De Collor a Dilma: o que pensam ex-ministros da Previdência sobre a PEC de Bolsonaro
Há pelo menos 30 anos, o governo federal promove mudanças no modelo de Previdência Social. O desafio dos presidentes da República e seus ministros é encontrar um modelo justo sem comprometer a estabilidade das contas de financiamento das aposentadorias e pensões.
Na visão de cinco ex-ministros da Previdência Social, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 06/19 do governo Bolsonaro (PSL) prejudica os trabalhadores e aprofunda desigualdades sociais. A maioria deles compreende que, ao implantar um modelo individual de capitalização, que fracassou em países como o Chile, o presidente de extrema direita favorece diretamente o mercado especulativo.
Antônio Rogério Magri, ministro da Previdência Social e do Trabalho entre março de 1990 e janeiro de 1992, no governo Fernando Collor, questiona os argumentos do atual governo sobre o risco de “colapso” nas contas públicas.
“Lá em 1990, quando eu assumi, [eu ouvia] ‘Ah, vai quebrar a Previdência’. E ela não quebrou. Se você for para o ano 2000, muitas vezes disseram: ‘Vai quebrar’. Não quebrou. Aí, você vai para 2010, e vê que ela não quebrou. E em 2020, ela também não quebrará. A Previdência não quebrará”, ressalta Magri.
Enquanto ministro, ele tentou modificar a idade mínima para aposentadoria, mas a proposta não passou pelo Congresso. Propor uma reforma sem ouvir o movimento sindical e o conjunto da sociedade civil, segundo Magri, é um equívoco: “O [ministro da Economia] Paulo Guedes, na sua capacidade de enxergar somente números, como rentista que é, como banqueiro que é, como aplicador que é, não é capaz. Não tem os olhos no social”.
Vista grossa
O ex-ministro de Collor cita alguns aspectos que o governo Bolsonaro não incluiu na PEC e que poderiam ajudar a estabilizar as contas – sem prejuízo aos trabalhadores e aposentados. Por exemplo, a revisão das isenções previdenciárias das entidades filantrópicas e o fim da aplicação da desvinculação das receitas da União sobre o orçamento da Seguridade Social, que tira até 30% do valor reservado para as aposentadorias, a Assistência Social e a Saúde.
Para Magri, causa estranhamento que Bolsonaro não fale sobre a cobrança dos R$ 236 milhões de dívidas ativas da Previdência Social. Essa “vista grossa” para aliviar a responsabilidade do empresariado, segundo ele, tem relação com o perfil do atual ministro da Fazenda e ex-banqueiro Paulo Guedes.
O ex-ministro Antônio Britto, que chefiou a pasta da Previdência de outubro de 1992 a dezembro de 1993, no governo Itamar Franco, faz as críticas mais amenas. Ele seria a favor de uma reforma que não comprometesse o direito dos brasileiros à aposentadoria, por isso lamenta que as iniciativas de Lula (PT) e Temer (MDB), consideradas “menos radicais” que a de Bolsonaro, não tenham sido plenamente aprovadas.
“Nos países mais avançados em termos de democracia, a briga eleitoral-partidária respeita ou preserva assuntos que não pertencem a partido, pertencem ao país como um todo. São feitos acordos duradouros”, disse Britto em entrevista ao jornal Pioneiro, em julho de 2018.
Ministro da Previdência Social de março de 2002 a janeiro 2003, no governo FHC (PSDB), José Cechin interpreta que o envelhecimento da população preocupa o equilíbrio da Previdência, mas projeta que os problemas devem começar daqui a seis décadas. “Os números apontam que, por volta de 2060, a população brasileira contará com mais de 50 milhões de aposentados e pensionistas para uma força de trabalho ativa de pouco mais de 110 milhões de pessoas, o que pode levar o Estado brasileiro à insolvência”, afirmou Cechin em evento da Fecomércio, em 2016.
O ex-ministro Ricardo Berzoini, que chefiou a pasta de janeiro de 2003 a janeiro de 2004, no governo Lula, critica a manipulação de dados feita pela equipe de Bolsonaro para tirar o foco dos motivos para o desequilíbrio nas contas da Previdência:
“O desequilíbrio foi provocado pela crise econômica, que tem a ver com a crise política, que vem de 2015 a 2019. Na realidade, há uma necessidade de o Estado brasileiro reorganizar o seu orçamento e repensar seu sistema tributário, antes de tratar dos benefícios previdenciários. Na sua imensa maioria, os benefícios são a forma de manter a renda de quem não tem renda. São uma forma de preservar a capacidade de sobrevivência e de consumo de uma parcela da população que não tem mais espaço no mercado de trabalho”, analisa.
