Redução salarial proposta pelo governo empurrará país para a depressão

Para enfrentar a grave crise econômica que se avizinha, depois de longo e imperdoável atraso,o governo Bolsonaro publicou a MP 936 onde apresenta seu “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda”, definido regras para a redução de jornadas e salários e também estipulando ajuda financeira do governo para bancar parte da folha de pagamento das empresas que aderirem ao programa. Segundo estimativa elaborada pelo Ministério de Economia,com a medida seriam preservados 8,5 milhões de empregos.

Entretanto, lamentavelmente, embora a medida esteja no rumo certo, a miopia da equipe do ministro Paulo Guedes e a indisposição do governo para atuar com recursos fiscais maciços para sustentar os nexos mercantis da economia, a resultante da MP 936, se aprovada pelo Congresso nos termos propostos pelo governo, antes de salvar empregos e empresários, deverá contribuir ainda mais para o aprofundamento da crise, jogando o país à beira da depressão econômica.

Em linhas gerais, de acordo com a proposta do governo,enquanto durar a paralisia das atividades, os salários dos trabalhadores formais deverão ser custeados em parte pelos empregadores e em parte pelo Estado, a depender da faixa salarial e de uma das duas alternativas abaixo:

1) Redução parcial da jornada de trabalho e do salário na mesma proporção, situação em que o trabalhador poderia acessar o seguro desemprego em percentual equivalente ao da redução e cujo custo seria bancado pelo União;

2) Suspensão temporária do contrato de trabalho, situação em que o trabalhador receberia o seguro desemprego, com o governo arcando com 100% do custeio para empresas com faturamento anual de até R$4,8 milhões e com 70% para as empresas com faturamento superior, caso em que o empregador pagaria 30%do salário.

O problema é que seja por uma ou por outra alternativa, a medida não evitará uma contração significativa da renda dos trabalhadores, implicando em retração da massa salarial que, por sua vez, deverá reduzir ainda mais a demanda agregada e, portanto, a própria sustentação dos negócios e das empresas.

Para estimar o impacto na massa salarial, vamos traçar dois cenários arbitrários. No primeiro, consideramos que as empresas irão adotar exclusivamente a alternativa 1, isto é, de redução de jornada com redução proporcional dos salários. No segundo cenário, presumimos que metade dos trabalhadores serão atingidos pela adesão das empresas à alternativa 1, enquanto a outra metade estarão sujeitos à suspensão temporária de contrato de trabalho (alternativa 2)

Para ambos os cenários adotamos a estimativa do governo de “preservar” 8,5 milhões de empregos e se utilizam os dados de empregos formais CLT (vínculo por tempo indeterminado) da RAIS (2018), totalizando por volta de 35 milhões de trabalhadores.

Sendo a referência do benefício compensatório o valor do seguro desemprego, convém resgatar os critérios de cálculo desse direito. São basicamente três faixas de cálculo para o seguro desemprego: (1) quem recebia, na média dos últimos três salários, até R$ 1.559,61, terá direito a 80% da média; (2) quem recebia, em média, entre R$ 1.559,62 e R$ 2.666,29, a conta é: multiplica-se por 0,5 o montante que excede R$ 1.559,61 e adiciona-se R$ 1.279,69; (3) quem recebia, em média, acima de R$ 2.666,29, terá direito ao valor fixo de R$ 1.803,03. Além disso, vale dizer que o valor do seguro desemprego não poderá ser inferior a um salário mínimo (R$ 1.045,00). Na Tabela 1 apresentamos os três exemplos de salários e indicamos o valor do seguro desemprego correspondente

CENÁRIO 1: Redução de jornada de trabalho

A RAIS distribui os trabalhadores empregados no setor formal de acordo com 12 faixas de salários (mínimos).Calculamos, conforme exposto na Tabela 2, o valor do benefício que será pago pelo governo ao trabalhador formal (com ou sem participação do empregador), o valor final do salário (parcela preservada mais o benefício governamental) e o percentual de redução salarial com a adoção da redução de jornada.

