“A cultura brasileira é machista e sexista”, afirma a vereadora de Canoas, Maria Eunice
Maria Eunice Dias Wolf está vereadora em Canoas, pelo PT. Nascida na cidade, desde 1982, vive Parque Residencial Igara. Casada, é mãe de três filhos e avó de três netos, formada em Direito e em Licenciatura em Português, Inglês e Literatura. Eunice iniciou sua trajetória política, na década de 1980, integrando a chapa de oposição sindical à direção do Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas e Nova Santa Rita. “Eu até não compreendia o que significava. Mas ele me disse que era para defender os direitos dos trabalhadores, e fui”, recorda.
Militante feminista, ela destaca que não apenas o movimento sindical, mas “a cultura brasileira é machista e sexista”. Com uma vida marcada na luta pelos direitos das mulheres, foi sócia-fundadora da Associação de Mulheres Multiplicar. De 2003 a 2005, foi consultora de projetos da UNESCO no Brasil. Entre outros cargos, foi dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT/RS), coordenando a Formação Profissional e Sindical dos trabalhadores e trabalhadoras. Na CUT Nacional, coordenou a Agência Nacional de Desenvolvimento Solidário. Em 2016, elegeu-se vereadora pelo PT.
Nesta entrevista de sexta-feira (11), Eunice conta como foi o começo de sua trajetória, os desafios do movimento sindical e a importância das mulheres ocuparem seus espaços. “O desafio das mulheres é ter atuação sindical, constituir-se como liderança de sua categoria, participar das lutas por direitos dos trabalhadores e simultaneamente conscientizar os dirigentes e trabalhadores na construção de relações de igualdade e respeito entre homens e mulheres”, diz.
Confira a íntegra da entrevista:
Você integrou a chapa de oposição sindical à direção do Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas e Nova Santa Rita, na década de 80. No mesmo período apoiou a chapa de oposição no Sindicato dos Metalúrgicos de São Leopoldo e Região. Conte um pouco da sua história? Como entrou no movimento sindical?
Em meados de maio de 1980 um companheiro da fábrica, seu Silo, com quem eu trabalhava, começou a convidar-me para estar nas reuniões da oposição sindical. Eu até não compreendia o que significava. Mas ele me disse que era para defender os direitos dos trabalhadores, e fui. Porém, como tinha uma filha de um ano e meio e estava grávida da segunda, participava esporadicamente das reuniões da oposição à direção do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Canoas. Em novembro de 1980, minha filha nasceu e com isto só retornei a participar das reuniões da oposição sindical em maio de 1981, quando já fazíamos os preparativos para a inscrição de chapa. Assim em 10 de outubro de 1981, aconteceu a nossa vitória. Na fábrica em que eu trabalhava fizemos 99% dos votos. Só não obtivemos apoio daqueles que estavam na chapa de situação. Éramos 2.700 trabalhadores, dentre os quais 70% eram mulheres. A direção eleita era composta de 24 membros, duas mulheres e vinte e dois homens. Ao final do mandato só eu me mantive. O ataque era ferrenho, tanto por parte dos homens que desejam continuar na direção, quanto de parte das empresas que queriam dizimar a direção do Sindicato e em particular a participação das mulheres. Afinal, era uma afronta ter mulheres na direção de uma categoria majoritariamente de homens. Quanto as eleições dos metalúrgicos de São Leopoldo, participei ativamente do planejamento, das atividades e de toda a campanha que levaram o Zé Vieira, o Milton Viário, o Quintino Severo, o falecido Jorge e agora o Valmir presidentes do Sindicato. E assim em outros processos, a exemplo das campanhas salariais, da campanha ¨Profissão Perigo¨ para melhorar as condições de saúde e segurança, de campanhas de sindicalização e inúmeras panfleteações nas portas de fábricas na década de 80 e 90.
Você vem de uma categoria formada, majoritariamente por homens e o movimento sindical é bastante machista. Como você lidou e lida com isso machismo?
A cultura brasileira é machista e sexista. Então não é coisa somente dos metalúrgicos, é da sociedade. Logo, é preciso ver, compreender e ter a melhor estratégia para enfrentar esta situação. Assim, me posicionei ao longo da vida sindical com a visão de ser minoria e conquistar a hegemonia. Ou seja, era somente uma mulher dentre uma direção de 24 dirigentes, tinha vinte e três homens, e tinha que fazer com que eles vissem, compreendessem e acreditassem que eu estava certa, era justa e coerente. Sempre assumi todas as lutas da categoria, mas simultaneamente realizava atividades de formação com as mulheres para elas compreenderem a importância de participar do Sindicato, e em outros momentos com os homens para que eles respeitassem as mulheres e se comprometessem com nossas reivindicações. Neste período, acreditava que precisava compreender melhorar o mundo em que vivia, que meu papel era conscientizar e politizar os dirigentes e categoria, homens e mulheres em relação a luta de classes e quanto ao machismo.
