“Temos um grande trabalho de esclarecimento pela frente”, diz o presidente da FTM-RS, Lírio Segalla 

Negro, metalúrgico na segunda gestão como presidente da Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos do RS (FTM-RS), Lírio Segalla da Rosa tem 57 anos, é morador de Gravataí, casado e tem duas filhas. Para ele, que é trabalhador da Taurus desde 1989, os trabalhadores perderam a disputa de classe e por isso os sindicatos tem um “grande trabalho de esclarecimento pela frente”.

Na entrevista desta sexta-feira (7), ele fala sobre a infância marcada por uma pobreza extrema, a entrada no movimento sindical, o papel da Federação, os desafios dos sindicatos e a importância de os brasileiros elegerem Lula como presidente em 2022. “Não estou falando de uma questão partidária, mas estou falando de eleger o Lula porque ele representa um projeto de inclusão e de retomada da dignidade do povo pobre.”

Confira a entrevista na íntegra: 

Conte um pouco da sua história? Como entrou no movimento sindical? 

Nasci em Porto Alegre, mas me criei no interior com muita pobreza. Minha mãe é de origem italiana, meus bisavôs maternos são imigrantes italianos, meus bisavôs paternos eram negros escravizados, então na época não queriam que ela casasse com um brasileiro, muito menos com um negro, por isso ela foi alijada da família e fomos então morar ali na região do litoral, em Palmares e vivíamos numa pobreza extrema. Teve um episódio que passamos 14 dias sem comida, minha irmã mais nova tinha 3 anos e já caminhava, mas não conseguia nem parar de pé, meu irmão mais velho, de 17 anos, ficou três meses internado por desnutrição. Hoje eu tenho consciência da gravidade da situação, meu irmão gêmeo acabou morrendo também com problema de desnutrição. Então, a gente se criou num ambiente muito difícil, sem nenhuma garantia de sobrevivência e na época havia o racismo, que era até permitido do ponto de vista legal, havia festas que negros não podiam entrar, por exemplo. Íamos para escola que era longe, caminhávamos quatro quilômetros, as vezes sem ter o que comer e sobrevivemos. Em 1983, entrei para o exército, fiquei seis anos, sai e me empreguei na Taurus em janeiro de 1989, a empresa tinha uma organização sindical bastante interessante. A Taurus tem a primeira comissão de fábrica do Brasil, de 1967, ela pagava prêmio de produtividade e por conta da ditadura, trocou o prêmio pelo delegado sindical. Havia um contrato de trabalho que priorizava a contratação de trabalhadores sindicalizados. Então ali tinha um ambiente muito bom, vi os delegados fazendo assembleias e aquilo me interessou. Vinha de uma situação de extrema pobreza, passei pela experiência militar, depois entrei na metalurgia e consegui a partir dessas realidades fazer um comparativo e vi nas organizações dos trabalhadores algo que queria para mim. Em 1990, tinha uma comissão que negociava a convenção coletiva, entrei nesta comissão e 1992 entrei para o sindicato como diretor de base, sempre focado na organização no local de trabalho e permaneci até hoje, fui diretor do departamento jurídico, coordenador de região e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Porto Alegre.

Você está presidente da Federação dos Metalúrgicos do RS. Fale um pouco sobre a atuação da FTM-RS? 

A Federação dos Metalúrgicos CUT tem um papel fundamental e muito interessante. Tudo que nós, como movimento sindical, como classe trabalhadora sofremos com o golpe de 2016, ressalta a importância da Federação. A partir da implementação da reforma trabalhista e previdenciária, onde os sindicatos foram duramente atacados conseguimos reunir as 29 entidades filiadas e traçar a mesma estratégia de atuação aqui no estado. E com todos os problemas que enfrentamos, conseguimos chegar no final de 2021 com os sindicatos, alguns com mais dificuldades, outros com menos, mais firmes, fortes, organizados e fazendo política porque conseguimos estabelecer um método de discussão aonde todos os sindicatos se sentem representados, toda a decisão é uma decisão da direção. É o conselho de sindicatos que determina a atuação a Federação, a construção é coletiva e acho que é esse o diferencial da Federação.

Que avaliação tu faz hoje no movimento sindical metalúrgico no RS? 

