“É preciso olhar as necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras, principalmente dos mais jovens”, afirma o secretário-geral da CNM/CUT, Loricardo de Oliveira
Metalúrgico há 36 anos, morador de Campo Bom, Loricardo de Oliveira hoje é trabalhador na Metalúrgica Limpar Serviços Técnicos, como trabalho polivalente I, após sua transição da metalúrgica Açoreal, como fresador. Seu primeiro emprego foi como ajustador de peças na metalúrgica Plínio Fleck Ltda, onde foi cipeiro. Dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Leopoldo e Região (STIMMMESL) desde 1991, foi presidente da entidade de 2003 a 2006.
Ele também foi tesoureiro da CUT-RS e hoje está secretário-geral da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM/CUT). Para Loricardo, é preciso olhar as necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras, a partir do local de trabalho, e principalmente dos mais jovens. “O sindicato precisa estar dialogando com esses trabalhadores no local de trabalho e nos locais de convivência, para que eles se sintam representados”, garante.
Confira a íntegra da entrevista:
Conte um pouco da sua história? Como entrou no movimento sindical?
Na verdade, eu entrei no movimento sindical a partir do movimento da pastoral da juventude, da igreja católica na época. E fui conhecendo um pouco a luta de classe, a importância do movimento sindical e até porque eu tive uma trajetória de enfrentamento como cipeiro na empresa Plínio Fleck em Campo Bom, onde tive uma atuação de cobrar melhorias no local de trabalho, e na greve geral de 1989 a empresa me demitiu por justa causa. Passei para a metalúrgica Açoreal. A partir disso, eu resolvi entrar para o movimento sindical, por conta representação dentro da fábrica.
Você é secretário geral da CNM/CUT. Muitos trabalhadores não sabem que o sindicato é filiado a uma Confederação, fale um pouco sobre a função da CNM/CUT.
Nesta questão, o que falta na verdade, é o sindicato realmente falar da importância das confederações, das federações, da CUT. Sempre falo que temos sindicatos filiados, mas nem todos são sindicatos cutistas. E os trabalhadores são o reflexo da direção. Quando os trabalhadores não conhecem é porque a direção do sindicato muitas vezes omite esta informação e não divulga na categoria. Não é uma questão de o sindicato ser filiado ou não, é uma falta de conexão da direção do sindicato em saber o significado da confederação.
Como você avalia o movimento sindical metalúrgico do Brasil, nos dias de hoje?
Depende muito do futuro organizativo dentro do local de trabalho, mas depende muito também do que vai acontecer com o ramo da indústria. Nós éramos aqui em São Leopoldo, logo quando entrei para o Sindicato, em torno de 26, 27 mil trabalhadores, agora estamos chegando ao máximo a 18 mil, isso ocorre em função das novas tecnologias, mas também em função de investimentos no setor. No movimento sindical metalúrgico, hoje no Brasil, há uma necessidade de organizar a fábrica, de conhecer as tecnologias, o novo processo produtivo, 5G… O movimento sindical precisa entender as mudanças que aconteceram no mundo do trabalho, que são muito rápidas e muitas vezes, os nossos sindicatos e dirigentes não conseguem entender o que está acontecendo no local de trabalho. E a destruição da indústria brasileira reflete nos metalúrgicos, quando tinha 26 mil na base nos anos 1980, havia uma participação no Produto Interno Bruto (PIB) de quase 30%, hoje tem uma participação mínima, pouco significativa para indústria. Então tem um reflexo também de número de pessoas trabalhando, mas também no movimento sindical metalúrgico, que representa a indústria.
É característico do STIMMMESL lançar dirigentes que se destacam no RS e nacionalmente. Como você avalia isso?