Nota: Elaboração própria. Os salários selecionados na primeira coluna guardam relação com as faixas salariais estabelecidas pela RAIS. Para faixas abrangentes, como o caso da “de 5,01 a 7” salários mínimos, estabelecemos o critério do número intermediário, ou seja, 6. Para a última faixa, acima de 20 salários mínimos, adotou-se a quantia de 25 salários mínimos

Como fica demonstrado na tabela 2, quanto maior o salário e o percentual de redução de jornada, maior é a perda salarial que o trabalhador sofrerá. Apesar dessa “progressividade” fazer algum sentido em um primeiro olhar, ela carrega sérios problemas. Primeiro, qualquer percentual de redução nas faixas salariais iniciais (mais baixas) tem um grande impacto em termos agregados, visto que a maior parte das pessoas está nelas. Além disso, a simples ideia de redução salarial em um cenário de crise econômica com insuficiência de demanda só pode agravar a situação.

Para fins da presente simulação de impacto na massa salarial, agruparemos essas faixas salariais em quatro grupos: até três salários mínimos, de três a cinco; de cinco a dez; e mais de dez. Nessa agregação, a distribuição se dá da seguinte forma:

Fonte: RAIS (2018). Elaboração própria.

Seguindo a participação relativa da Tabela 3 e aplicando-a à estimativa do governo de preservação de 8,5 milhões de empregos, temos como resultado das reduções salariais das diferentes faixas um impacto negativo na ordem dos 6,5 bilhões de reais (por mês, caso os 8,5 milhões de trabalhadores sejam contemplados). Na Tabela 4 estas projeções estão demonstradas em detalhes.

CENÁRIO 2: Redução de jornada e “suspensão” de contratos de trabalho

Conforme mencionamos antes, nesse cenário supõe-se que metade dos trabalhadores afetados pela MP terá redução de jornada (Tabela 5) e, a outra metade, terá seus contratos “suspensos” (Tabelas 6 e 7). Neste caso, o impacto agregado sobre a na massa salarial seria ainda mais dramático, visto quem para empresas de faturamento até R$ 4,8 bilhões, a alternativa de suspensão do contrato estabelece como benefício máximo o valor do teto do seguro desemprego (R$ 1.813,03), ou seja, não se preserva o pagamento de parte da base salarial, como ocorre na redução de jornada.

 

 

 

Portanto, a estimativa do impacto total na massa de salários neste cenário é de uma redução de R$ 8,6 bilhões.

Cabe assinalar ainda que, além do problema inicial relacionado ao impacto negativo sobre a demanda agregada, a MP 936 também peca pela docilidade das condicionalidades exigidas dos empregadores que decidirem aderir ao programa de ajuda. Por exemplo, se os trabalhadores da empresa forem contemplados com 2 meses de benefício, eles não poderão ser despedidos pelo dobro do tempo, ou seja, 4 meses. Esse horizonte temporal, entretanto, será insuficiente, dada a magnitude da crise que se anuncia. Muito provavelmente, a atividade econômica continuará sem dinamismo por alguns meses, visto que esta MP do “arrocho salarial” não ajuda na recomposição da demanda e da produção e, portanto, vencido o período da condicionalidade é de se supor que muitas empresas deverão fazer despedidas em massa para se ajustarem ao novo normal do fundo do poço.Além disso, nada impede que a adesão das empresas ao programa seja parcial, ou seja, parte da força de trabalho pode ser dispensada de imediato, parte ter redução de jornada e, ainda outra parte, contratos suspensos. Isso evidencia o caráter da MP enquanto instrumento disponível ao empregador para gerenciar a força de trabalho sem nenhuma centralidade na manutenção do emprego e renda.

Ou seja, o socorro tímido e parcial a empregadores e trabalhadores que foi anunciado com a MP 936ao não estabelecer de forma clara e prolongada a garantia de todos os empregos e a sustentação dos salários em patamar mais elevado, não só parece incapaz de evitar o processo de contração da demanda e de sustentação dos fluxos de renda, como deverá acabar empurrando muitas empresas à insolvência e posterior falência, com o sacrifício de milhões de empregos.

 

Pietro Borsari e Marcelo Manzano são Pesquisadores do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp e membros do GT Mundos do Trabalho: Reformas.

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