Carta de São Leopoldo para a Reconstrução: Seminário reuniu autoridades e lideranças para debater os desafios da segurança do sistema de proteção e futuros eventos
Diretores do STIMMMESL participaram da atividade
A partir do seminário que debateu a reconstrução da cidade, com enfoque nas mudanças climáticas e novos eventos extremos, os planos diretor, de drenagem e de contingência e o sistema de segurança e contenção das cheias, a Prefeitura de São Leopoldo apresentou a proposta da Carta de São Leopoldo do Seminário pela Reconstrução da Cidade – Mudanças Climáticas e Sistema de Proteção.
O evento, realizado na tarde de terça-feira (2) no Hotel Klein Ville, teve ampla participação de entidades governamentais e não governamentais, como a Unisinos, ACIST-SL, CDL, Câmara de Vereadores, Assembleia Legislativa, Movimento de Luta pela Moradia, Comitesinos, associações de moradores, sindicatos, conselhos municipais de direitos e órgãos do governo municipal, os quais, ao final das exposições técnicas e da leitura da carta, aprovaram o documento em sua íntegra. Nos próximos dias, será criado um comitê integrado por representantes de entidades que participaram do seminário para acompanhar o andamento das propostas da carta.
O primeiro painel técnico, coordenado pela secretária do Meio Ambiente, Jussara Lanfermann, abordou ações realizadas pelo município voltadas à mitigação dos impactos causados pelas emissões de gases de efeito estufa à atmosfera, como a produção do Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa, a partir de 2019, e a criação, no ano de 2021, do Observatório de Mudanças Climáticas, em parceria com a Unisinos. De acordo com o coordenador técnico do Observatório, Everson Gardel de Melo, os dados mais significativos do estudo concentram-se no setor de transportes, onde desponta o consumo de óleo diesel que, dentre os combustíveis analisados, apresenta o maior percentual de emissão de gases, seguido do de gasolina e do GNV. Em segundo vem o setor de resíduos e em terceiro, o de energia estacionária. Iniciativas como o IPTU Verde, a proposta de que todos os prédios públicos utilizem energia renovável ainda em 2024 e a geração fotovoltaica para unidades de saúde e habitações de baixa renda estão entre as ações locais para o enfrentamento às mudanças climáticas.
Para o professor Carlos Moraes, da Unisinos, as discussões em torno das mudanças climáticas devem acontecer de forma conjunta na sociedade. Referindo-se ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 17, Moraes enfatizou a importância das parcerias para reforçar os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.
Ao apresentar o histórico do sistema de proteção, o diretor do Sistema de Proteção de Cheias, geólogo Antonio Geske, relembrou a enchente de 1941, a maior já registrada no Rio Grande do Sul até maio de 2024. São Leopoldo possui um sistema de segurança que protege a cidade das cheias, constituído por 21,4 quilômetros de diques, 16 quilômetros de valas internas e cinco Casas de Bombas, mais uma localizada no bairro Santo Afonso em Novo Hamburgo, cujos parâmetros de construção foram embasados na cheia de 41.
Este sistema foi ultrapassado em maio deste ano, quando o Rio dos Sinos atingiu a cota recorde de 8 metros e 17 centímetros. Os diques foram superados pelo maior e mais intenso volume de chuvas já registrado na história de São Leopoldo e ainda assim sobreviveram e protegeram a cidade de uma tragédia com extensão e proporções inimagináveis, muito além do que foi causado pela catástrofe climática iniciada na madrugada do dia 3 de maio, cujo rasto deixou metade dos bairros submersos e afetou diretamente 180 mil, deixando 100 mil desalojados.
Em sua explanação, o superintendente de Urbanismo da Prefeitura de São Leopoldo, arquiteto e urbanista João Henrique Dias, apontou que o Plano Diretor Municipal tem como diretrizes a preservação do sistema de diques que protegem a cidade, a proteção das áreas de preservação permanente, o Rio dos Sinos, os arroios e o Morro do Paula. Assim como, a estratégia de desenvolvimento territorial do Plano Diretor objetiva adequar o zoneamento do uso do solo de acordo com as fragilidades ambientais. A respeito do parcelamento do solo, não é permitida em áreas alagadiças e sujeitas a inundações antes de tomadas providências para drenagem das águas.