Eu diria até que somos pobres, quando se refere nas representações nas esferas legislativas e de governos. Nós não conseguimos, por exemplo, nomes para compor o parlamento. Se tu olhares Canoas, já teve senador, deputado, vereadores. O ABC teve um presidente da república. Nós não conseguimos fazer isso, ficamos muito nas instâncias sindicais. Precisamos passar a frente, termos lideranças que possam representar a nossa base, também nos parlamentos. E não é uma questão de se destacar, falta ainda dar um passo à frente no sindicato. Na minha opinião, somos muito corporativos e internistas. Precisamos sair para fora, para realmente se destacar. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Leopoldo se destaca ao construir lideranças nacionais, para instâncias sindicais que constrói o movimento sindical, mas não consegue fazer isso para fora, ou seja, ocupar os espaços que decidem a vida das pessoas além da fábrica. Um desafio que precisa ser enfrentado.
Qual a importância do movimento sindical na luta de classes?
É imprescindível. Porque ali se discute a mais valia, a renda, o trabalho decente, políticas públicas. Tudo isso dentro do movimento sindical. É lógico que os sindicatos, muitas vezes, acabam discutindo suas pautas corporativas, emergenciais como salários e problemas internos nas fábricas, que são o DNA da representação sindical. O movimento sindical no conjunto ele precisa ter esse olhar mais estratégico e é fundamental na importância da luta de classe, porque ele desnuda o que acontece realmente quando estamos falando de distribuição de renda.
Qual a tua avaliação dos ataques que a classe trabalhadora tem sofrido desde o golpe de 2016. Como as reformas trabalhistas e da previdência?
A avaliação é o que vemos agora, as reformas, os decretos do atual presidente modificam a relação de trabalho, praticamente destroem muitas conquistas, mas também apresentam desafios. Desafio para que o movimento sindical se atualize e se modernize no sentido de negociação, de representação e de sustentação. Então penso que a classe trabalhadora que sofreu o golpe com as reformas trabalhista e previdenciária, tem um desafio muito grande de alterar as suas ações, mas principalmente de alterar as concepções de organização e isso leva inclusive buscar novas representações. Os metalúrgicos não podem mais só representar metalúrgicos, tem que discutir com a classe trabalhadora uma representação maior e é isso que discutimos no macrossetor da indústria. Não é possível você discutir, negociar algo da indústria separadamente, temos que começar a pensar como negociar coletivamente essas questões relativas a indústria e o problema de uma representação sindical de trabalho que não é só dos metalúrgicos, mas de todo o setor produtivo industrial. Temos que pensar sobre isso e como vamos discutir um novo formato de organização e principalmente, de enfrentamento as reformas que estão sendo implantadas.
O movimento sindical, como um todo, está muito desacreditado. Como reverter isso?
O movimento sindical até pode estar desacreditado, mas ele está sendo creditado agora, porque as perdas são tão terríveis que as pessoas começam perceber a importância que tem o movimento sindical. E um dos exemplos é esse momento de inflação alta, você consegue brigar por um reajuste do INPC, em torno de dois dígitos, e a categoria percebe que se não for o sindicato, não vai ter quem reponha, então essa questão eu vejo que é importante, como se diz no popular “a dor ensina a gemer”. Também é preciso olhar as necessidades dos trabalhadores, principalmente os mais jovens. É um desafio nosso descobrir o que essa juventude quer, o que quer para o futuro. Eles não são alguém fora da curva, eles estão dentro do local de trabalho sonhando em ter um protagonismo maior na sua vida, inclusive de renda, de esperança, de futuro, mas também percebem que ali dentro há uma disputa muito grande, hierarquia e eles começam a perceber que não vale a pena estarem ali dentro trabalhando, trabalhando, trabalhando se não tiver um movimento que consiga garantir um futuro melhor. Então essa questão do desacreditado, vejo que é um momento de creditado, um momento onde o movimento sindical consegue ser percebido como algo importante para o futuro dos trabalhadores. Agora para reverter precisa organização, representação, ter uma pauta que converse com os trabalhadores no local de trabalho.
