Pela transformação na vida e no trabalho, margaridas irão à Brasília pela 6ª vez
O que move milhares de trabalhadoras rurais a participar da Marcha das Margaridas, organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), é a certeza de que a ida à capital federal mudará a realidade do trabalho e da vida das camponesas de todos os cantos do país.
“É a certeza de que só a luta e a resistência, a persistência e a coragem podem transformar vidas daquelas que eram invisíveis para o estado brasileiro”, afirma a vice-presidenta da CUT, Carmen Foro.
E ela fala com a propriedade e experiência de uma agricultora familiar do Pará que participou da primeira marcha no ano de 2000, época em que cuidava de suas terras em Igarapé Miri. “a marcha é capaz de mover nosso coração, nossa alma, é uma paixão verdadeira para transformar o país”.
Para descrever a diversidade das camponesas que participam da maior ação de mulheres da América Latina, Carmen escolheu a simbologia qu01 oficial das Margaridas representa:
“Somos de todos os novelos. De todo tipo de cabelos, grandes, miúdas, bem erguidas. Somos nós as Margaridas – a gente vem de todos os lugares do Brasil”.
E isso acontece de quatro em quatro anos, quando camponesas de todos os sotaques – do sertão, do sul, do norte, de todas as regiões do Brasil – cruzam céus, rios e terras para “florir” Brasília. As trabalhadoras rurais pegam seus colchonetes, suas roupas, utensílios de higiene pessoal, cobertor, medicamentos, protetor solar, bonés e o chapéu de palha com sua margarida de enfeite, se organizam em caravanas e vão marchar nas ruas de Brasília para lutar pelos seus direitos. Até chegar a capital federal, seguem de barco, de ônibus, de carona e até de avião.
![Dino Santos](https://www.cut.org.br/images/cache/systemuploadsckmarcha-das-margaridas-624x416xfit-81ac8.jpg)
Pelo que elas lutam?
Diferente dos que vivem na cidade, no meio rural não se reivindica salários se reivindica casa boa para morar, galinha no quintal, uma estrada para ir e vir à cidade para vender a produção, transporte, escolas e postos de saúde perto de onde moram e produzem.
Elas lutam por um conjunto de políticas públicas básicas para uma vida e trabalho dignos, porque a agricultura familiar é um modo de vida e trabalho. É uma produção que envolve membros de uma família e precisa ter a presença do Estado para garantir condições dignas de vida e produção de alimentos saudáveis.
A secretária da Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida da Silva, que também é agricultora familiar de Pernambuco, ressalta a solidariedade e união das margaridas de todos os cantos do Brasil.
“Há uma teia, uma rede de centenas e milhares de mulheres que estão fazendo o debate nas suas comunidades rurais, nos movimentos de mulheres, nas periferias e que de algum jeito constroem coletivamente a ida das mulheres à Brasília”.
Segundo Madalena, elas fazem atividades, bingos, jantares, vendem rifas, fazem eventos, pedem para os amigos para conseguir ir à marcha e potencializar as denúncias de todas as formas de violência e retrocessos que vivem.
“Tem um boneco do capital governando o país que está destruindo nossas riquezas, privatizando as empresas públicas, destruindo a amazonas, as políticas públicas que conquistamos”, diz Madalena se referindo ao governo de Jair Bolsonaro (PSL).
“E a marcha é luta, enfrentamento, resistência e também denúncia de toda forma de retrocesso e opressão que o governo está fazendo contra a classe trabalhadora, em especial da vida das mulheres rurais”, finalizou Madalena.
![Roberto Parizotti (Sapão)](https://www.cut.org.br/images/cache/systemuploadsckmadalena20sapaojpg-603x402xfit-af6f1.jpg)
Margaridas vão denunciar retrocessos
A “6ª Marcha das Margaridas de 2019, por um Brasil com Soberania, Democracia, Justiça, Igualdade e Livre de Violência” acontecerá entre os dias 13 e 14 de agosto, em Brasília, e terá uma característica de denúncia de retrocessos e também de reivindicação do país que as camponesas querem.
“Tivemos perdas profundas nos direitos da classe trabalhadora, mais especificamente das trabalhadoras rurais. Sabemos que não é esse país que queremos, mas também sabemos que as nossas reivindicações não podem ser entregues a um governo que não dialoga com os trabalhadores e trabalhadoras”, afirmou a vice-presidenta da CUT, Carmen Foro.
“A ideia é fazer uma plataforma geral para dizer o que pensamos para o país e denunciar o que foi desmontado, porque queremos soberania, democracia, justiça, igualdade e um povo livre de violência, tudo que está sendo destruído por este governo que também quer nos matar”, frisou Carmen, se referindo ao apoio do governo ao agronegócio, a liberação de mais de 260 tipos de venenos e do porte de armas aos fazendeiros.
A participação das CUTistas
Desde a primeira edição da Marcha das Margaridas em 2000, um grande número de mulheres da CUT participa de toda a construção do evento, do debate político à luta pelos direitos reivindicados pelas trabalhadoras rurais. E em 2019 não será diferente.
Segundo a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, a importância da CUT participar da Marcha das Margaridas vai além da parceria. A Marcha é um dos momentos mais importantes para a trabalhadora, diz.
![Roberto Parizotti](https://www.cut.org.br/images/cache/systemuploadsckjuneiajpg-676x450xfit-be3a0.jpg)
“As mulheres da CUT em todo o país, mesmo com esta conjuntura altamente diversa das marchas anteriores, não desistiram e vão marcar presença e visibilidade na 6ª edição da marcha”, afirmou Juneia.
