Reforma de Temer enfraqueceu mecanismos de negociação

Terceira reportagem da série sobre negociação coletiva mostra que reforma trabalhista feita trouxe prejuízos aos trabalhadores

 

A Reforma Trabalhista, promulgada em 2017 no governo golpista de Michel Temer, prometia gerar milhões de empregos aos brasileiros e melhorar as relações entre trabalhadores e patrões, a partir da ideia de que flexibilizar as leis existentes deixaria tudo mais fácil para investimentos no Brasil. Na prática, o que se vê até hoje, é o aumento das negociações individuais em detrimento das coletivas e o surgimento de milhões de postos de trabalho precários, com baixos salários e sem nenhum direito aos trabalhadores.

A terceira matéria da série sobre negociação coletiva que a CNM/CUT está produzindo trata da herança deixada pelos quase seis anos da Reforma Trabalhista à classe trabalhadora brasileira, no qual o diálogo coletivo sofreu silenciamento e a individualidade se fortaleceu. Nesta batalha, o lado mais fraco, o/a trabalhador/a, não ganhou nada.

Para o presidente da CNM/CUT, Paulo Cayres, o Paulão, desde a Reforma, o/a trabalhador/a se viu cada vez mais sozinho/a na hora de sentar à mesa com o patrão e percebeu no bolso que seu salário não aumentou com a flexibilização das regras trabalhistas.

“Eu uso como exemplo extremo o caso do trabalhador congolês Moïse Kabagambe, que trabalhava em um quiosque em uma praia no Rio de Janeiro. Ele, no ano passado, ao tentar uma negociação direta individual com seu empregador sobre salários atrasados, acabou assassinado. Então o indivíduo não pode se sobrepor ao coletivo, pois o trabalhador sempre vai perder no final das contas”, diz Paulão.

Dificuldades na atuação sindical

Segundo o ex-diretor técnico do DIEESE e assessor sindical Clemente Ganz Lúcio, a Reforma Trabalhista dificultou a ação sindical. Para ele, o número de negociações não diminuiu, mas tornou-se mais moroso, o que acabou favorecendo a busca de alternativas individuais por empresas e trabalhadores.

“Não necessariamente o número de negociações diminui, mas torna-se muito mais difícil o processo negocial por conta de restrições à representação coletiva, retirada da proteção do trabalhador no momento da homologação, e tantas outras mazelas que afetam a vida sindical, o fortalecimento e a boa condição da negociação coletiva”, afirma Clemente.

O assessor sindical avalia que a promessa de aumento de empregos, embutida na reforma, não funcionou, pois ela não considera a melhora da economia real.

“Muitas vezes o que esse tipo de medida faz é aumentar a chamada produtividade espúria, que é o aumento da renda das empresas por conta da precarização das condições de trabalho e do arrocho salarial do/a trabalhador/a. Portanto, apesar dos argumentos, não é isso que garante a geração e, especialmente, a qualidade dos postos de trabalho”, ressalta Clemente.

Prevalência de Acordos sob Convenções

A socióloga da subseção do Dieese na CUT, Adriana Marcolino, destaca que a reforma trabalhista fez com que a hierarquia das negociações coletivas fosse invertida. Antes da reforma, as Convenções Coletivas, que abarcavam uma categoria inteira de trabalhadores dentro de um pacto com sindicatos patronais, eram maiores em número na comparação com os Acordo Coletivos, que são realizados individualmente entre empresa e sindicato. Depois da reforma, os Acordos Coletivos passaram a dominar o número de negociações.

“Isso é temeroso, pois numa empresa, muitas vezes, você tem uma conjuntura mais enfraquecida comparada a uma categoria toda”, alerta Adriana.

Reforma acabou com a segurança dos/as trabalhadores/as

Outra mudança importante foi o fim da ultratividade, princípio que consistia na prolongação dos efeitos de uma norma – Convenção ou Acordo Coletivo – para além do prazo de sua vigência, até que uma nova norma fosse aprovada. Esse mecanismo era adotado de forma parcial até antes da Reforma Trabalhista, com apoio de decisões judiciais a favor dos sindicatos.

Depois da reforma, a ultratividade foi totalmente vetada e uma decisão de maio do ano passado, do Supremo Tribunal Federal (STF), impôs que após o período máximo de validade de Acordos ou Convenções, 24 meses, os direitos conquistados podem ser cancelados até uma nova norma ser assinada.

“Apesar de ser limitada, a ultratividade era uma apoio importante para os sindicatos garantirem direitos dos trabalhadores após a vigência dos acordos”, afirma a socióloga do Dieese.

Nova regulamentação

Por fim, Adriana avalia que a reforma empoderou os patrões, gerando um desequilíbrio maior nas relações entre capital e trabalho. Na mesa de negociação, pontos como teletrabalho, terceirização, contrato em tempo parcial, autônomo e intermitente aparecem mais nos instrumentos para reforçar o que está disposto na nova lei, o que acaba precarizando mais as formas de trabalho existentes.

Segundo Adriana, o que se espera agora com a eleição do governo Lula é de que seja aberto um diálogo com as representações dos trabalhadores para que uma nova regulação seja pensada.

“Eu acho que não existe exatamente uma expectativa de que a reforma seja revogada, mas que seja pensado uma regulação sindical que garanta maior possibilidade de entidades sindicais mais representativas. Uma legislação que favoreça de fato as negociações coletivas em pé de  igualdade entre as partes. E que as regras que precarizaram o mercado de trabalho sejam revistas e que, portanto, garanta condições de trabalho dignas”, opina a socióloga.

Próxima reportagem

A próxima matéria especial sobre Negociação Coletiva falará sobre uma mudança importante da Reforma Trabalhista: a prevalência do acordado sobre o legislado, onde, em alguns casos, o que foi acertado em acordo valeria mais do que a lei. O que isso traz de bom e ruim para os trabalhadores, e qual o papel dos sindicatos nesse modelo?

 

Fonte: CNM/CUT

Foto: ANTÔNIO CRUZ / AGÊNCIA BRASIL

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