Especialista explica o novo contrato de trabalho intermitente; confira
O modelo de contrato intermitente, criado pela reforma trabalhista, pode precarizar as relações de trabalho de algumas categorias que, por sua natureza, têm demanda irregular por mão de obra ao longo da semana, como, por exemplo, os garçons. A opinião é da advogada especialista em direito do trabalho, Poliana Banqueri, do escritório Peixoto & Cury.
Para ela, as regras estabelecidas pelo governo para este regime contratual permitirão que, após 2020, data em que expira a quarentena estipulada pela Medida Provisória 808, funcionários plenos sejam demitidos e recontrados como intermitentes. O problema disso, aponta Poliana, é que um contrato intermitente não estabelece uma carga horário mínima de trabalho para os funcionários. Com isso, explica a advogada, sua renda mensal dependerá exclusivamente da sua convocação para o trabalho. Ou seja, é provável que, ao final de 30 dias, o trabalhador não acumule renda suficiente a um salário mínimo e, assim, não tenha aquele mês contabilizado para a sua previdência social.
"Da forma como a lei foi colocada, é possível que exista, sim, uma parcela de trabalhadores formais cuja renda não alcance nem mesmo o salário mínimo", alerta a especialista. "É como criar uma categoria de 'subtrabalhadores'. Daqui pra frente, as empresas devem observar esse modelo de contrato com bastante cautela, e ter cuidado ao substituir um regime de contrato pelo outro", afirma.
Em entrevista à TV Estadão, a advogada também detalhou como serão as novas regras para a modalidade de home office. Confira:
Como funcionará o trabalho intermitente?
O trabalhador poderá ser contratado por dias, horas e meses, sem previsão de carga horária semanal ou mensal. Então a Medida Provisória que foi publicada trouxe a previsão de que o trabalhador, se receber um valor de salário menor que o mínimo estabelecido em lei, deverá complementar esse salário, sob pena de não ter garantida a sua contribuição naquele mês para a Previdência Social. Estamos diante de uma forma de contratação que formaliza trabalhadores, nos mesmos moldes da CLT, mas que pode estar excluindo essas pessoas do sistema previdenciário.
Será possível a um trabalhador intermitente assinar vários contratos?
No cenário ideal, sim. A ideia é essa, que ele construa vários vínculos de emprego. Dessa forma, será possível que ele atinja o patamar mínimo que é contabilizado para fins de aposentadoria. Mas vale lembrar que as regras do governo estabelecem que é ônus do trabalhador pagar a diferença para o INSS, caso o seu salário seja menor que o mínimo.
Por que na lei brasileira não estabelece um horário mínimo de trabalho para o funcionário intermitente?
A lei brasileira foi inspirada em outros países, que preevem uma carga horária mínima, mas combinamos isso com a nossa própria CLT, que já existe há mais de 70 anos. A regra do governo determina que o tempo que não for destinado ao trabalho não pode ser remunerado. A lei diz que o empregador não pode estabelecer quantidade mínima de horas, sob pena de descaracterizar o trabalho. Para se ter uma ideia, há uma punição para aquele empregador que eventualmente estabelecer uma carga horária mínima e não convocar o funcionário.
Quais trabalhadores podem se beneficiar mais desse contrato intermitente?
A reforma trabalhista regulamentou uma modalidade de contrato nova, mas não existe uma relação de categorias específicas que serão beneficiadas com a medida. Em tese todos os trabalhadores podem se beneficiar. Naturalmente, a demanda será maior por restaurantes e comércio que têm picos de horários em prestação de serviços. Agora, vale lembrar também que existem regras para a convocação, inclusive para que o trabalhador rejeite. O empregado não é obrigado a atender ao chamado, já que o contrato intermitente pode prever vários contratos simultâneos.
Será possível demitir um funcionário pleno e recontratá-lo como intermitente?
A lei cria uma quarentena de 18 meses para contratar ex-emprego como intermitente, mas a cláusula só vale até dezembro de 2020. Dali em diante poderemos ver funcionários entrando nesse novo regime contratual, o que pode trazer uma precarização das relações de trabalho. Claro que essas mudanças poderão ser questionadas na justiça, e o trabalhador poderá recorrer também ao seu sindicato.
As empresas podem ser obrigadas a completar o mínimo exigido pelo INSS?
Será possível, sim, negociar entre os trabalhadores e as empresas que a diferença para a previdência seja paga pela empresa. Sindicato e empresa devem entrar em acordo. O ponto é que é bastante delicada a complementação, uma vez que a própria lei prevê que o tempo não executado não pode ser remunerado. Sem essa garantia mínima, e nós entendemos a contribuição como uma base do salário que foi pago, não existindo salário, vejo complicada a previsão de complementação pelas empresas. Porque não houve o fato (trabalho) que gerasse essa complementação.
É possível, então, que num futuro não muito distante tenhamos trabalhadores registrados que não recebam o salário mínimo?
Da forma como a lei foi colocada, é possível que exista, sim, uma parcela de trabalhadores formais cuja renda não alcance nem mesmo o salário mínimo. É como criar uma categoria de 'subtrabalhadores'. Daqui pra frente, as empresas devem observar esse modelo de contrato com bastante cautela, e ter cuidado ao substituir um regime de contrato pelo outro.
Mas é importante lembrar, também, que o número de trabalhadores no regime CLT atinge somente 32% da força de trabalho do País. E uma parcela ainda menor estará vinculada ao regime de trabalho intermitente. Então, não podemos dizer necessariamente que haverá uma grande parcela de trabalhadores que estarão excluídos do sistema previdenciário.
Uma lei de 2011 já tratava sobre a modalidade de home office, determinando que as regras da CLT também valessem para esse tipo de ocupação (hora extra, adicional noturno, assistência em caso de acidente de trabalho). O que mudou agora com a reforma trabalhista?
A reforma trouxe algumas especificações. A partir de agora, o contrato de trabalho no caso de home office deve ser obrigatoriamente por escrito, prevendo como que deve ser a infraestrutura, e quem será responsável pela segurança do trabalhador. Um ponto importante que a reforma implementou foi que, para esse tipo de funcionário, não haverá controle de jornada, nem de horas ou de tarefas. Ele também não terá direito a hora extra ou banco de horas. O trabalhador não tem horário fixo, mas precisa entregar o trabalho que foi combinado em contrato.
O empregador é obrigado a fornecer toda a infraestrutura de trabalho para o funcionário?
Sim, e isso também tem que estar estabelecido em contrato.
E como funcionará exatamente a assistência médica no caso de um trabalhador home office se machucar dentro de casa?
Quanto a assistência médica, existem modalidade que são vinculadas ao trabalho, e outras que são comuns. O empregador não tem o dever de custear ou indenizar por doenças comuns. A indenização em caso de acidente envolve a responsabilidade, minimamente de culpa do empregador. Quando isso occorer no contrato. É uma questão de estabelecer uma prova para mostrar.
O trabalho intermitente também poderá ser feito via home office?
Neste caso já existe uma incompatibilidade inicial, que é o próprio controle de jornada. Em um é pago por hora, e o no outro não há controle.
Haverá a possibilidade de o trabalho presencial ser substituído pelo remoto? Em quais casos isso poderá valer?
Se a natureza da atividade permitir, não existe nenhum prejuízo no ajuste entre as partes. Hoje em dia é bastante comum que as pessoas prefiram, dentro da realidade de cada empresa, das possibilidades de cada trabalho, trânsito, distâncias e seus custos. Hoje em dia é uma modalidade bastante aceita.
Fonte: O Estado de São Paulo