O painel final foi coordenado pelo secretário-geral de Governo, Olger Peres, e pelo assessor especial do Gabinete, Nelson Spolaor, e abordou inicialmente as ações da Defesa Civil e das forças de segurança na maior catástrofe climática da história de São Leopoldo, com base no Plano de Contingência da Defesa Civil para Inundações (Placon). O coordenador técnico da Defesa Civil de São Leopoldo, Fabiano Camargo, apresentou como sugestões o estabelecimento da Política Municipal de Proteção e Defesa Civil, a estruturação do quadro técnico da área e a ampliação do Plano de Contingência.
Em seu pronunciamento, o professor da Unisinos, Roberto Christ, reforçou que o que ocorreu na enchente de maio foi o transbordamento em um trecho grande dos diques. Segundo ele, a partir de agora é preciso avaliar as condições de integridade e a estabilidade do sistema para definir as alternativas de intervenções a serem feitas. Christ sugeriu que sejam pensadas formas de utilização dos diques para interação com a comunidade, citando como exemplo a criação de ciclovias e pistas de caminhada na extensão dos diques de terra. O professor também sugeriu que as bacias sejam pensadas como conjunto e não apenas de forma local.
O superintendente de Serviços Técnicos do Semae, engenheiro Ronan de Jesus, explicou que a autarquia operou com as Casas de Bombas enquanto foi possível, no entanto, as estruturas também foram superadas pela enxurrada, que chegou até os painéis elétricos. Ronan lembrou que, apesar da interrupção na captação de água, São Leopoldo foi a primeira cidade atingida pela enchente a retomar o abastecimento, com apoio dos servidores do Semae, voluntários e das empresas Higra, Stihl e Mercúrio, levando apenas três dias para o restabelecer o serviço à população, com exceção apenas de parte da Zona Norte, que ficou com a sua estação de tratamento de água localizada na Campina submersa.
Por fim, observou que as intervenções de drenagem também foram efetuadas em tempo recorde em relação às demais cidades afetadas e, para obter este êxito, o município contou com o apoio de empresas locais como a Higra, a Mercúrio e a Top Vargas. Segundo Ronan, a elevação dos painéis, bem como a troca do sistema de bombeamento, estão entre as ações do Plano Diretor de Drenagem Urbana que já estão sendo projetadas pelo Semae.
O secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Leopoldo e Região (STIMMMESL), Valdemir Ferreira Pereira contou que a prefeitura está apresentando um plano de reconstrução e que o seminário serviu para isso. “A ideia apresentada é fazer bacias de contenções ao longo do leito do rio dos Sinos, que ajudará em épocas de chuvas e também na seca, pois servirão como reservatórios de água. Além de reestruturar, a partir dessa enchente, o nosso dique.”
Para o dirigente, as entidades sindicais de São Leopoldo tem um papel fundamental neste debate. “Para nós, é importante estarmos inseridos porque muitos trabalhadores da nossa base e inclusive fábricas foram atingidas. E o Sindicato acaba sendo uma peça importante neste debate, sendo um elo entre os trabalhadores e o poder público”, avaliou Valdemir.
