“A formação sindical marca a vida dos nossos dirigentes”, defende o educador da Escola Sindical Sul da CUT, Rafael Serrao 

Com passagens pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e CUT Nacional, o paulistano Rafael Serrao atua como educador da Escola Sindical Sul da CUT desde 2016, que tem na área de atuação os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. “A Escola é um vetor da política nacional de formação nos estados do Sul e tem também como tarefa atender as demandas dos nossos sindicatos e das CUTs estaduais, o que a gente chama de política regional de formação”, explica.

Na entrevista desta sexta-feira (16), o sociólogo de 38 anos enaltece a importância da formação para qualificar os dirigentes e o próprio movimento sindical. “A formação sindical marca a vida dos nossos dirigentes, não existe dirigente que esteja atuando solidamente, fazendo boas negociações, os embates no dia a dia da categoria que não tenham passado pela formação”, diz. Além disso, Rafael lembra a sua história e fala dos desafios do movimento sindical, das reformas trabalhista e da previdência, da organização de coletivos dentro das entidades, entre outros assuntos. 

Confira a íntegra da entrevista: 

Conte um pouco da sua história. E da sua relação como movimento sindical? 

Eu tenho uma relação muito próxima com o movimento sindical e isso não se resume a minha atividade profissional, enquanto educador da rede nacional de formação e da Escola Sindical Sul da CUT, minha relação é de militância desde que me conheço sobre gente. Venho de uma família de militantes que lutaram no movimento de resistência à ditadura, organizando o movimento estudantil com o movimento sindical na década de 70, quando existia uma relação estreita entre movimento sindical, estudantil e social, como um todo. Meus pais fizeram parte desses movimentos, então quando eu venho ao mundo, no começo da década de 80, já estou permeado por essas discussões e no dia a dia da minha família sempre fizeram parte essas conversas, perspectiva da classe trabalhadora, papel dos sindicatos, organização política e organização sindical.. . Mas só fui trabalhar diretamente com os sindicatos no final de 2004, já se vão aí 17 anos e comecei trabalhando no Dieese e por lá passei por algumas entidades sindicais como a CNM/CUT, em São Bernardo do Campo, depois passei alguns anos assessorando a direção da CUT Nacional, também em São Paulo e por fim, em 2016 eu chego na Escola aonde estou até hoje trabalhando como educador popular. Em linhas gerais essa é um pouco da minha relação com o movimento sindical, que vem desde criança, com essa memória que envolve a atuação política dos meus pais até chegar o início dos anos 2000 quando eu começo a trabalhar diretamente com o movimento sindical.  

 

Você atua como formador da Escola Sul da CUT, como é essa experiência? 

De 2016 para cá já faz seis anos que trabalho como educador social da Escola. A minha trajetória sempre esteve ligada a formação sindical, mas misturava formação sindical e assessoria econômica, as mesas de negociação, desenvolvendo materiais de subsídios para os trabalhadores, para os setores da economia, construindo diagnósticos, estabelecendo conexão com agentes governamentais que pensem políticas para os setores e consequentemente impacta na vida dos trabalhadores. Mas quando chego na Escola, foco a minha atuação como educador e é uma tarefa gratificante. Do ponto de vista político, tenho a oportunidade de pela primeira vez, ter uma relação direta com os trabalhadores da base, dirigentes recém-chegados nos sindicatos do Sul do país. Do ponto de vista dos temas trabalhados, exige bastante preparo como dominar temas que são do dia a dia da ação sindical, assuntos importantes para a formação de base dos nossos dirigentes e ao mesmo tempo fazer a ponte com as secretarias estaduais de formação dos estados, com a política nacional de formação da CUT Nacional, que tem suas ações e diretrizes aprovadas nos espaços de deliberação da Central. A Escola é um vetor da política nacional de formação nos estados do Sul e tem também como tarefa atender as demandas dos nossos sindicatos e das CUTs estaduais, o que a gente chama de política regional de formação.  

Qual a importância da formação sindical para os dirigentes? 

