Com geadas, consumo de alimentos no país que já estava em queda, vai cair ainda mais

São Francisco de Paula teve registro de geada — Foto: Ricardo Marques/arquivo pessoal

O frio intenso dos últimos dias atinge a lavoura e preços dos alimentos que
já vinham disparando devem subir mais

A disparada dos preços dos alimentos nos supermercados, que já estavam registrando queda no consumo, vai  acelerar ainda mais por causa do frio intenso que chegou ao Brasil, especialmente no sul do país, onde nevou, com as temperaturas ficando negativas, abaixo de zero. Comprar comida vai ficar difícil para o trabalhador e a trabalhadora.

Com a geada, vem a quebra na agricultura, especialmente da familiar, responsável por 70% do alimento que o brasileiro põe à mesa. E se os preços dos alimentos já estão proibitivos, a previsão para os próximos meses é de maior alta, segundo a supervisora da área de preços do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que analisa o Índice de Custo de Vida (IVC), Patrícia Costa.

“A perspectiva é que este frio impacte no valor dos alimentos a partir de agosto. As geadas desta semana vão impactar muito pouco para este mês, que já está no fim”, diz Patrícia, se referindo à pesquisa da cesta básica de julho que sairá na primeira semana de agosto.

Apesar deste mês ainda não sofrer um impacto grande nos preços dos alimentos, ela acredita que a cesta básica terá preços mais altos ao longo deste ano.

Segundo Patrícia, as geadas impactam nos preços da carne, do leite e da manteiga, já que as pastagens se queimam no frio e os produtores precisam alimentar o gado com ração; no preço do tomate, que está em época de produção, afetada também pelo frio; a banana que não amadurece, além das hortaliças que têm folhas mais sensíveis às baixas temperaturas.

A supervisora do Dieese lembra também que a produção do trigo é pequena no sul do Brasil, e com as geadas é bem provável que o país importe mais o produto da Argentina, o que deve encarecer mais uma vez os derivados do grão.

Um dos poucos produtos que devem baixar depois da explosão no preço, é o óleo de soja, que chegou a ter reajustes de 100% ao longo de 2020, em comparação a 2019.  É provável, segundo a supervisora do Dieese, que o valor caia em torno de 5%, muito pouco em relação aos reajustes estratosféricos recentes.

Patrícia Costa explica que a soja aumentou de maio para junho, mas como houve uma menor demanda do óleo usado na produção de biocombustível, por maior investimento em etanol, e à menor demanda doméstica pelo biodiesel por conta da menor atividade industrial, sobrou mais óleo de soja.

“A tendência é que o óleo de soja chegue ao mercado interno um pouco mais barato, mas não veremos o preço cair a patamares anteriores”, diz Patrícia.

Outro vilão da inflação, o arroz começa a cair de preço, mas não pela oferta, mas pela falta de demanda. Sem dinheiro, o brasileiro simplesmente deixou de consumir o produto, ou passou a comprar o arroz “quebradinho, o que obrigou os produtores, apesar da maior exportação, a baixar um pouco o preço interno, avalia.

Supermercados têm quedas nas vendas

Se o auxílio emergencial de R$ 600 fez os supermercados e hipermercados terem bons lucros em 2020, o mesmo não se pode dizer deste ano, após Bolsonaro ter baixado o  valor do benefício para cerca de R$ 150. A queda no consumo já é sentida em grandes grupos de supermercados.

Desde maio deste ano, os supermercados e hipermercados vêm registrando queda nas vendas, de acordo com reportagem do jornal Valor Econômico. O Grupo GPA, dono Pão de Açúcar e do Extra, teve queda de 12,1% , nas vendas brutas no país, de abril a junho deste ano em relação ao mesmo período de 2020. O  presidente do GPA, Jorge Faiçal, atribui a queda nas vendas à redução do poder de compra da população e ao aumento do desemprego.

O presidente do Grupo Pão de Açúcar reconhece que a queda na renda das famílias da classe C, que chegam a gastar de 60% a 70% do que ganham com alimentação, a inflação em alta e o desemprego batendo taxas históricas, fizeram o seu lucro cair.

“Ainda houve troca de mercadorias para as mais baratas neste ano e troca de canais, para o atacarejo. Há um abandono de produtos que foram conquistas no passado como iogurte e os sucos de caixinha, e está todo mundo voltando com promoção”, disse Faiçal, ao Valor. A compra de iogurte foi um marco dos governos Lula e Dilma, quando as vendas dos produtos dispararam demostrando o aumento do poder aquisitivo das famílias.

Outra grande rede que diminuiu seus lucros foi o Carrefour, com menos 7,3%. Na rede Hirota Food, as vendas caem desde maio, e em junho, o recuo foi de 7% sobre 2020.

Os empresários reclamam que sofrem ainda pressão dos fornecedores para que paguem mais caro pelos produtos, inclusive de itens que não sentiam até recentemente os aumentos dos preços.

“Há de fato uma redução de consumo. Calculamos uma retração de 10% nas vendas dos supermercados de janeiro a junho em São Paulo, sendo que 8% vêm do ‘efeito covid’, da base de comparação, e 2% de efeitos macroeconômicos que puxam isso mais para baixo”, disse Rodrigo Mariano, economista da Associação Paulista de Supermercados (APAS), ao jornal.

Falta política de Governo para os preços caírem

Segundo a supervisora do Dieese, os altos preços têm outros vilões além da onda de frio, há problemas estruturais que impedem a baixa. O país, diz, Patrícia Costa, vive com problemas de ofertas por conta das exportações, e o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) não tem uma política que freie as vendas ao exterior. Enquanto o dólar estiver neste patamar alto em relação ao real, o produtor vai exportar. O governo também não tem uma política que financie os preços dos alimentos aqui dentro e não há estoques reguladores de preços.

“De um lado há uma pressão do custo do produto, e por outro lado, há uma demanda menor, e com a renda do brasileiro a alimentação fica inviável  O preço vai sair do o resultado deste cabo de guerra entre a oferta e o que as pessoas podem comprar”, diz.

“É muito triste assistir a quem terá mais força: o consumidor com fome, ou o produtor que vai repassar os preços e obter lucro”, avalia Patrícia Costa.

Enquanto a neve cai, deixando felizes os turistas, para a grande maioria dos brasileiros, o “espetáculo da natureza” vai trazer mais fome. Já são 55,2% da população que vivem em insegurança alimentar. Boa parte não come as três refeições diárias, outra consome apenas um prato ao dia.

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