Manobras nas votações da Câmara e Senado estão com os dias contados
Desde o início do ano, o Congresso questiona a inclusão, em textos legislativos, de trechos que nada têm a ver com o teor de tais matérias e, dessa forma, terminam garantindo itens que, se fossem ser apreciados pelo rito comum da Câmara e do Senado, dificilmente seriam aprovados: os chamados “jabutis”. Foi por meio dessa manobra, por exemplo, que os parlamentares aprovaram, numa votação sobre parcerias público-privadas, emenda que autoriza a construção de um shopping na Câmara dos Deputados. Também foram os “jabutis” que garantiram o acréscimo de vários itens na proposta de reforma política. Com decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) proibindo esse tipo de estratégia, o assunto passa a ser discutido com mais atenção a partir de agora.
As divergências sobre como passar a tratar o tema – agora tido como inconstitucional pelos membros da mais alta Corte do país – começaram a ser observadas nesta terça-feira (20), durante reunião de lideranças no Senado. Os líderes discutiram como fazer para votar a Medida Provisória (MP) referente ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para a área de Segurança Pública – MP 678. Sem conseguirem chegar a um acordo, eles resolveram colocar o texto em votação na tarde desta quarta-feira (21), cabendo aos senadores decidir, em plenário, como fazer.
Este texto – que tranca a pauta do Senado e impede a apreciação de outras matérias, caso não seja votado – teve vários jabutis acrescentados ao projeto original, pela Câmara dos Deputados. Como a prorrogação do prazo para serem desativados os lixões pelos municípios e a autorização de renegociação, por produtores rurais, de dívidas com o programa Proálcool.
‘Questão delicada’
Com a jurisprudência defendida pelo STF, a questão transformou-se em “mais do que delicada”, como consideram os parlamentares. Para o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), a forma como a Casa deve agir em relação à MP 678, em especial, provocou várias dúvidas. Dentre essas, saber se o Legislativo já deve aplicar a resolução do tribunal e retirar os jabutis do texto de imediato, se é melhor esperar esta MP caducar para ser apresentado outro texto ou votá-la da forma como está, considerando que a resolução é recente e, assim, não precisa ser aplicada tão rapidamente.
Costa ponderou para o fato de, caso seja feita qualquer mudança, o texto ter de retornar para a Câmara dos Deputados para nova tramitação, o que atrasará ainda mais o Regime Diferenciado de Contratações para a área de Segurança Pública. Os senadores, por conta disso, também estão discutindo a possibilidade de ser criado um instrumento legislativo, por meio de resolução ou outro formato, que permita, em caso de matérias que ainda cheguem à Casa com esses jabutis, que o presidente do Senado, tendo em vista a decisão do STF, possa fazer a retirada de tais itens antes de ser iniciada a votação.
Na Câmara, o presidente, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusado de ser o responsável direto pelas manobras para criação dos jabutis, afirmou que quer colocar em votação na próxima semana a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que muda o rito de tramitação das MPs no Congresso – a PEC 70, em tramitação desde 2011.
Comissões mistas
Sem entrar em detalhes sobre sua responsabilidade nesse tipo de manobra legislativa, Cunha defendeu-se ressaltando que, mesmo com a decisão do STF, ele não tem poder para retirar matérias que são incluídas nas comissões mistas, uma vez que essas correspondem a acréscimos feitos e votados por deputados e senadores – e ele não pode mexer em decisões de senadores.
Apenas a aprovação da PEC 70, segundo Eduardo Cunha, resolveria a questão. A proposta que está discutida pela comissão especial designada a analisar o texto, proíbe a inclusão de emendas não relacionadas ao objeto original da MP e dá prerrogativas aos presidentes da Câmara e do Senado para que possam agir em casos semelhantes.
“Temos um problema factual: hoje, conforme o rito regimental, se a matéria (emenda com o jabuti) não for retirada pelo presidente da comissão mista no momento em que for colocada, nós continuaremos com o problema porque, pela lei, o presidente da Câmara não pode decidir a respeito”, destacou Cunha, dando a entender que a aplicabilidade da decisão do STF precisa ser discutida no Congresso.
Conforme a decisão do tribunal, aprovada após julgamento na última quinta-feira (15), é inconstitucional a inclusão de emendas sobre temas estranhos a uma matéria legislativa. Os ministros chegaram a esse entendimento após avaliarem uma ação direta de inconstitucionalidade contra a extinção da profissão de técnico em contabilidade, aprovada em uma MP que não estava relacionada ao assunto.
O líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), disse que, embora a questão da aplicabilidade da norma do STF precise ser melhor estudada pela Câmara e Senado, a decisão do STF deve ser considerada “uma vitória para o parlamento”, por dar fim, de uma vez por todas, a esses tipos de manobras no Congresso Nacional.
Fonte: Rede Brasil Atual