2015: movimentos populares nas ruas contra o ajuste e a ofensiva conservadora
Em ano conturbado por crise política e econômica, organizações levaram milhares às ruas contra ajuste fiscal, impeachment e Eduardo Cunha
Um ano de muita gente na rua. Assim pode ser resumido 2015. Após a eleição mais disputada desde a redemocratização, o país entrou em uma crise política e econômica que fez as decisões do segundo governo da presidenta Dilma Rousseff serem questionadas tanto pela direita quanto pela esquerda.
No dia 15 de março, parcelas da direita brasileira levaram mais de 200 mil pessoas pra avenida paulista pra pedir “Fora Dilma”. Com os recuos econômicos e sociais, as organizações de esquerda assumiram a linha de combater as medidas do governo ao mesmo passo em que defendiam a legitimidade do mandado da presidenta.
“Podemos dizer que 2015 foi um ano perdido para os trabalhadores brasileiros. Um ano no qual a mediocridade política imperou”, apontou o membro da direção nacional do Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) João Pedro Stedile.
Já na questão das mobilizações, o entendimento é que houve avanços importantes na esquerda, que foi pra rua enfrentar a pauta conservadora do Congresso, o ajuste fiscal do governo federal e a ameaça de impeachment da presidenta Dilma.
“A resposta da classe trabalhadora foi positiva, pois colocou pontos importantes na agenda dessa luta contra os recuos nos direitos. Esses temas são importantes e tende ao fortalecimento da luta da classe trabalhadora que deve seguir por esse caminho de fortalecimento da classe. Só nas mobilizações de massa nós podemos reverter essa ofensiva contra a classe trabalhadora”, apontou o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Gilberto Cervinski.
Contra Eduardo Cunha
Se o setor progressista da sociedade escolhesse um vilão para esse ano de 2015 seria o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Eleito para fazer oposição ao governo na Casa, ele foi responsável por avançar nas pautas mais conservadoras e fazer manobras sempre que era derrotado nas votações.
Em seu mandato como presidente, diversos setores populares foram atingidos: os trabalhadores, com o PL 4330 que permite as empresas terceirizarem suas atividades-fins; os jovens, com a aprovação da PEC 171/1993 que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos; os LGBTs, com a aprovação, na comissão especial, do estatuto que considera família“a entidade formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”; e as mulheres com o PL 5069/13, de sua autoria, que dificulta o acesso ao aborto legal no país e a pílula do dia seguinte.
Acusado de receber mais de US$ 5 milhões em propina em contas na Suíça, Cunha termina o ano com sua casa vistoriada pela Polícia Federal e o seu afastamento da Presidência da Câmara pela procurado-geral da República Rodrigo Janot.
“É necessário que o sr. Cunha seja julgado pelo STF o mais rápido possível. Porém, além das artimanhas do Ali Babá brasileiro, o Congresso se revelou extremamente conservador em todas as matérias encaminhadas, algumas sendo aprovadas, representando um retrocesso, uma destruição da constituinte de 88 e uma dicotomia total com os anseios e práticas da sociedade. Tudo isso é fruto da falência da democracia parlamentar brasileira, causada pelo sequestro que as empresas fizeram através do financiamento milionário das campanhas políticas”, aponta Stedile.
Contra o ajuste fiscal
Duas grandes frentes foram formadas esse ano para dar a resposta da esquerda e dos movimentos populares nas ruas: a Brasil Popular e a Povo sem medo. Em comum, ambas tinham críticas contundentes a política de ajuste fiscal que alterou benefícios sociais como o seguro desemprego e cortou verbas de programas como o Minha Casa, Minha Vida.
Além das medidas do governo federal, a câmara dos deputados também tomou atitudes contra os interesses dos trabalhadores como a PL 4330, que legaliza a terceirização das atividades fins de uma empresa.
Em mensagem de final de ano no site da CUT, o presidente Vagner Freitas alertou que o fato dos movimentos terem ido às ruas defender o governo Dilma do impeachment não significa “um cheque em branco” para a presidenta.
“O povo quer a Dilma que elegeu. 2016 só será um ano diferente, se o governo agir de maneira diferente. Para equilibrar as contas públicas, ao invés de tirar dos trabalhadores é preciso tirar do capital. Do contrário, gera desconfiança na classe trabalhadora”, apontou.
Setores populares e até mesmo uma ala dentro do Partido dos Trabalhadores pressionam o governo para uma guinada a esquerda no âmbito econômico. Uma das alternativas ventiladas nesse ano foi o imposto sobre grandes fortunas, que está na Constituição de 1988 mas ainda não saiu do papel.
“Na rua, o impeachment está derrotado”
Um outro assunto sempre presente na pauta dos movimentos populares em 2015 foi o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff por conta de crime de responsabilidade fiscal, por conta das pedaladas fiscais que, em 2014, atrasou o repasse de dinheiro do tesouro para alguns programas sociais, deixando isso na conta dos bancos públicos.
O processo saiu do papel quando a situação do presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) se complicou no Conselho de Ética da casa, que deu início ao processo de afastamento de Cunha sob o argumento de que ele mentiu na CPI da Petrobras quando negou possuir contas na Suíça.
Para Stedile, o último protesto da direita nas ruas, onde levou apenas 40 mil pessoas para a Avenida Paulista no dia 16 de dezembro, contra 55 mil dos movimentos populares no dia 18, enfraqueceu o processo de impeachment. As duas contagens foram realizadas pelo DataFolha.
“A direita teve seu auge em março, e depois foi diminuindo em agosto, e caiu no ridículo em dezembro. Acho que, na rua , o impeachment está derrotado. A pequena burguesia reacionária que vociferava clamando pelo golpe, pela volta dos militares, não conseguiu mobilizar ninguém além deles mesmos”, analisou, afirmando ainda que o processo deve se arrastar até meados de abril de 2016.
Desastre em Mariana
Um evento marcante para os movimentos populares foi a tragédia do rompimento da barragem do fundão na cidade mineira de Mariana. A responsável pela barragem é a Samarco, empresa que pertence a Vale e a australiana BHP Bilinton, não tinha um sistema de alarme pra alertar a população do entorno das barragens caso acontecesse algum acidente. A lama soterrou o distrito de Bento Rodrigues, matando 15 pessoas e deixando outras 12 desaparecidas. Além disso, acabou com toda a fauna e flora do Rio doce, que tem mais de 700 km de extensão.
Cervinski aponta que a tragédia mostra o quanto o modelo de exploração de minérios no Brasil, sempre em busca de mais lucros, afeta o meio ambiente e a vida ao redor. Ele também lembra que a indústria da energia elétrica muitas vezes possuem contratos que, na prática, faz com que as mineradoras não paguem pela energia que usa.
“Um modelo que cobra muito dos consumidores domiciliares e baratinho das grandes empresas. Mariana revela o quanto os atingidos são vítimas da construção de barragens nesse modelo perverso que prioriza os lucros acima de tudo”, criticou.
Fonte: Brasil de Fato