Eu diria que a própria história da CUT se confunde com o que é a formação sindical, a CUT está prestes a completar seu 40o aniversário no ano que vem e a sua história é com foco na formação sindical, não tem como diferenciar uma coisa da outra. E a gente pode, inclusive, chegar ao ponto de dizer que a política nacional de formação ou ao menos os princípios, os pilares, são anteriores à formação da CUT, é algo que está marcando a nossa história antes mesmo dos episódios que marcam a fundação da Central. A gente já tinha uma formulação política que dizia como tinha que ser a nossa formação e isso nos diferencia das outras centrais sindicais, que basicamente não se preocupam com esse tema da forma como nós estamos empenhados. Diria que todos os dirigentes hoje, de relevância, nos sindicatos que são indicados para as CUTs estaduais, passaram em algum momento pela nossa formação. Seja na formação de base, conhecendo a nossa história, os nossos princípios, o que nos dá vida, seja na formação de dirigentes que prepara com os temas mais ligados a ação sindical, políticas públicas, negociação salarial, análise de conjuntura, formação de formadores, que são os cursos para aqueles dirigentes que já estão na ativa nas nossas direções, seja numa formação avançada no que diz respeito aos temas, a profundidade e até certificação, onde a gente tem episódios recentes na formação cursos de pós-graduação, extensão com o objetivo de atingir aqueles dirigentes que já estão nas nossas principais direções. Neste sentido, a formação sindical marca a vida dos nossos dirigentes, não existe dirigente que esteja atuando solidamente, fazendo boas negociações, os embates no dia a dia da categoria que não tenham passado pela formação. Esse é um exercício interessante de se fazer, olhar para os nossos dirigentes e ver qual a trajetória deles dentro da formação da CUT e ver como isso molda a nossa atuação, qualifica e fortalece o que é a CUT para a sociedade brasileira. 

O mundo do trabalho mudou muito nos últimos anos e às vezes, a impressão que se tem, é que o movimento sindical não acompanhou essas mudanças. Diante disso, como a formação pode contribuir para os sindicatos se fortalecerem diante dessa nova realidade? 

Eu diria que isso é um movimento natural da sociedade contemporânea. Todas as mudanças ocorridas nas estruturas produtivas, nos arranjos econômicos das nossas sociedades que estão cada vez mais interligados globalmente nas cadeias produtivas de suprimentos, por exemplo, impactam na nossa ação sindical e na configuração dos nossos sindicatos. E isso não acontece só agora com advento da quarta revolução industrial, que a gente chama de indústria 4.0 que reconfigura o mercado de trabalho, mas isso historicamente acontece. Talvez o grande último marco da reconfiguração de mercado de trabalho tenha sido nos anos 90, quando a atividade produtiva se reestrutura com novos métodos, gestão de trabalho, automação, robótica e isso obrigou os nossos sindicatos a darem outras respostas do ponto de vista organizativo e hoje, diria, que os desafios são muito parecidos. A gente vê a informalidade crescendo, a regulação do trabalho sendo mudada e abrindo possibilidades para outras modalidades de contratação e negociação e tudo isso nossos sindicatos clássicos, no sentido que representam uma determinada categoria que tem como tarefa participar de negociações e representar trabalhadores com carteira assinada daquele setor de atividade, muitas vezes não conseguem dar a resposta ao que está acontecendo na sociedade. Mas eu tendo a achar que isso é um caminho natural e que a formação está aqui para nos mostrar de uma forma crítica o que tem acontecido e construir alternativas como temos feitos nos últimos anos. Precisamos criar sindicatos com maior relevância social, que atuem para além da fronteira de suas categorias, que negociem e representem trabalhadores que não estão ligados a nossa categoria, que a gente avance para outras parcelas da classe trabalhadora que muitas vezes não tem sindicato, que não reconhece enquanto categoria. Então é tarefa sim, dos nossos sindicatos, se aproximar desses trabalhadores, mesmo que eles não sejam formalizados, que não tenham como contratante um patrão tão óbvio. Isso é uma das alternativas, acusar a nossa estrutura sindical para acolher esses trabalhadores que são informais, terceirizados, PJS e com isso, representá-los. A gente não precisa que o estado nos autorize a representar determinada categoria, a gente precisa que aqueles trabalhadores entendam que os nossos sindicatos tem o que oferecer e que pode representá-los. E acho que a formação sindical pode nos ajudar a encontrar esses caminhos para a representação.  

 

Você acha que falta consciência de classe para os trabalhadores? 

Esse é um debate histórico que a gente tende achar que estamos vivendo sempre o pior dos momentos em relação à consciência de classe, mas não. Todos os nossos referenciais políticos e teóricos pensaram sobre isso questão ao longo da história e vou dizer para você que acho que falta uma consciência de classe, mas que isso não necessariamente é um problema. Existem caminhos para se construir essa consciência, uma identidade de classe para o trabalhador se entender enquanto trabalhador e acho que temos uma função enquanto lideranças sindicais, dirigentes, assessores de mostrar que os trabalhadores são a maioria. Na sociedade brasileira, são mais de 99%, o resto é empregador e patrão. Nós somos a maioria, organizadamente nos conseguimos fazer que as nossas  vontades prevalecessem em relação as da elite, que dominam historicamente os trabalhadores. E mostrar, principalmente que tem diversos caminhos para isso ser feito, seja com ação política dentro do sindicato ou na sociedade como um todo. Estamos passando agora por um momento de eleições gerais no nosso país, que vão definir o rumo, dizem alguns analistas, para as próximas décadas. Então, nós trabalhadores, temos a tarefa de eleger trabalhadores, só assim que teremos as nossas pautas atendidas. Existe uma metáfora que ouvi recentemente que não adianta a gente continuar reclamando do preço do leite, que de fato está um absurdo, mas continuar votando no dono da vaca. Isso é um retrato do que uma consciência de classe poderia fazer. Se nós nos entendemos enquanto trabalhadores, com pautas análogas, parecidas, temos que eleger representantes que se identifiquem conosco, enquanto ações e histórico de vida e não apenas em propostas para campanha eleitorais, por exemplo. 