CARTA DE SÃO LEOPOLDO DO SEMINÁRIO PELA RECONSTRUÇÃO DA CIDADE – MUDANÇAS CLIMÁTICAS E SISTEMAS DE PROTEÇÃO
Considerando que o mundo vive um enorme desequilíbrio climático, com aquecimento global e tantas outras situações que afetam severamente a convivência humana com o planeta;
Considerando que fruto desse desequilíbrio, as fortes chuvas do final de abril e início de maio de 2024, ano do Bicentenário, causaram a maior tragédia climática de nossa história, com mais de 700,4mm de chuvas em poucos dias, de acordo com a ANA/CPRM, superando a capacidade do nosso sistema de proteção de cheias, extravasando o Rio dos Sinos sobre o dique e consequentemente causando danos, e rompendo-o pontualmente em dois locais, Casa de Bombas da Santo Afonso/Arroio Gauchinho, divisa de Novo Hamburgo com a Vila Brás de São Leopoldo, e na Casa de Bombas do Arroio João Corrêa entre os bairros Vicentina e São Miguel;
Considerando que o sistema de proteção de cheias, elaborado a partir das chuvas históricas de 1941, foi fundamental e garantiu a preservação da vida de milhares de pessoas, e sua capacidade foi superada expressivamente pelo volume das chuvas, entrando água para a cidade de forma gradativa, e necessários novos parâmetros a partir das chuvas de 2024;
Considerando que o evento climático atingiu mais de 180 mil pessoas diretamente, mais de 100 mil pessoas precisaram sair de suas casas, muitas delas por mais de 20 dias, em que regiões permaneceram alagadas, e destas mais de 20 mil precisaram ficar em abrigos coletivos por São Leopoldo e cidades da região;
Considerando que o rápido e emergencial processo de fechamento dos locais onde o dique erodiu, e o uso de bombas submersas extras garantindo que a cidade fosse a primeira da região a secar o seu território alagado;
Considerando que passados 40 dias da cidade ter sido seca, finalizamos a primeira etapa da maior força-tarefa de limpeza da cidade, recolhendo aproximadamente 300 mil toneladas, com mais de 300 máquinas e equipamentos e mil trabalhadores no processo de recolhimento e transporte;
Considerando a realização de dois seminários de recuperação econômica, reunindo de pequenos empreendedores a grandes empresários, junto às instituições financeiras e lançando o Programa Supera São Léo como apoio econômico neste momento de superação;
Considerando a urgência climática que vivemos e a necessidade de discutir o tema ambiental, e o fortalecimento dos sistemas de segurança, o Seminário aponta as seguintes resoluções:
1– Fortalecimento do Observatório Municipal de Mudanças Climáticas e execução do Plano Local de Ação Climática (PLAC), destacando as necessidades e identificando as formas de construção da resiliência das comunidades suscetíveis aos desastres.
2 – Atentar pelas medidas de prevenção com o fomento das soluções baseadas na natureza, para reduzir os riscos de eventos climáticos extremos e aumentar a resiliência urbana e ecossistêmica.
3 – Fortalecer e atualizar o Plano de Contingência (Placon), com medidas a partir dos novos parâmetros acessíveis ao público e eficazes para lidar com desastres, fundamentados em evidências científicas, e garantir a existência de processos e infraestruturas adequadas para evacuação, alojamento, assistência e cuidados às vítimas de desastres.
4 – Garantir a implementação das defesas civis populares, em parceria com entidades da comunidade que possam fortalecer as ações de enfrentamento das situações de urgência, com treinamento e equipamentos adequados.
5 – Zelar pela criação e implementação de políticas de descarbonização e neutralização das emissões de gases de efeito estufa – GEE, como exemplos o IPTU Verde, utilização de ônibus elétricos no transporte público, entre outros.
6 – Pleitear que o Governo Federal garanta ao Município de São Leopoldo, e aos demais municípios das bacias, os recursos necessários para os estudos de volumes pluviométricos, e da capacidade dos rios.
7 – Pleitear que o Governo Federal garanta os recursos para os estudos e projetos de ampliação da segurança do sistema de proteção das cheias (diques), construção de bacias de amortecimento e modernização do sistema das Casas de Bombas;
8 – Pleitear que o Governo Federal crie uma estrutura que possa garantir a gestão integrada dos sistemas de proteção das cheias do Rio Grande do Sul, com a participação dos municípios, do governo do Estado e com a participação popular.
9 – Pleitear que o governo do Estado do Rio Grande do Sul agilize o licenciamento para permitir o trabalho de dragagem do Rio dos Sinos, severamente assoreado com o expressivo volume das chuvas.
10 – Implantação de medidas econômicas, estruturais, sociais, de saúde, culturais, educacionais, ambientais, tecnológicas, políticas e institucionais integradas e inclusivas que evitem e reduzam a exposição a riscos e vulnerabilidade a desastres, aumentem a preparação para resposta e recuperação e, assim, fortalecem a resiliência.
São Leopoldo/RS, 2 de julho de 2024
Fonte: PMSL com STIMMMESL
Foto: Thales Ferreira