Na tua opinião, qual o desafio das mulheres no movimento sindical?
O desafio das mulheres é ter atuação sindical, constituir-se como liderança de sua categoria, participar das lutas por direitos dos trabalhadores e simultaneamente conscientizar os dirigentes e trabalhadores na construção de relações de igualdade e respeito entre homens e mulheres. Um homem não vale mais e nem menos que as mulheres – são iguais.
Você foi dirigente da CUT-RS e nacionalmente, coordenou a Agência Nacional de Desenvolvimento Solidário. Como foram essas experiências?
Foram cheias de desafios, de superações e muito crescimento pessoal e profissional. A Agência Nacional de Desenvolvimento Social deu-nos uma noção da realidade nacional, as dificuldades vivenciadas pelos trabalhadores das empresas falidas, dos trabalhadores autônomos, dos informais, da economia solidária, do microempreendedorismo e os desempregados para construirmos alternativas de geração de emprego, trabalho e renda.
Atualmente, você está vereadora em Canoas e já ocupou outros cargos públicos. Como a trajetória no movimento sindical te ajudou a chegar até aqui?
Fui secretária de Estratégia e Inovação em 2011 e 2012 e após Secretária Municipal de Desenvolvimento Social de Canoas, entre 20013 a 2016, aprendi e realizei muito. Sem dúvidas a trajetória do movimento sindical me ajudou sobremaneira. Aprendi no Sindicato a identificar os problemas, a negociar, a expor para os trabalhadores os pros e contras de uma proposta. O movimento sindical me concedeu a oportunidade de negociar, de expor as razões, de buscar o convencimento do empresário ou trabalhadores, e principalmente, pensar em alternativa para resolver possíveis impasses. Estas experiências estão garantindo que nosso mandato seja muito propositivo, organizativo e mobilizador. Sempre temos propostas a apresentar, com muita participação popular e mesmo que não tenhamos sucesso em alguma demanda, estamos informando e dialogando com a população.
Qual a importância das mulheres ocuparem seus espaços?
Penso que nós trazemos a vida real, verdadeira. Pode ser redundante, mas assim verdadeiramente é. Exemplo: o papel do vereador e averiguar ou construir políticas públicas que atendam as demandas do povo (de saúde, educação, habitação, segurança, assistência, etc). Quando é uma mulher, esta sabe de cor e salteado o problema e ela também já propõe a alternativa para superação.
Como os sindicatos, organizados em coletivos, podem ajudar no combate à discriminação com mulheres, negros e LGBTQIA+?
Penso que aos sindicatos cabem informar, esclarecer, questionar, fazer avançar a luta contra a discriminação de mulheres, negros e negras, religiosos e ateus sem exigir, condicionar o mesmo credo ou o mesmo agir. A luta contra a descriminalização de raça e de idade é determinante. Mas, principalmente, ser exemplo, ter atitude e garantir esta representatividade também na direção.
Qual a tua avaliação dos ataques que a classe trabalhadora tem sofrido desde o golpe de 2016. Como as reformas trabalhistas e da previdência?
O golpe de 2016, que retirou a Presidenta Dilma da Presidência da República já tinha a intencionalidade de retirar as conquistas dos trabalhadores ao longo da história brasileira e acentuada nos governos Lula e Dilma. A partir de uma maioria no Congresso Nacional retiraram Dilma e puderam manter esta maioria nas eleições de 2018 e realizar as reformas trabalhistas e previdenciária. Os ataques, diferentemente do que diziam, aumentou o desemprego, o trabalho precário, o trabalho indecente, e propiciou a exclusão social.
Na tua opinião, qual o principal desafio do movimento sindical no próximo período?
O desafio é construir um novo referencial das Relações de Trabalho no Brasil, onde os trabalhadores tenham a centralidade e se busque construir justiça social.
Você é casada, mãe, avó e sempre militou pela classe trabalhadora. O que você diria para uma mulher que está entrando no movimento sindical?
Não desista, resista, persevere e transmita muita alegria porque nosso sonho maior é uma sociedade justa e igualitária.
Fonte: STIMMMESL
Arte: Israel Bento Gonçalves