Sem querer ser corporativo, mas acho que a nossa atuação seria um dos exemplos a serem seguidos, pois conseguimos estabelecer um diálogo permanente com as entidades patronais, fugir das armadilhas de negociação na época da data base. E temos todos os meses, às vezes duas vezes, a reunião do conselho de sindicatos aonde reafirmamos a política, corrigimos rumos e vendo como damos o passo seguinte. A avaliação que faço é bastante positiva, dentro das nossas dificuldades e possibilidades, estamos organizando a luta dos trabalhadores.

Como os sindicatos, organizados em coletivos, podem? Ajudar no combate à discriminação social com negros, mulheres e LGBTQIA+? 

É tema bastante complexo, pois quando tratamos da diversidade, mexemos com a cultura. Todos nós, de uma certa forma, temos na nossa formação uma dose cultural de preconceito, preconceito cultural, não aquele por convicção. Acho que estamos avançando bastante, inclusive com o setor de máquinas agrícolas conseguimos um espaço para debater o tema. Mas é complexo, porque até a nossa diversidade é uma bolha, vamos encontrar mulheres homofóbicas, negros machistas, mulheres racistas… É um trabalho de difícil avanço. Por exemplo, o nosso vocabulário é extremamente preconceituoso, temos que fazer uma desintoxicação, muitas reproduzimos falas e não nos damos conta, setembro negro, lista negra, nuvem negra… Isso me atinge muito, mas sei que muitos não são intencionais e fica chato corrigir toda hora. Outro exemplo, todo mundo fala judiaria, judiar, mas imagina falar isso para o judeu ortodoxo? É um termo preconceituoso que todo mundo usa sem saber. Ou o “fulano está dando uma de João sem braço”, porque é malandro, o deficiente físico não é malandro, ou então “estava cego de raiva e deu um tiro no fulano.” Cego não mata ninguém. Temos que pensar num vocabulário inclusivo, só que isso é mudança cultural, que pode até ser uma utopia a sociedade sem preconceito, mas entre o ideal e o possível o que é possível? O que podemos construir para aliviar o sofrimento das pessoas que se sentem agredidas?

Tu vens de uma categoria que se modernizou e mudou muito nos últimos anos, pensando nas entidades que representam os trabalhadores metalúrgicos, tu achas que os sindicatos conseguiram acompanhar essas mudanças? 

Acho que não. Tivemos muitas dificuldades de renovação dos anos 90 para cá, se tu pegar a média dos dirigentes sindicais que estão hoje é a mesma turma que começou a militar na década de 90. Quando não estabelecemos um processo de renovação, algumas coisas ficam para trás, as novas formas de organização no trabalho, um novo perfil de trabalhador, de empresários, as novas formas de gerenciamentos… O movimento sindical não tem acompanhado porque os dirigentes são de outra geração. A geração que pegou toda a modernidade está fora do sindicato porque muitas vezes não se sente representada. Os sindicatos não acompanharam como deveriam ter acompanhado as mudanças que ocorreram no mundo do trabalho e na sociedade. Vamos ter que dar uma repensada e trazer para dentro esse outro perfil que tem na categoria.

O movimento sindical, como um todo, está muito desacreditado. Como reverter isso? 

Acho que movimento sindical se tornou desacreditado porque teve uma grande campanha de difamação, da burguesia e da mídia, em cima de qualquer movimento organizado. Somos o alicerce de transformação da sociedade, a burguesia percebeu isso e resolveu desacreditar as organizações de classe para implementar um projeto. Mas temos, também, uma parcela de culpa nisso, pois o movimento sindical abandonou a organização no local de trabalho. As experiências concretas são poucas e um dos porquês era que o movimento sindical totalmente burocrático não interessava ter base organizada pois tinha o imposto sindical, isso resultou numa proliferação de sindicatos sem crédito algum. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC está numa situação diferenciada porque nunca abandonaram a organização na fábrica, mesmo no período mais difícil estavam dialogando. O restante do movimento sindical sem organização, onde o dirigente não está para fazer o debate, passa a versão da burguesia, da patronal e disseminada pela grande mídia. Para reverter isso, temos que voltar para o local de trabalho, organizar CIPAs ou outros mecanismos, comitês sindicais de empresa e voltar para esse que é um dos princípios fundantes da CUT.

Qual a tua avaliação dos ataques que a classe trabalhadora tem sofrido desde o golpe de 2016. Como as reformas trabalhistas e da previdência? 

