“Com solidariedade de classe se constrói muito”, afirma o ex-diretor do STIMMMESL, Basilio Silva Júnior 

Em 15 anos como dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Leopoldo e Região (STIMMMESL), Basilio Silva Júnior, é categórico ao afirmar que foi a solidariedade de classe o que mais marcou sua trajetória. “E temos que trabalhar mais nisso, solidariedade de classe”, defende.

Hoje, com 50 anos, é morador de Sapucaia, advogado e assessor do senador Paulo Paim (PT) efala sobre o atual momento da classe trabalhadora e do movimento sindical. Nesta entrevista de sexta-feira (10), Basílio também recorda o início de sua trajetória como membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), os anos no STIMMMESL e os principais desafios dos sindicatos. “O movimento sindical precisa resistir, pois as coisas estão complicadas”, afirma.

 

Confira a íntegra da entrevista: 

 

Conte um pouco da sua história. Como entrou no movimento sindical? 

Na realidade a minha história não começou nos metalúrgicos de São Leopoldo. Comecei a trabalhar muito cedo, com 14 anos, numa fábrica de calçados aqui em Sapucaia e minha trajetória sindical de fato começou quando eu tinha 21 anos e trabalhava numa metalúrgica em Canoas. Lá, presenciei várias questões, e hoje estamos voltando para algo parecido, o trabalhador quando sofria um acidente demorava um longo período para receber o seu salário e os companheiros do sindicato, os dirigentes e membros da CIPA se reuniam e passavam uma lista de setor em setor, eu achava aquilo muito lindo, cada um contribuía com o pouquinho que podia e fazíamos assim, o salário do companheiro. Então durante aquele período que a pessoa ficava afastada, dois, três meses havia aquela solidariedade que garantia o sustento daquela família e achava isso lindo, eu era guri né? Tinha 20, 22 anos e me recordo que muitos daqueles companheiros não retornavam para a fábrica, infelizmente muitos eram demitidos. O patrão agia de uma forma e a solidariedade dos trabalhadores e do sindicato, de outra. Então, tinha companheiros que tinham medo de se acidentar dentro da fábrica, ainda não tinha a estabilidade do acidentado e muitos eram demitidos doentes ou com lesões e nós ficávamos tristes com isso. E dentro desse interim, me candidatei à CIPA e fui eleito, levava as reivindicações, queria mudar tudo, era muito jovem e imaturo. Mas foi uma experiência muito boa e claro que pela minha imaturidade, terminou o meu mandato e eu não me candidatei, e na véspera de terminar a minha garantia de emprego, fui demitido. E nisso, vim trabalhar na Inpel, em Sapucaia, onde fiquei por 17 anos e participei das prévias do Sindicato dos Metalúrgicos de São Leopoldo, naquele período havia prévias, fui convidado e entrei no mandato do Sindicato em 1995. Foi uma experiência magnífica, onde fiquei até 2012 quando me formei em direito. Passei a atuar nesta área e hoje sou assessor do senador Paulo Paim.

 

 

O que mais te marcou no período como dirigente sindical? 

Várias coisas… Essa é uma pergunta muito difícil. Primeiro, eu tenho muitos amigos e perdi outros tantos, posso citar alguns: o Valdoir, o Belarmino, o Eduardo, o Jorge, perdemos muitos amigos e companheiros de luta e isso marca muito. Mas na trajetória sindical, eu fui secretário de saúde e tem um fato que recordo até hoje por ver até onde pode chegar a maldade das pessoas quando não há a intervenção do Sindicato ou de um terceiro, o que pode acontecer com qualquer pessoa que é vulnerável. Teve um companheiro da Gedore que era surdo e mudo, naquela época, 2004, 2005, havia um encarregado que era desumano dentro da empresa que depois foi desligado e haviam várias reclamações… Por sua condição, esse trabalhador teve dificuldade de aprender a ler e escrever, só assinava com a digital e esse encarregado demitiu o trabalhador, como se ele estivesse pedindo demissão, ele assinou com o dedo. Algo de uma maldade absurda. Chegando em casa, mostrou os documentos para a irmã que questionou como ele havia pedido demissão e o trabalhador disse que não pediu demissão. Eles vieram aqui no sindicato, verifiquei tudo, entramos em contato com a Gedore e conseguimos reverter a situação. Pode ser um fato pequeno, mas se não tem o sindicato poderia ser muito difícil de reverter. Isso foi na questão mais individual, agora a coletiva, o que mais me marcou foi em 1999 para 2000, estávamos há três anos sem nenhum centavo de reajuste, era o pior cenário dos metalúrgicos do RS, por diversas situações e um suposto radicalismo. E numa reunião, estávamos eu, o falecido Belarmino, o Loricardo, o Jorge e várias companheiros que hoje estão na direção e falávamos, nós temos que fazer algo para mudar essa situação e isso era dezembro de 1999 e começamos a fazer, entrávamos nas fábricas e fazíamos assembleias com os trabalhadores dentro do local e no horário de trabalho. Com isso, antes do final de janeiro já estávamos com o acordo fechado, garantido o reajuste dos três anos e com as cláusulas sociais. Então para mim isso foi uma grande luta, uma grande vitória que realizamos, não foi fácil, mas a categoria pegou junto, chegávamos nas fábricas e os trabalhadores cruzavam os braços e isso foi fundamental para que conseguíssemos fechar o acordo.

