Em julgamento no STF, negociação antes de demissão coletiva é ato de cidadania

Por enquanto, três ministros dispensam e dois
defendem negociação prévia. Procurador fala em “diálogo social”

Pedido de vista do ministro Dias Toffoli, no último dia 20, interrompeu o julgamento de ação que discute a necessidade de negociação coletiva antes de demissões coletivas. Por enquanto, três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entendem que a negociação prévia à demissão em massa não é necessária, enquanto dois sustentam que sim. O caso tem origem em 2009, quando a Embraer demitiu 4.200 de 18 mil funcionários.

“A criação dessa exigência (negociação prévia), para buscar alternativas de menor impacto social, representou um autêntico avanço civilizatório”, afirma o advogado Aristeu César Pinto Neto, do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, no interior paulista. Para ele, do diálogo podem surgir alternativas que evitem demissões. Como suspensão dos contratos ou programas de voluntariado, “com pacote de benefícios que permitem enfrentar a situação do desemprego com mais recursos”.

Diálogo social

No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 999.435, Embraer e Eleb Equipamentos questionam uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que determinou a necessidade de negociação antes de demissão em massa, em casos futuros. Para a defesa da fabricante de aviões, demissão é um ato unilateral do empregador e independe de concordância do funcionário ou do sindicato.

Mas ninguém está falando em “autorização” para demitir, reage o titular da Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (Conalis) do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ronaldo Lima dos Santos. “Negociação coletiva é um ingrediente do diálogo social”, afirma. Segundo o procurador e professor, 81% dos países-membros da Organização Internacional do Trabalho (OIT) têm algum tipo de regulamentação sobre o assunto.

Proteção ao trabalhador

Durante o julgamento, o procurador-geral da República, Augusto Aras, citou a Convenção 158 da OIT, que trata do assunto. “A norma internacional é protetiva do trabalhador”, afirmou. Se o Estado não pode impedir empresas de demitir, essas também devem procurar o sindicato para uma negociação prévia que diminua os impactos da decisão.

O relator do RE, que tem repercussão geral, ministro Marco Aurélio Mello, apontou “desnecessidade” de negociação coletiva no caso de demissão em massa. Foi acompanhado por Alexandre de Moraes e Nunes Marques. Mas Edson Fachin abriu divergência, seguido de Luís Roberto Barroso, único a votar na sessão dia 20. Ele observou que o TST não exigiu acordo ou autorização, mas apenas que os representantes dos trabalhadores sejam ouvidos e possam apresentar alternativas aos cortes.

Tema coletivo exige negociação

“A discussão não vai terminar com a decisão do STF”, aponta Ronaldo Santos, do MPT. “Teremos que traçar outra estratégia para fazer com que esse diálogo social prévio seja exigido”, acrescentou o procurador, que na quinta-feira (27) participou de debate organizado pelo escritório Crivelli de advocacia. Além de Santos, a presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Ivone Silva. “Ainda que o Supremo decida – e é isso que nós esperamos de uma instituição que é guardiã da Constituição – pela admissibilidade da negociação prévia, muitas questões advirão”, lembra o procurador.

A discussão seguinte, observa, será como aplicar a regra, e em quais situações. “Questões coletivas devem ser dialogadas com as representações dos trabalhadores. Isso é muito claro. Qual o grau de democracia que o legislador previu para este país?”, questiona. “(Democracia) tem de ser participativa.”

Livre, mas nem tanto

Ele cita o caso recente da Ford, que decidiu encerrar atividades no Brasil, fechando as unidades de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Novo Horizonte (CE). “Quando a Ford foi se instalar em Camaçari, recebeu subsídios. Houve, inclusive conflito, entre Rio Grande do Sul e Bahia. Quase todas as empresas se utilizam de subsídios governamentais, que são nossos.” Dessa forma, critica o procurador, para sair de determinado lugar a empresa quer liberdade total, mas na hora se instalar “não é tão livre”. Ou seja, quer receber benefícios do Estado. Isso exige contrapartida.

Para Ivone Silva, a informação é um instrumento importante nas negociações. “Várias vezes pegamos os bancos na mentira através de seus balanços”, observa. Houve também casos em que o banco “espalhava” suas demissões em tentativa de não configurar uma dispensa coletiva.

Quem faz as leis

Outro problema, aponta Ivone, está na representação no parlamento, onde são feitas as leis. “Os trabalhadores perderam uma bancada enorme na Câmara e no Senado. Fomos perdendo espaço”, diz. Com cada vez mais empresários no Congresso, multiplicaram-se reformas e leis com “premissa liberal”, lembra a dirigente. No sentido de um Estado até aquém do mínimo, sempre com o objetivo de reduzir ou “flexibilizar” direitos.

Acontece ainda o que Ivone chama de “mudança drástica” no perfil do trabalhador. “A maioria está indo para plataformas. Não é mais o cara registrado, é o PJ. Não é mais relação trabalhista, é de empreendedor. Falta essa discussão da coletividade. A gente tem de regulamentar minimamente.”

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