De que forma, a organização de coletivos (de jovens, mulheres, negros, LGBTQIA+) dentro dos sindicatos ampliaria o debate com a sociedade? 

Acho que é uma estratégia nossa muito acertada. A classe trabalhadora é ampla e diversa, somos todos trabalhadores, mas temos caraterísticas internamente que nos marcam e trazem pautas específicas. Então, os coletivos tem uma função muito clara que e nós fortalecer e dialogar com pautas que muitas vezes não são as pautas clássicas do movimento sindical. Vou dar um exemplo, o coletivo de mulheres que nossos sindicatos possuem não estão organizados para pensar apenas as pautas específicas como equidade de gênero das categorias.  Esses coletivos estão aqui para discutir o papel da mulher na sociedade, as opressões e violências que marcam a sociedade e que são colocadas contra as mulheres e para pensar a participação das mulheres nas nossas direções. Isso força a diálogo com a sociedade, porque não realizar encontros que rompam com os limites da categoria, que pensem a mulher no mercado de trabalho e na sociedade? Isso não atrai apenas as trabalhadoras da categoria que a gente representa, mas atrai mulheres em geral. E assim que a gente vai dando corpo para os nossos sindicatos, defendendo e tendo uma atuação que traz uma proposta de sociedade com a nossa cara, uma sociedade justa, menos desigual, que respeite mulheres, negros, que tem como legítima toda a pauta LGBTQIA+, que garanta políticas públicas e democracia para todos e todas. Isso não é uma pauta nossa apenas de categoria, mas uma proposta de sociedade e sendo assim, temos que envolver nos nossos coletivos pessoas que não estão diretamente no dia a dia dos nossos sindicatos.  

Qual a tua avaliação dos ataques que a classe trabalhadora tem sofrido desde o golpe de 2016. Como as reformas, trabalhistas e da previdência? 

Não tem como negar que estes ataques todos relacionados com o golpe de 2016 limitaram a nossa ação. O que a gente vê hoje é uma taxa de sindicalização em queda no Brasil, a informalidade crescendo e pobreza se enraizando novamente nas nossas bases, seja pela queda da renda, por dificuldades que os nossos aposentados vivem e viverão ainda mais com retirada de diretos, da remuneração, aumento das contribuições e assim vai. Nossos sindicatos na verdade, também sofreram muito, basicamente com dificuldade de sustentação financeira e com o avanço do desemprego e da informalidade, isso traz impactos claros na nossa organização sindical. Por outro lado, vivemos agora um momento de esperança, que destacaria algumas questões: o compromisso do nosso principal candidato a presidente, o Lula, de rever boa parte dessas legislações que foram aprovadas nos últimos anos. Eu diria também que apesar de tudo que foi feito não conseguiram acabar com os sindicatos brasileiros, que estão firmes e continuam com a tarefa de representar os trabalhadores, de desenvolver a negociação coletiva e minimamente preparados para fazer toda a peleia que foi feita nos últimos anos. Esses ataques todos não levaram a sério a nossa capacidade organizativa e de organização política, a gente sobreviveu, descobrindo caminhos e novas formas de atuação. Os sindicatos enxugaram estruturas e encontraram formas solidárias de sobreviver com outras entidades, outras formas de se financiar, o que acho legítimo e justo para entidades com as nossas. Chegamos em 2022, com chances claras de construir um país novo a partir do ano que vem e com sindicatos organizados, temos totais condições de reverter essas políticas e de construir uma nova política pública para o Brasil, novo ciclo político de desenvolvimento… Acredito que a extrema direita, os movimentos fascistas de nosso país não conseguiram o que eles queriam que era aniquilar o movimento popular e o movimento sindical. 

 

O movimento sindical, como um todo, está muito desacreditado. Como reverter isso? 