 

Muitos diretores entram no movimento sindical após serem cipeiros ou negociadores de PLR. Qual a importância dessas ferramentas, tanto para os trabalhadores, como para os sindicatos? 

Primeiro vou falar da CIPA, que tem um papel fundamental na prevenção de acidente e isso não é pouca coisa. Já vi trabalhadores perdendo braços, dedos, entrarem fagulhas dentro do olho, então acidente é uma coisa muito séria. A prevenção de acidentes não é algo pequeno e a maioria dos acidentes é causada por condições inseguras e não um ato inseguro do trabalhador. Além disso, tem as doenças invisíveis, como as LER/DORT, por esforço repetitivo, as doenças ocupacionais que são inúmeras e que não visualizamos, mas após, 5, 10 anos o trabalhador está com uma patologia que vai levar para o resto da vida. Então, a CIPA é um instrumento importantíssimo e os companheiros que se dispõe a se candidatarem tem que ter muita responsabilidade, não é um aninho de estabilidade, mas integrar ferramentas onde podemos lutar pelos demais companheiros. A PLR não é diferente, é importante. O que é a PLR? É um ganho a mais para o trabalhador e isso é bom. No entanto, isso não pode ser mecanismo de pressão, se tiver atraso, ficar doente vai perder a PLR, são coisas que às vezes os empresários tentam colocar, temos que ter essa resistência dentro das comissões de PLR. Companheiros e companheiras que se dispõem a participar tanto da CIPA como da comissão de PLR devem ter a obrigação de buscar suporte na estrutura do Sindicato. É a única maneira de conseguir o melhor para os trabalhadores, tem que estar junto com o Sindicato.

 

Você acha que falta consciência de classe para os trabalhadores? 

Hoje é diferente do final dos anos 80, era muito jovem, mas tive a felicidade de pegar uma grande mobilização dos trabalhadores. A partir disso, começou uma manipulação empresarial, aquele papo de colaboradores, de que somos uma família, vocês fazem parte da empresa e isso é uma enganação. Pois na maioria das vezes, não quero generalizar, mas a regra é a mesma, lucrar a qualquer custo e se o trabalhador tiver que ser descartado, vai ser descartado. Neste sentido, não que os trabalhadores não tenham consciência de classe, mas está mais difícil fazer entender que com a unidade e coletividade, não é o individualismo, não é eu, é nós, com muita solidariedade… Acho que talvez o Sindicato possa trabalhar mais isso, solidariedade de classe. Com solidariedade de classe se constrói muito. Eu ouvi de alguns trabalhadores reclamações assim “olha, ontem eu fui demitido e esquecido”, então temos que olhar para esses trabalhadores, os que se acidentaram também, temos que ter um olhar mais solidário e mostrar que o sindicalismo é diferente. Acho que a solidariedade precisa ser trabalhada.

 

Qual a tua avaliação dos ataques que a classe trabalhadora tem sofrido desde o golpe de 2016. Como as reformas trabalhistas e da previdência? 