Qual o principal desafio do movimento sindical no próximo período?
O principal é o que vamos ter nas próximas eleições em 2022 e eleger o presidente Lula, precisamos eleger uma bancada federal vinculada aos trabalhadores, uma bancada estadual também. Precisamos eleger candidaturas comprometidas com o movimento sindical, hoje a bancada sindical no Congresso é muito pequena, praticamente inexistente, diferente de outras bancadas. Por isso, o desafio do movimento sindical é sair das eleições de 2022 com um horizonte de que nós conseguimos, novamente, como foi lá na construção da Constituição de 1988, colocar dirigentes capazes de fazer o debate de mudanças radicais no país, inclusive revertendo muitas pautas desde o golpe de 2016.
E da indústria? Como gerar empregos?
A indústria precisa ser indústria, acho que essa é a primeira questão. A segunda é que precisamos ter um movimento de construir uma política industrial no Brasil, o que não tem. Temos ações paliativas, mas não conseguimos discutir uma estratégia maior e os dois exemplos dos últimos dias são a BR do Mar, que vai modificar a logística de vendas no Brasil, abrindo as fronteiras. Outro exemplo é referente as ferrovias, não estamos discutindo qual é o conteúdo local, questão de pesquisa, de tecnologia e participação dos trabalhadores neste projeto de indústria. Outro projeto que aparece aí é o Renovar Caminhões, quer dizer, o governo está implantando, está vendendo, mas na verdade não aparece nada de programa para gerar empregos. Então, a indústria para gerar emprego é preciso ter um plano industrial que vise o emprego, a pesquisa e o trabalho decente. É preciso construir isso.
Como atrair mais sócios para o sindicato?
Bom, essa é outra questão que é um desafio muito grande. A gente diz que o sócio em porque quer vir, é uma vontade pessoal. É sim, uma vontade pessoal, mas o sindicato precisa estar dialogando para esse trabalhador se sentir representado. Para o trabalhador dizer “olha eu estou aqui, sou sócio do sindicato porque eu acredito nesta ferramenta”. Claro que o sócio também vem pela área de lazer, da saúde, por questões da fábrica. Mas nós precisamos dialogar mais diretamente com os trabalhadores e para isso, é necessário que se dialogue com toda a amplitude da sociedade, não pode discutir somente algo que esteja ligado a categoria, hoje não cabe mais isso. Tem muito metalúrgico que tem tripla jornada, ele é metalúrgico, garçom e faz uber. Nas horas vagas, o trabalhador é mais que um metalúrgico e metalúrgica, existe o trabalhador e a trabalhadora. E aí a gente começa a perceber a diferença entre um trabalhador e um empregado, empregado é o cara que está lá na empresa, é vinculado, mas o trabalhador é muito mais que isso e essa compreensão é importante para atrair o sócio. Se eu sou um cara que faz mais de um trabalho a gente precisa saber no que o sindicato vai me proteger. Como você tem um sindicato que não consegue, por exemplo, ser uma sustentação com a base de um trabalhador de aplicativo. O trabalhador de aplicativo, entregador de tele entrega, muitas vezes ele está no centro da cidade procurando uma internet, ele não tem um lugar para tomar água, para ir no banheiro, um lugar para sentar e descansar. O sindicato poderia ser um espaço para isso. Então para atrair sócios, tu precisas propor para aquele trabalhador e trabalhadora algo que se sinta com representação, que se sinta abrigado no seu sindicato a partir das suas necessidades, das suas vontades e isso é um desafio muito grande. O sindicato precisa estar mais perto não só do local de trabalho, mas mais perto da vida completa dessas pessoas. E quero dizer que aqui no Brasil, o número de associados não é muito diferente do mundo, se você olhar para Estados Unidos, Alemanha, o número de sindicalizados não é tão maior que o nosso.
Fonte: STIMMMESL
Imagens: Israel Bento Gonçalves