Acho que a nossa saída é criar instrumentos de representação que não representem apenas os trabalhadores formais da categoria que o sindicato tem a tarefa de representar. Precisamos também diversificar as formas de ação e construir sindicatos fortes do ponto de vista popular, transformar os nossos sindicatos em locais de encontros da comunidade, transformar o sindicato em instrumentos que valorizem a economia solidária, por exemplo, a alimentação saudável, que organize eventos culturais, recreativos para a comunidade e não apenas para os trabalhadores sindicalizados. Precisamos de sindicatos que se manifestem publicamente sobre os grandes temas nacionais e que dessa forma criem uma nova imagem no imaginário da população brasileira, sindicatos que sejam combativos, atuantes e que se preocupem com o futuro da sociedade como um todo, com a educação, saúde, que se envolvam com associações de morados nos bairros, que organizem feiras nos seus espaços, que utilizem as estruturas sindicais para valorizar a cultura local. Eu acho que só assim a gente vai conseguir se fortalecer e temos muitas experiências neste sentido, no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, entidades sindicais que se recriaram e se fortaleceram envolvendo a população e com ações para além de suas bases, como essas que citei. Eu acredito muito nisso, vamos nos fortalecer quando a gente conseguir mostrar que somos entidades que lidam não apenas com a pauta concreta do dia a dia, mas com pautas históricas que podem transformar a nossa sociedade. 

Na tua opinião, qual o principal desafio do movimento sindical no próximo período? 

Acredito que o principal é a gente se preparar e eleger candidatos que estejam no nosso campo, comprometidos principalmente em reverter as maldades e atrocidades realizadas pelo governo golpistas e o atual, em relação à regulação do trabalho e políticas públicas. Candidatos que tenham pautas claras de colocar em prática e pactuar com a sociedade um ciclo de desenvolvimento da sociedade para o nosso povo e comprometidos, por exemplo, em retomar as políticas de valorização do salário mínimo, que são questões essenciais para a construção de um estado de bem-estar social do Brasil, para redução das desigualdades e da pobreza que assola novamente o Brasil. E por falar em pobreza, o Brasil conseguiu um feito que segundo a ONU, que tem esse acompanhamento da fome no mundo, que foi sair do mapa da fome, durante o governo Lula e depois voltar. Nenhum país no mundo que tenha conseguido contornar a fome, voltou.  Hoje o que temos, são 30 milhões de brasileiros com dificuldade para comer, com insegurança alimentar, tendo comer resto de comida, comprar comida que não é comida, são alimentos industrializados, uma falsa comida. Então seria isso, acho que essa questão da pauta e da fome também é uma questão emergencial que o movimento social tem uma tarefa clara em relação a isso, se envolver neste debate e mudar os rumos do país.  

Como os sindicatos podem atrair mais sócios? 

Essa é a grande questão e também é uma questão histórica do movimento sindical. Hoje no Brasil temos cerca de 12% de trabalhadores filiados, países como EUA, onde a estrutura sindical é completamente diferente e para pior no meu ponto de vista, esse número varia de 5 a 6%, então esse é um dilema global. Nosso principal objetivo, como já conversamos aqui, é transformar nossos sindicatos em algo atraente, que realize uma boa negociação coletiva, mas que também tenha outras funções, que envolva a família dos nossos trabalhadores, que intermedie a mão de obra, que crie a possibilidade de geração de renda, com atuação sindical decisiva no combate a fome por exemplo, tudo isso traz uma relevância social para o sindicato e claramente vai se tornando algo atraente para os nossos trabalhadores e a tendência é que atraem novos sócios. Não acredito muito naquela possibilidade que muitos sindicatos nossos fazem, de oferecer serviços como forma de atrair filiados, nossa tarefa é cobrar do estado que isso seja feito e não substituir o estado. Isso é uma armadilha que foi colocada que obriga os sindicatos serem um braço do estado e muitas entidades vão nesta linha. Na minha opinião, temos que cobrar política pública e ter atuação nas bases por outras frentes e saber que o financiamento sindical não é feito apenas de filiação, temos que lutar para que a taxa negocial, que costuma ser combatida pelo serviço público e que no meu ponto de vista é algo que deveríamos ter direito, pois se o sindicato negocia para todos os trabalhadores, poderíamos cobrar uma taxa democrática, escolhida em assembleia que todos contribuíssem em retribuição a negociação. Enfim, criar outras formas de sustentar os sindicatos, contribuições voluntárias, dinamização do espaço de uma maneira que possa gerar receita. Então acho que temos que encarar o debate da filiação dentro da sustentação financeira dos sindicatos, que tem várias outras possibilidades para além da filiação. 

 

Fonte: STIMMMESL 

Imagens: Israel Bento Gonçalves (STIMMMESL) 

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