Foi propagado para nós que seria apenas a retirada da presidente Dilma e muitos trabalhadores usaram adesivos “Fora Dilma” e na verdade, não era só tirar a Dilma. Vi em 2016, uma entrevista de uma deputada e me chamou muito atenção, perguntaram sobre a Dilma e ela disse claramente que a questão não era a Dilma, a questão era o artigo 7º da Constituição Federal, esse artigo está elencado a garantia dos nossos direitos trabalhistas. Então o que foi o golpe de 2016? Foi a retirada dos nossos direitos. Tivemos uma reforma trabalhista que prejudicou nossos direitos, os sindicatos, os trabalhadores… Imagina o negociado em cima do legislado, o acordo individual? O trabalhador propor uma ação trabalhista e ter que indenizar o empregador? É algo, impensável. E vários direitos foram sendo suprimidos e só não foram mais porque houve uma resistência desse mesmo sindicalismo que eles dilapidaram, que lutou muito com os poucos senadores e deputados federais, pois queriam tirar mais, não teríamos o 13º salário, nem o 40% do FGTS, era a extinção total dos direitos trabalhistas e muitos trabalhadores não conseguem visualizar isso. E quanto a reforma da previdência, gente do céu, eles querem acabar com a previdência social. A aposentadoria hoje está ficando cada vez mais difícil, imagina um trabalhador metalúrgico que trabalhou em condições insalubres, onde ele está exposto a óleos, a graxa, numa exposição que está trazendo danos prejudiciais a sua saúde e ele terá que trabalhar quanto anos a mais para conseguir se aposentar e aí entra a questão da idade. Eles estão o tempo todo tentando dilapidar os nossos direitos, a reforma da previdência foi muito grave. A pensão por morte também foi reduzida, pegamos um trabalhador que ganhe 5 mil reais por exemplo e vem a óbito e aí sua esposa vai requerer a pensão e dependendo do cálculo para o tempo da aposentadoria, ela fica com quase um salário mínimo de pensão. Então, é muito grave o que fizeram conosco e as pessoas só vão entender isso quando estiver sendo aplicada com eles. Essas reformas foram grandes crimes com os trabalhadores e as famílias dos trabalhadores. Precisamos é da revogação dessas reformas.  O senador Paim tem um projeto dentro do Estatuto do Trabalho que é a revogação da reforma trabalhista e inclui, também, diversos pontos que são reivindicações antigas nossas. Acho que seria interessante o movimento sindical se apropriar do Estatuto do Trabalho, já foi apresentado e acredito que volte a conjuntura com deputados e senadores eleitos com essa visão de classe do trabalhador, possamos de fato, aprovar esse Estatuto.

 

 

Na tua opinião, qual a importância dos sindicatos na vida dos trabalhadores? 

Com tudo que já te falei, o sindicato é uma ferramenta importante, de luta dos trabalhadores. O sindicato continua sendo fundamental para os trabalhadores, se não houvesse sindicatos, a vida dos trabalhadores seria bem mais difícil. Olha bem, o presidente dos EUA, o Biden, chegou a dizer que é fundamental a presença dos sindicatos, então… Às vezes, ouvimos “o sindicato é do partido A, B, o sindicato não sei o que”…  O Sindicato é o instrumento da classe dos trabalhadores, eles tem que apropriar disso, que são os donos dos Sindicatos, há uma diretoria sim, mas quem são os donos dos sindicatos são os trabalhadores e eles precisam entender isso. Olha que coisa boa ter o sindicato, tu vês o trabalhador falar com o peito estufado o “meu sindicato”. O sindicato é imprescindível.

 

O movimento sindical, como um todo, está muito desacreditado. Como reverter isso? 

O movimento sindical precisa resistir, pois as coisas estão complicadas. Houve esse golpe em 2016 que veio para acabar com a organização dos trabalhadores, mas não tem como acabarem com a organização dos trabalhadores, eles podem tirar a sede, tirar carro de som, mas a organização vai continuar existindo. Mas esse golpe foi feito para acabar com a organização dos trabalhadores. Então, primeiramente, o movimento sindical precisa resistir e ele está resistindo, grande parte do movimento sindical está resistindo e eles vieram para acabar com os sindicatos, limitaram recursos, limitaram a atuação. E o segundo, numa questão mais interna, o movimento sindical precisa se reinventar, eu acompanho muito a questão sindical e vejo companheiros valorosos que estão há anos no movimento e há um momento de se reinventar, de falar com os jovens, de ouvir os jovens, de interagir nas redes sociais e interagir com a família dos metalúrgicos, como fazíamos na década de 80. Por exemplo, um companheiro estava fazendo a sua casinha, então juntávamos vários companheiros e íamos lá e ajudávamos virar uma massa, carregar cimento, areia… Precisamos mais disso, dessa interação, pois isso ninguém nos tira. Temos que resgatar a solidariedade. A participação das mulheres é fundamental, as companheiras metalúrgicas tem que se sentir acolhidas no sindicato.  Às vezes, a gente escuta “as mulheres tem que estar aqui.” Elas não tem que estarem aqui, elas já estão aqui. As companheiras já estão nos sindicatos, então temos que ouvi-las. Os jovens, a mesma coisa, não ouvimos os jovens e eles tem muitas coisas boas para nos trazer, olha as lutas identitárias? São importantes e fundamentais. Temos várias questões importantes para trabalhar que não será o empresariado que vai trabalhar. É um papel que cabe ao sindicato. E também acho que não podemos ter uma renovação imposta, somos obrigados a renovar então esse ano vamos renovar 50% dos companheiros e coloca outros, não pode, tem que ser natural, tem que fluir e com uma retomada de consciência de classe, retoma isso. Olha o que te disse lá no começo sobre a solidariedade, não fizeram pra mim, mas vi fazer e achava aquilo lindo, magnífico. E temos que trabalhar mais nisso, solidariedade de classe.