Para Berzoini, o caminho mais justo, ignorado por Bolsonaro, é uma reforma tributária que gere novas fontes de renda para a Previdência e para a Assistência Social. “O sistema atual tributa fortemente o consumo, o que pesa muito para os mais pobres, e não tributa a renda e o patrimônio”, acrescenta.
O ex-ministro também menciona a isenção de impostos sobre dividendos – lucros sobre ações – como uma das distorções da tributação no Brasil: “Os grandes capitalistas, detentores de bilhões de reais, de centenas de milhões de reais, não pagam imposto de renda da pessoa física quando recebem seus dividendos, como banqueiros, acionistas de mineradoras, de empreiteiras, do agronegócio. E ainda temos a distribuição de juros sobre capital próprio, que é um mecanismo perverso porque permite que a empresa distribuir 50% do seu lucro como se fossem juros, e não como lucro – o que de fato é”.
Injustiças
Titular da pasta da Previdência e Trabalho durante o segundo mandato de Lula, entre março de 2007 e junho de 2008, Luiz Marinho afirma que a proposta do Bolsonaro ataca diretamente o princípio de proteção social, garantido na Constituição de 1988, sem dialogar com a sociedade.
“Quando ele fala de enfrentar os problemas e que é preciso fazer a reforma da Previdência, porque o mercado isso, o mercado aquilo, dizendo que isso pode representar a retomada de investimentos, isso é uma grande balela. O objetivo é transformar o povo trabalhador em uma grande massa de baixa remuneração, sempre à disposição de ganhar salários menores ainda do que já se pratica no Brasil”, critica, ao lembrar que Bolsonaro não propõe medidas para reduzir a sonegação.
Outro ex-ministro da Previdência de Lula, de junho de 2008 a março de 2010, José Pimentel afirma que a proposta de reforma de Bolsonaro e Paulo Guedes comete uma injustiça ao alterar a relação entre idade e tempo de contribuição. “Em 2018, cerca de 81% dos aposentados era por idade, e a regra determina que o valor do benefício é igual a 70% da média mais 1% por ano de contribuição. Neste caso, alguém com 20 anos de contribuição teria direito a 90% da média. O que faz a proposta do Bolsonaro? De imediato, reduz o valor para 60% da média. E só a partir do 20º ano de contribuição passa a somar 2% por ano de contribuição. Ou seja, para ter 100% da média, será preciso 40 anos de contribuição. É uma injustiça”, lamenta Pimentel.
Segundo Carlos Eduardo Gabas, que assumiu a pasta tanto no governo Lula, de março de 2010 a dezembro 2010, como no governo Dilma, de janeiro de 2015 a outubro de 2015, a proposta de Bolsonaro garante um fundo bilionário para ser rateado entre os bancos.
“No modelo atual, o financiamento vem da contribuição das empresas, do Estado (por meio dos impostos) e dos trabalhadores, e o governo diz que não vai dar para bancar. Daí, a proposta é aliviar a conta das empresas e colocar nas costas dos trabalhadores com a capitalização individual. Então, troca três fontes de financiamento por uma, e ainda quer convencer que vai dar certo. A gente já viu a bomba que foi no Chile”, lembra o ex-ministro.
Gabas ressalta que, se aprovada, a PEC comprometerá a própria arrecadação do governo. “Cada um real que o governo paga de benefício, seja previdenciário, assistencial ou de transferência de renda, R$ 0,51 volta como imposto”, finaliza.
Outros ex-ministros
O Brasil de Fato tentou contato com outros ex-ministros da Previdência e buscou declarações públicas sobre a PEC de Bolsonaro ou a necessidade de reformas no atual modelo. O ex-ministro Reinhold Stephanes, do governo FHC, e atual secretário de Previdência do governo do Paraná, não respondeu aos telefonemas e e-mails da reportagem.
Também não houve retorno do ex-ministro Waldeck Ornelas, titular entre abril de 1998 e fevereiro de 2001 no governo FHC, e de Almir Lando, ex-ministro de Lula de janeiro 2004 a março de 2005.
No governo Temer, após o golpe parlamentar de 2016, o ministério foi extinto.
Fonte: Brasil de Fato