A dirigente disse que as mulheres Cutistas urbanas também estão absolutamente envolvidas na construção da mobilização e que a marcha será um marco como primeira grande ação das camponesas em Brasília contra a política de retirada de direitos do governo ultraliberal de Bolsonoro e suas milícias.
História e conquistas da Marcha das Margaridas
Organizada pela Contag para ser realizada de 3 em 3 anos, a Marcha das Margaridas teve sua primeira edição no ano de 2000 e mesmo com a reação do então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) de receber a pauta das camponesas e engavetar, a mobilização em Brasília naquele ano foi considerada um sucesso no sentido de organização e fortalecimento da luta das mulheres do campo.
De acordo com Carmen, essa primeira marcha tirou as mulheres do campo da invisibilidade total ao ocupar a capital do Brasil num período de muita fome e de uma situação extremamente difícil.
Mas, na volta aos seus estados, as trabalhadoras rurais perceberam a grande conquista: a organização de base das mulheres do campo.
“No final, a conquista da marcha foi a da nossa visibilidade e a construção da nossa organização. Viemos para cena pública reclamar sobre a nossa péssima situação de vida. Nós não éramos consideradas como pessoas que existiam e produziam alimentos e a partir daí fortalecemos a nossa organização nos sindicatos, nas associações e nos bairros”, contou Carmen.
Com Lula, surgiu o diálogo
Já em 2003, como secretária de mulheres da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará (FETAGRI-PA), Carmen disse que a mobilização para a Marcha das Margaridas foi muito maior. Só do Pará, a quantidade de ônibus foi 20 vezes maior. Além da capacidade de organização e luta ter aumentado, as mulheres do campo encontrariam outro governo em Brasília.
“Mesmo com o orçamento ainda do governo anterior, o governo do presidente Lula abriu definitivamente o diálogo com as trabalhadoras rurais. Não só nas marchas, mas sempre que precisamos discutir melhorias para nossa categoria, Lula abria as portas do Planalto para gente”, afirmou Carmen.
Em 2005, a dirigente CUTista assumiu a direção da Contag e alterou o período de realização da Marcha das Margaridas para 4 em 4 anos. Assim, a Marcha voltou a acontecer somente em 2007.
Diálogos se transformam em políticas
Entre os anos de 2007 e 2011, os diálogos foram se transformando em políticas de governo e as trabalhadoras rurais viram suas vidas melhorando, com a Política Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural e a Titulação de Terras em nome das mulheres.
“Com documentos, as mulheres conseguiriam avançar no acesso a outras políticas e a partir daí foi evoluindo e avançando na saúde no campo, na educação e no crédito com recorte de gênero, dado muito importante porque as mulheres não tinham acesso ao crédito”, explicou Carmen.
Ela ressaltou também a Política Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) que garantia a comercialização dos alimentos que as mulheres produziam, dando às mulheres autonomia financeira pra garantir à família uma vida mais digna e mais justa.
Em 2011, a Marcha das Margaridas foi recebida pela presidenta Dilma Rousseff, primeira mulher presidenta do Brasil, que chegou a anunciar o Plano Nacional de Agroecologia, uma demanda das trabalhadoras rurais. Até 2014, as camponesas foram ouvidas e conseguiram ampliar várias políticas com recorte de gênero.
Depois do golpe
Mas a partir de 2015, as políticas públicas para a categoria começaram a se desmanchar por falta de orçamento. Depois do golpe a situação só piorou para as trabalhadoras rurais.
Com o governo do ilegítimo e golpista de Michel Temer (MDB-SP) e agora com Bolsonaro, as políticas do campo quase não existem mais. E é neste cenário que as Margaridas vão florir Brasília.
![Roberto Parizotti (Sapão)](https://www.cut.org.br/images/cache/systemuploadsckcristiana20paiva20v-687x508xfit-e94cd.jpg)
Para a secretária da Juventude da CUT, Cristiana Paiva, que também é agricultora familiar em Roraima, os retrocessos e os ataques deste governo contra a classe trabalhadora não vão enfraquecer a marcha, pelo contrário.
“As trabalhadoras rurais são mulheres ousadas e levam com elas a força e representatividade de Margarida Alves, que morreu lutando por direitos e justiça. Brasília ficará florida e receberá milhares de trabalhadoras que não querem este país e sim um lugar que possam viver e trabalhar com dignidade”, afirmou Cristiana,
Homenageada da Marcha das Margaridas
A Marcha das Margaridas é homenagem das trabalhadoras rurais a sindicalista Margarida Maria Alves, que foi assassinada por um matador de aluguel, na porta da sua casa, aos 40 anos, no dia 12 de outubro de 1983.
A paraibana foi morta por lutar pelos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores rurais de Alagoa Grande, por lutar pela reforma agrária, pelo direito à terra, igualdade entre as pessoas, por denunciar abusos e desrespeitos aos direitos da classe. Hoje, Margarida Alves é um símbolo da maior ação de mulheres do campo da América Latina.
A líder sindical paraibana disse em um discurso de comemoração pelo 1° de maio, Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora, que era melhor morrer na luta do que morrer de fome.
Trinta e seis anos depois de sua morte, as palavras de Margarida Maria Alves ainda ecoam entre as mulheres trabalhadoras rurais e dão força para a luta diária por representatividade e melhores condições de trabalho e de vida no campo.
Fonte: CUT Nacional