 

Na tua opinião, qual o principal desafio do movimento sindical no próximo período? 

Primeiro é a resistência, pois só vamos conseguir construir algo novo se mantermos o pouco que a gente tem. Pegar como exemplo a direção do STIMMMESL, que tenho o maior orgulho, é uma direção coesa, com lutadores. Essa companheira que vai conseguir fazer essa mudança, essa retomada, mas pra isso precisam resistir, assim como outras direções. E eles estão fazendo isso, quando vejo que o sindicato fecha a Convenção Coletiva fico feliz, pois sei que não é fácil. Buscar aumento real, garantir as cláusulas sociais são grandes vitórias. E outro desafio, não menos importante, é que este ano é ano de eleições e não adianta querer fugir. Não adianta. Óbvio que o Sindicato não pode se envolver com eleição, mas os dirigentes sindicais, as pessoas, as lideranças podem, devem e tem que ter lado nestas eleições. O trabalhador tem que saber quem lhes prejudica e quem não prejudica. Hoje, temos um governo neoliberal, entreguista e protofacista, comandado por um cara ruim, que está destruindo o nosso país, olha o preço da gasolina, tu pegas R$ 100,00 e não consegue comprar nada. Está muito difícil com esse custo de vida e os salários não acompanharam, tivemos produtos com mais de 100% de aumento, e quanto aumentou o nosso salário? Não estamos vivendo pouca coisa, precisamos derrotar esse governo.

 

O que você diria para um trabalhador entrar para o movimento sindical? 

Que é lindo, magnífico, apaixonante. O movimento sindical é apaixonante. Estive 15 anos no movimento em São Leopoldo e gosto de dizer que sai pela porta da frente, achei que tinha outra tarefa e também acho que o sindicalismo não é para sempre. Aprendi muito no movimento sindical, cada luta eu vinha para casa muito feliz. Tenho recordações muito boas, tenho muitos amigos. Eu diria para a pessoa que vai entrar no sindicato: mergulha, não entra surfando, mergulha. Porque tu não vais te arrepender.

 

 

Como o sindicato pode atrair mais sócios? 

Tem vários instrumentos, há sindicatos que fazem sorteios o que é válido, o próprio Sindicato de São Leopoldo tem uma área de lazer linda, talvez uma das melhores áreas de lazer urbanas no estado, tem o ginásio, o departamento de saúde e vários atrativos para ter sócios. Mas acho que temos que mostrar a história, a importância do Sindicato, tudo aquilo que ele já conquistou, mostrar que se houver mais participação, vamos conquistar mais coisas. Importante também ouvir, ouvir os companheiros metalúrgicos, pois as pessoas trazem experiências, ouvir os mais jovens. Campanhas de solidariedade, mostrar que o Sindicato se importa. E sobre a comunicação, primeiro parabenizar o Sindicato por ter um setor de comunicação, isso é muito importante, a comunicação hoje rege o mundo, tem que ter redes sociais, interagir com a base, nas fábricas. Os nossos adversários usam muito isso e os nossos companheiros que não sabem, precisam se adequar aos novos instrumentos que devem ser utilizados.

 

Gostaria de acrescentar alguma coisa? 

Um agradecimento a toda a direção do Sindicato, a esse convite, tenho grande orgulho de ter feito parte da direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Leopoldo e Região e vejo falarem muito bem do nosso sindicato. Passei quase duas décadas aí, conheço e sei da luta de muitos dirigentes. Não somos perfeitos, não existe direção perfeita, mas são companheiros que fazem o melhor de si, que lutam pelos trabalhadores.

 

 

Fonte: STIMMMESL

Imagens: Israel Bento Gonçalves

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