O termo reforma é equivocado porque reformar significa melhorar, mudar para ficar melhor, mas no conceito da palavra não houve nenhuma reforma, apenas atraso e retrocesso. A avaliação que faço da reação da classe trabalhadora, quando tem muita gente desempregada foi criada a condição para fazer a reforma, pois para a pessoa que está desempregada não importa a condição que ela vai entrar no mercado de trabalho, ela pensa em garantir o sustento. E quem tem carteira assinada tem a sensação de que não houve perdas, não houve um impacto imediato sob a classe trabalhadora, as consequências serão a longo e médio prazo. Se as consequências fossem imediatas, a classe reagiria. Em relação a reforma da previdência, as pessoas tem a sensação que tem direito adquirido e só vão ver que perderam daqui 5, 10 anos quando não conseguirão se aposentar. A mudança foi muito brusca e muito sutil porque parece que não alterou, as consequências virão depois. O trabalhador não perdeu nenhum direito, está tudo garantido na CLT, mas ele pode abrir mão de tudo isso de forma individualizada, por isso que os sindicatos serão muito importantes no próximo período porque vamos ter que reconstruir tudo que perdemos e para isso será preciso voltar para o local de trabalho e debater com a classe trabalhadora para que os trabalhadores enxerguem o que aconteceu. Se esperar para se dar conta será tarde demais, é isso o que está acontecendo no Chile.

Não tua opinião, falta consciência de classe para os trabalhadores? 

Falta. O capitalismo é muito competente para fazer com que as pessoas dispensem o pensamento coletivo, porque na natureza somos solidários e isso vem sendo desconstituído a partir dos processos que são implementados. Falta consciência de classe porque os trabalhadores não tem oportunidade de debater, as opiniões que chegam não ajudam a formar consciência, mas pensar que quando temos um espaço para debater, isso aflora e acabamos nos organizando. Falta consciência por tudo isso e por causa dos movimentos que estão acontecendo também no mundo todo, individualismo do trabalhador, que ele é responsável por si mesmo, meritocracia, se ele tiver mérito avança, tem que ser o melhor… Essas coisas fazem com que as pessoas percam o espírito de coletividade e aí pensando que quando acontece uma tragédia, elas se organizam e ajudam.

Qual o principal desafio do movimento sindical no próximo período? 

O principal desafio é nos aproximar da classe trabalhadora, reorganizar a classe e reeleger o Lula. Não estou falando de uma questão partidária, mas estou falando de eleger o Lula porque ele representa um projeto de inclusão e de retomada da dignidade do povo pobre. Esse é um grande desafio porque a classe trabalhadora, de forma geral, perdeu, todos nós pobres perdemos, o que está muito difícil é entender porque perdemos. Então o desafio do movimento sindical é fazer com que os trabalhadores entendam porque perderam e quem são os responsáveis, que deu o golpe e acabaram com nossos direitos e que estão se apresentando no cenário político como solução, a eleição de 2022 será um limiar, ou recuperamos a nossa dignidade ou vamos para o fundo do poço. Um grande desafio do movimento sindical em 2022 e nos aproximarmos da classe trabalhadora e fazer eles entenderem quem são os responsáveis pela situação que o Brasil está colocado sobre o ponto de vista político, econômico, da soberania. O país virou um grande garimpo, temos potencialidade e riqueza de ser uma grande potência do mundo e está servindo de garimpo. Temos um grande trabalho de esclarecimento pela frente. Inclusive o Sergio Moro é um dos grandes responsáveis por ter acabado com a indústria financeira a serviço do grande capital.

O que os sindicatos podem fazer para conquistar mais sócios, principalmente os jovens? 

Tem que voltar para o local de trabalho, não tem formula mágica para atrair associados ou simpatizantes. Pensar formas de implementar mecanismo de organização de base, isso é fundamental para trazer mais pessoas, para que os trabalhadores se sintam representados. Hoje, vamos para porta de fábrica com carro de som, fizemos assembleia, entregamos material em 10 minutos e quem está lá dentro para organizar é a empresa, com chefes e lideranças oito horas por dia fazendo o serviço dentro do conceito e da concepção burguesa. Temos que melhorar nossa representatividade e representação. Somos pouco representativos e temos que ter representações plurais nos locais de trabalho.

Fonte: STIMMMESL

Imagens: Israel Bento Gonçalves

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