Controlada pelo centrão, Câmara atrasa e enfraquece propostas do governo para aumentar impostos sobre ricos
A Câmara dos Deputados deveria votar ainda quarta-feira (4) uma proposta para alterar a cobrança de impostos sobre ganhos com empresas offshore e os chamados fundos exclusivos. Os temas fazem parte da ideia do governo de aumentar a tribulação sobre a minoria super-rica da população para equilibrar as contas federais a partir de 2024.
A expectativa é que as propostas sejam aprovadas na sessão, que deve ser comandada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP). O texto que deve receber o aval de deputados, porém, será menos rígido na cobrança de impostos do que aquele apresentado pelo governo ao Congresso – algo que vem se repetindo durante os primeiros meses da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Pelo menos quatro propostas para a tribulação especialmente sobre ricos sofreram alguma resistência na Câmara, hoje controlada por Lira e seus aliados, congressistas do chamado centrão. Elas tratam das offshore, dos fundos exclusivos, dos juros sobre capital próprio e de disputas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
No caso específico dos projetos que devem ser votadas nesta quarta, a cobrança de impostos proposta pelo governo foi reduzida pelo deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), relator dos temas apontado por Lira.
A ideia do governo é cobrar impostos duas vezes por ano sobre ganhos com offshores e fundos exclusivos, algo que hoje acontece somente quando há o resgate desse tipo de investimento. A proposta do governo também abre uma brecha para quem tem offshore e fundos exclusivos atualize o valor das aplicações. Sobre o eventual ganho de capital, o governo gostaria de cobrar 10% de Imposto de Renda (IR).
Pedro Paulo sugeriu reduzir essa alíquota para 6%. Para ele, o corte não necessariamente reduziria a arrecadação do governo pois incentivaria mais pessoas a atualizarem os saldos de suas offshores e fundos exclusivos, aumentando assim a base de cobrança.
MPs rejeitadas
Offshores são uma espécie de investimento mantido fora do país, geralmente paraísos fiscais – nações com tributação extremamente reduzida. Segundo o governo, mais de R$ 1 trilhão investidos fora do país pertencem a brasileiros. A cobrança de impostos sobre o rendimento desse valor pode gerar cerca de R$ 7 bilhões por ano à União.
O governo Lula já tentou instituir essa cobrança de impostos por meio de uma Medida Provisória (MP), em maio. A MP, contudo, sequer foi colocada na pauta de votação da Câmara por Lira. Perdeu validade e acabou convertida em projeto de lei, com urgência.
Já os fundos exclusivos são usados por super-ricos para poupar dinheiro. Para criar um fundo exclusivo, é preciso aplicar nele pelo menos R$ 10 milhões. A mudança de tributação sobre eles foi proposta em outra MP assinada por Lula, em agosto. A previsão do governo é de arrecadar R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026 com a mudança. O tema foi incluído no relatório de Pedro Paulo sobre as offshores.
Outra MP enviada pelo governo e que perdeu validade por falta de votação foi a que mudava os julgamentos do Carf. O Executivo enviou o texto ao Congresso em janeiro restabelecendo a vitória da União em casos de julgamento no conselho que terminassem empatados e gerando uma arrecadação de até R$ 70 bilhões ao ano.
Após a MP caducar, ela também foi convertida em projeto de lei. Meses depois do que o governo desejava, acabou aprovada pelo Congresso e sancionada em agosto.
Outra pendência
Também em agosto, o governo enviou à Câmara um projeto de lei sobre o fim do chamado juro sobre capital próprio, forma de empresas com ações negociadas em bolsa remunerar acionistas e que acaba sendo abatido do IR da Pessoa Jurídica. A mudança geraria outros R$ 10 bilhões à União.
Havia expectativa que o projeto também fosse relatado por Pedro Paulo e votado junto com a questão das offshores e fundos exclusivos. Lira, contudo, afirmou nesta manhã que a discussão de todas as questões em conjunto poderia prejudicar a votação desta quarta.
Lobby no Congresso
“O maior lobby em favor dos super-ricos é feito pelo próprio Congresso”, disse Dão Real Pereira dos Santos, presidente do Instituto Justiça Fiscal (IJF) e membro do coletivo Auditores Fiscais pela Democracia, sobre a dificuldade do governo em aprovar propostas que aumentem a tributação sobre os mais ricos da nação.
“Esses parlamentares são eleitos com recursos dos donos do capital, seja agrário, seja financeiro, que em muitos casos é o mesmo”, acrescentou Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Eles atuam com o objetivo de agradar quem os financia, quando não eles próprios.”
Pedro Faria, economista e pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lembrou também do jogo político em torno do ritmo de votações de interesse do governo na Câmara dos Deputados.
“Quanto mais o Congresso dificultar uma votação, mais o governo tem que liberar emendas e cargos”, disse Faria. “O Congresso tem feito tudo para dificultar para o governo.”
Sobre Lira, Faria disse que ele está pessoalmente interessado no controle da Caixa Econômica Federal, e usa seu poder na Câmara para pressionar o governo a seu favor.
Fonte: Brasil de Fato
Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados