entre 2016 e 2019, o setor automotivo como um todo foi contemplado com incentivos tributários federais no montante de R$ 15,4 bilhões, além da política de desoneração da folha de pagamentos”.

Se considerarmos os incentivos estaduais e municipais, essa cifra chega a R$ 69 bilhões [2].

7. A planta de Camaçari foi contemplada pelo Proauto-Bahia (1994-2004), tendo redução de 100% do imposto de importação sobre bens de capital, 90% sobre insumos e até 50% sobre importação de veículos.

Além disso, um conjunto de isenções: frete para renovação da marinha mercante, IOF nas operações de câmbio para pagamento de bens importados e de imposto de renda sobre os lucros; crédito presumido de IPI com o ressarcimento de contribuições, como o PIS e a Cofins; mais de R$ 4 milhões de isenção em impostos municipais nos últimos cinco anos na planta de Taubaté (SP); isenções de IPTU sobre a área onde está instalada e descontos de Imposto Sobre Serviço (ISS).

Violações Legais Nacionais

8. A anunciar o fechamento das plantas industriais e a consequente demissão coletiva, a Ford violou preceitos constitucionais, atentando contra a soberania nacional.

Em seu preâmbulo, a Constituição brasileira se manifesta pela democracia nas relações de trabalho e a solução negociada e pacífica nas controvérsias na relação capital e trabalho.

O fundamento da dignidade da pessoa humana está previsto no art. 1º, III, o do direito à informação dos motivos ensejadores da dispensa massiva e de negociação coletiva (art. 5º, XXXIII e XIV, art. 7º, I e XXVI, e art. 8º, III, V e VI) e da função social da empresa e do contrato de trabalho (art. 170, III e Cód. Civil, art. 421);

9. Reconhecimento pelos tribunais regionais do Trabalho (TRTs) da 2ª, 4ª e 15ª regiões (responsáveis, respectivamente, pela cidade de São Paulo e Região Metropolitana, Rio Grande do Sul e interior de São Paulo) da ilegalidade das dispensas em massa sem a anterior negociação sindical em casos análogos. Bem como a garantia do pagamento dos salários durante todo o processo de negociação.

Violações de tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário

10. Diretrizes de Empresas Multinacionais da OCDE.

11. Princípios de Empresas e Direitos Humanos da ONU.

12. Convenções 98, 135, 141 e 151 e a Recomendação nº 163, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ela estabelece que a convenção coletiva será nula e desprovida de qualquer eficácia se não se sujeitar ao prévio procedimento da negociação coletiva de trabalho com a entidade sindical representativa da categoria profissional.

Essas dimensões demonstram que a Ford desrespeitou o conjunto de trabalhadores e trabalhadoras, a cadeia de fornecedores, a rede de concessionárias, as cidades impactadas e, principalmente, a soberania nacional.

A nacionalização da Ford é uma medida para garantir a soberania nacional, manter os empregos, as cadeias produtivas e o desenvolvimento local das cidades/estados atingidos.

A construção de uma montadora nacional é um passo decisivo para o país, a retomada de um projeto nacional de reindustrialização e a garantia de que o Brasil cumpra as metas do milênio da ONU, em especial a 8, 9, 10 e 11.

A nacionalização da Ford e a construção de uma montadora nacional irão cumprir o que está no artigo 3º da Constituição Federal:

“Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

 

Aroaldo Oliveira da Silva é diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e Presidente da IndustriAll-Brasil

Leonardo Pinho é presidente da Central de Cooperativas Unisol Brasil e diretor da Unicopas

Fonte: publicado originalmente no site do SMABC

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